Fotografia de Flor Garduño
(Dedicado a Teixeira de Pascoaes e a Isabel Santiago a quem reverencio, oferecendo-lhes o gosto antecipado de uma flor do deserto, colhida no "jardim de Saudades" em futuros imaginados...)
Ela caminha no deserto. As suas formas desenham no chão a sombra de uma flauta cantante sobre a areia tórrida. Caminham devagar, movendo-se como a Serpente e a sua sombra, no círculo amplo do mundo. O seu vulto é como uma miragem. Aparece e desaparece, na distância branca do vestido. Um som de flauta eleva-se nos ares e o poeta está fora da sua montanha. As dunas estão quentes e os pés do Poeta, acostumados a subir pacientemente a serra até ao cume, para a ver a ausência do mar e da voz, no imo do Silêncio que dança e canta, os pés do poeta sofrem e a imagem afasta-se, por detrás das dunas. O poeta procura a sua musa, orientando-se pelas estrelas que caem e se acendem no coração do deserto. O mar é já uma Saudade nos seus olhos. O poeta quer abraçar a figura que dança, agora, com passos miúdos, a dança das cinturas finas e do ventre. A dança da Serpente no Mundo. A dança da Terra. A cabeça do poeta é uma montanha a arder e uma pedra na sua boca é fogo divinizado. O poeta tem Saudades do mar da montanha de outrora. Agora o deserto não tem onde se esconder do calor que abrasa e o horizonte é uma linha muda que não escreve. É uma linha de Silêncio. Ela, a Musa do Poeta, aproxima-se à frente de um grupo de dançarinos que a seguem e tocam instrumentos de percussão e flautas. O Poeta olha para dentro dos olhos brancos dos pássaros gigantes e a sua pele queima. Não chove deste lado do céu, e uma estrela que cai é como se fosse uma folha, e nele uma “alma sobe” para a colher. Para lá do deserto, o Poeta invoca; Ó alma, rasga a névoa em que te escondes”: Rasga o véu nocturno em que te escondes. Quero ver-te. O poeta trepa pelo grito e chama em seu auxílio a “pedra negra". Uma ladainha sai da sua voz, uma litania: a litanía dos “negros silêncios abismáticos”; “desertas amplidões” lembradas. Só a estátua dum Dante que falasse/Aos ventos da loucura! A mulher foi-se aproximando do poeta e sem que este desse conta, tinha a cabeça poisada no seu colo. E a Senhora da Noite, a rainha do deserto de Saudades, lavou o seu vestido na água das lágrimas e passou-as pela testa em febre do Poeta. Os ventos da loucura sopravam no deserto e o mar nascia nas suas mãos, divino e em Saudade. Como um caminho que se abria ao lábio, os dedos do poeta entrelaçavam-se na infinita saudade em que se acham. Anda a Noite a queixar-se, num clamor de mágoas tão profundas - Ouve-se dizer o Poeta, antes do beijo da noite lhe cobrir as pálpebras. Um cheiro a canela e açafrão desprendia-se do lume do céu.
14 comentários:
Saudades e Isabel, como é bom escutar o vosso diálogo!
Abraços
Riso.
A idade é do melhor que se pode ter e, no meu caso, todos perdoam.
Levam a vidinha a tirar comentários... "Dêem-se sem falsidade".
Se não estás bem: MUDA-TE!
Não percas o teu tempo aqui...
Vive e Sê feliz!!!
Por favor, faz alguma coisa por
ti...
Não te consumas, não te magoes dessa maneira...
Não vivas de falsidade!
Tu não és isso, acredita em ti!
Vive!
Não sejas presunçosa.
na bibas atira te ao mari lol
Bebi... atirei-me ao mar e ele devolveu-me à Serpente! Lol
Tendo-me eu encontrado com Iabel a dos pés azuis na montanha pela noite, pela aurora e pelo anoitecer; tendo eu com ela cantado em teu louvor o poema que da Natureza ouvi, entristecida e ensandecida, a "Senhora da Noite", lembrei-me - ao que ela logo assentiu - que te buscassemos este hino ao Amor universal e cósmico no qual cada um dos amores em particular se integra, para te louvarmos e te celebrarmos filha única do Amor e dos poetas, filha do sol e da Lua...ou não fosses tu Obscura e claramente raio e trovão nos céus etéreos desta vida. Na outra te esperamos, por não ser outra e ser a única. A Via. Que a tua voz se junte à nossa para cantarmos em coro este "Panthea" glorioso e inspiradíssimo:
"Não, caminhemos do fogo ao fogo,
Da dor apaixonada ao mais mortal prazer –
Sou ainda muito novo para viver sem desejo,
E tu muito nova para gastares a noite de Verão
Com vãs questões, que os homens desde sempre
Buscaram de videntes e oráculos, sem ter resposta.
