O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


quarta-feira, 19 de agosto de 2009

o preço do meu VOTO

Não peço que asfaltem a estrada do meu Monte - quase intransitável no Inverno
nem reponham ordem no telhado - que estorninhos e gatos se têm divertido a escangalhar
Não vendo meu precioso voto (quem sabe não será ele a decidir) por um lugar de assessoria principesca
no campo, por exemplo, da utopia que anima a população da urbe
Não hipoteco
minha cruzinha no quadrado
por um cabaz de benesses de que nunca mais eu desse conta
O meu preço político é barato:
votarei em quem se comprometa
a pôr um casal de esquilos no Jardim.
Sim, leu bem: um casal de esquilos no Jardim
Estou farto de melhoramentos que valem milhões de euros, e poucos benefícios trazem
a quem coze o pão ou vende sapatos na Sapataria
ou mendiga à tarde sob os Arcos uns cêntimos miseráveis
Farto
de Fábricas estrangeiras que prometem milhares de postos de trabalho
e a gente sabe se deslocam repticiamente para o primeiro buraco em que se sintam protegidas
Por isso, políticos locais, o meu voto a quem se comprometa
a pôr um casal de esquilos no Jardim
Milhares de cidadãos futuros ficarão felizes
Ninguém melhor para governar adultos
do que
quem saiba estar
atento à felicidade das crianças

7 comentários:

Paulo Borges disse...

Platero, felicito-te pelo poema e sobretudo pelos quatro versos finais, que são preciosíssimos e dignos de antologia numa súmula da sabedoria intemporal!

platero disse...

Paulo Borges

é sempre reconfortante encontrar quem se identifique com as coisas que fazemos.
uma das características do que penso/escrevo é veicular algum humor-
Há anos, na Aldeia da Luz, Alqueva,um indígena lia uma crónica minha de jornal.
e sorria abertamente. Fiquei feliz.
Quando gosto de qualquer coisa: poema, sinfonia, peça de escultura ou de teatro, vejo-a como se fosse também um pouco minha.
o sucesso dos outros - mesmo que não os conheça - toca-me como se fosse em exclusivo meu.

abraço

Paulo Feitais disse...

E viessem os Esquilos, caro Platero...
O espalhar a felicidade dispensa os espantalhos com que nos semeiam as praças em dias de febre eleitoral.
Quantos sorrisos se poderiam semear com os milhões que estão neste momento a ser torrados nas campanhas eleitorais?
Pode fazer-se muito com muito pouco.
:)

Isabel Santiago disse...

Bom Platero

quanta sabedoria e generosidade no poema e na verdade que encerra! Comovi-me ao lê-lo. Mas isso é porque a par da leitura vêm sempre as crianças, ou o estado de infância. Mas depois de ler este poema até deveria dizer o Estado da Infância.

Um enorme sorriso.

Tumulto disse...

O Estado da Infância? Percebo, mas a Isabel decerto sabe que a Infância é sem Estado. A Infância, sobretudo a de antes de se nascer, é a única An-arquia viável. O Estado é inerente aos Egos adultos, ou seja, adulterados.

Sem tumulto disse...

Só quem não conhece a Isabel poderia pensar que ela não sabe essa diferença essencial. Mas leia com atenção e perceberá que não é isso que ela está a dizer. Talvez se ler Agamben perceba o sentido último do que ela tentou dizer. Ela será tudo menos ego e ego de adultos e do Estado! Ela criou uma hipótese...para um mundo em "estado de infância", como já aqui tantas vezes escreveu.

Anónimo disse...

Este esforço de poesia é pior que bosta de touro!...