Porque, minha querida, melhor é sentir do que saber,
E a sabedoria é uma linhagem sem filhos;
Uma palpitação de amor – o primeiro fulgor juvenil –
Valem bem o tesouro dos provérbios de um sábio;
Não atormentes a tua alma com filosofia morta:
Não temos nós lábios para beijar, corações para amar, olhos para ver?
Não ouves tu o rouxinol a murmurar
Como água que gorgoleja de um jarro de prata?
Tão doce canta que a lua de ciúmes se põe branca
Por tão alto no céu se alcandorar
Que não escuta essa canção de amor arrebatado…
Repara como enreda os chifres entre a bruma, além, tardia e atormentada.
Lírios brancos, em cujas taças as abelhas sonham,
A neve caída das pétalas, ali, onde a brisa
Esparze a flor do castanheiro, ou o brilho
Dos braços de rapazes na água – não te bastam
Estas coisas, terás de desejar mais?
Hélas! Os deuses nada mais concedem de suas provisões eternas.
Porque os nossos altos deuses adoeceram e cansaram-se
De nossos infindáveis pecados, de nosso inútil esforço
Para expiar os dias juvenis mal gastos
Pela dor, a prece, por um padre, e nunca, nunca,
Agora atendem ao bem ou à maldade,
Mas mandam a seu contento a chuva sobre justos e injustos.
Sentam-se descansados, os nossos deuses,
A misturar pétalas de rosa no vinho oloroso,
Dormem, dormem sob as árvores balouçantes
Onde o asfódelo e o lótus flavo se entrecruzam,
Carpindo os dias felizes em que não sabiam
O mal que podia sonhar o coração humano, e fazer, sonhando.
E longe, muito abaixo do estrado de bronze, vêem
Como enxame de moscas a multidão de homúnculos,
E a azafama das vindimas – então entediados
Regressam novamente aos seus tectos de lótus,
Beijando-se nas bocas, e mais fundo misturam
Os grãos de papoila que embalam as doces pálpebras violáceas.
Aí, durante todo o dia, o Sol trajando de ouro,
Seu porta-tochas, ergue-se de archote em chamas,
E, quando a teia de gaze da lua é tecida
Pelas suas doze aias, através da bruma rúbea,
Fresca dos braços de Endímion sai a lua,
E os deuses imortais tombam convulsos de mortais paixões.
Ali passeia a rainha Juno em prado de orvalho,
Os pés alvos e imperiosos salpicados do açafrão
Dos lírios pelo vento, enquanto o jovem Ganimedes
Mergulha no mosto quente de âmbar espuma
Os caracóis em desalinho, como quando a águia
Levou de Ida aquele rapaz assustado, através do céu azul da Jónia."
[...]
"Aí, no grande coração verde de um jardim,
A rainha Vénus com o pastor junto de si,
O corpo dela cálido tal rosa do espinheiro
(Que há-de corar, conquanto branca, de orgulho),
Ri baixo de amor, até que, ciumenta, Salmacis,
Espreitando entre o mirto, suspira pela dor de uma bênção solitária.
Nunca aí sopra o terrível vento norte
Que deixa descarnados nossos bosques de Inglaterra,
Nem nunca cai a neve veloz de brancas plumas,
Nem nunca se atreve o raio com seus dentes vermelhos
A despertá-los na noite de matizes argentinos
Quando nos deitamos a chorar um lapso doce, um deleite morto.
Hélas! Conhecem eles a fonte distante de Lete,
Conhecem bem as águas de cor violeta ocultas
Onde aqueles cujos pés de tanto andar cansados,
Alquebrados, podem ganhar alento e ir,
E dessas escuras profundezas frias de cristal
Bebem o bálsamo e o sono para as almas insones.
Nós, porém, retraímos nossa natureza – Deus ou a Sorte
É o nosso inimigo, temos fome e alimentamo-nos
De vãos remorsos – Ó, nascemos muito tarde!
Que bálsamo há para nós nas papoilas pisadas,
Nós que em finita pulsação de tempo comprimimos
A alegria do infinito amor e a dor atroz do infinito crime.
Ó, como nos cansa este peso de culpa,
Nos cansa o prazer, que ama o desespero,
Nos cansa cada templo edificado,
Nos cansa cada recta prece não escutada,
Porque é fraco o homem; Deus dorme; e o céu é alto;
Um instante cor de fogo, um grande amor, depois morremos.
Ah! Mas nenhum barqueiro com timão esforçado
Acerca a negra chalupa da praia sem flores,
Não há moeda de bronze que nos leve a alma
Sobre o rio da Morte até à terra sem sol,
As vítimas, o vinho e os votos – tudo em vão,
Selada está a tumba; os guardas vigiam; os mortos não se erguem de novo.
Decompomo-nos pelo ar supremo,
Fazemo-nos um só com o que vemos e tocamos,
Com o sangue de nossos corações cada sol rubro se faz belo,
Com nossas jovens vidas cada árvore de Primavera ébria
Arde em verde, e os bichos mais selvagens que rondam
O paul são nossos parentes, toda a vida é uma, e tudo é mudança.
Ao ritmo de sístole e diástole
Pulsa uma grande vida pelo peito gigante da terra,
E as ondas enormes de um único Ser ondulam
Do embrião sem nervo até ao homem, pois somos parte
De cada pedra e ave e bicho e monte:
Um com as coisas que nos caçam, e um com as coisas que matamos.
Das células mais baixas da vida em germe evoluímos
Para a completa perfeição; assim envelhece o mundo:
Nós que somos como deuses em tempos fomos uma massa
De roxo trémulo estriado às riscas de ouro,
Sem sentir a alegria nem o sofrimento,
E atirados aos baraços de um mar brusco e varrido pelo vento.
Esta chama quente e dura de que ardem nossos corpos
Há-de incendiar um prado com narcisos,
Sim! E esses teus seios argênteos hão-de ser
Nenúfares; e o barro do campo que os homens lavram
Frutificará para que esta noite nos amemos,
Nada se perde na natureza, tudo vive a despeito da Morte."
[...]
"O primeiro beijo do rapaz, a primeira campânula do jacinto,
A última paixão do homem, e o último rubro estilete
Que do lírio surte, e o asfódelo
Que não desabrocha com medo
Da mor beleza, e a acanhada timidez
Do jovem noivo ante os olhos da amada – tudo isto
É consagrado pelo mesmo sacramento; a terra,
E não apenas nós, tem enlevos nupciais;
Os rainúnculos amarelos que agradados tremem
Ao romper do dia sentem um prazer tão real
Como nós quando, num fresco bosque frondoso,
Aspiramos a Primavera no peito, e sentimos que é boa a vida.
Assim, quando nos enterrarem os homens sob o teixo
A tua boca de carmim pintada há-de ser rosa,
E teus doces olhos flores azuis cheias de orvalho,
E quando o narciso branco em seus caprichos
Beijar o vento, Companheiro de brincar, uma vaga alegria
Avivará o nosso pó, e seremos outra vez moço e moça que se amam.
E assim, sem a tortura consciente desta vida,
Havemos de sentir o sol nalguma doce flor,
E de cantar de novo na garganta de um pintarroxo,
E como duas cobras de armadura reluzente correremos
Sobre as nossas campas, ou como dois furtivos tigres
Rondaremos a selva quente onde dormem os leões de grandes olhos amarelos." Oscar Wild
Um Abraço.
... literatura!
Sol que brilha mas de pouca dura...
Teixeira de Pascoes e Isabel...
Depois deste voo enorme,grandioso, pleno de vibrações telúricas e vozes do "Jardim" que havia... exausta e ofegante, já no cume da montanha, eis que me vejo, desviada a névoa, Aurora de mim, sem quê nem porquê...
Só débeis sopros saem destes lábios quase fechados, restos de memória a boiar no frio dos vales, uma voz balbuciante dita a Iabel a frase que emudece a Saudade num suspiro:
"Regressa o mundo ao mundo”, lentamente, solenemente. O poeta tem uma estrela a arder nos olhos e a Aurora é uma barca do Sol. O véu cobre de névoa a névoa dos olhos. A anunciada estrela. Ver a Senhora da Noite é receber do colo da nascida Aurora o eterno convite ao Amor. O poeta esquece nesse colo a sua sede de Luz. Mas a Luz que recebe é ainda o Verbo escuro; a antiquíssima sombra, uma figura, um espectro...
Enigma da Senhora da Ausência que ninguém diz que viu, só o poeta amou, esse espectro de sangue a raiar a manhã do céu futuro; a voz do poeta canta o mistério da montanha solidificada de Mar. A. Mar (es) ia. Ao mar(me)ia se lá me encontrassem as Saudades que trazia...
Não há palavras para coroar de luz a tua face límpida, o teu jeito manso de apagar tristezas...
As lágrimas que caem nas mãos de Pascoaes, purificam o dia. Cantam a funda Alegria, a dança das duas luas...
Enviar um comentário