quarta-feira, 30 de setembro de 2009

E... AGORA?!...

Quando o monarca D. João Terceiro
por desacatos que ele provocou
Camões fora da pátria colocou
mudando-lhe em degredo o cativeiro,

um escarninho riso sorrateiro
no rosto dos rivais se divisou
e toda a corte se regozijou
por ver-se livre desse arruaceiro.

O mal foi quando o Poeta, ao regressar,
na mão trazia, para os deslumbrar,
o poema que nas Índias compusera:

"Agora atirai pedras" - lhes reitera -
medíocres de engenho e de talento,
atirai pedras, montes de excremento!"

JOÃO DE CASTRO NUNES

Sobre os charcos (para Baal)

De como se dá à luz a cor [e cor à luz]

Actividades das plantas simples



Imagem de Joana Cerda


Algas: formas simples e primitivas de plantas, marinhas, de água doce e, mesmo não aquáticas, dotadas de clorofila. os teus Fazem fotossíntese. O nosso sexo é um tipo de algas, da família da Espirogira. os teus olhos Embora prolifere abundantemente na água estagnada dos charcos, não se desenvolve bem nos frascos de cultura, os teus olhos não em razão de algum requisito particular que até agora tem escapado aos cientistas que a estudam. E são as Cyanophyta, algas azuis e verdes que dão a cor aos teus olhos. Através da foto os teus olhos não são síntese frágil.


in Tratado de Botânica, 2006, Quasi.

Aos Serpentinos Passados, aos Serpentinos Presentes, aos Serpentinos Futuros




NAS NÚVENS Júpiter teve o seu inumano nascimento.
Mãe nenhuma o amamentou, nenhuma doce terra deu
Movimentos magnânimos à sua mente mítica
Movimentou-se entre nós, como um rei rabujento,
Magnífico, se movimentaria entre as suas corsas,
Até que o nosso sangue, misturando-se, virginal,
Com o céu, trouxe tal satisfação ao desejo
Que as próprias corças o discerniam, numa estrela.



O nosso sangue falhará? Ou virá a ser
O sangue do paraíso? E será que a terra
Aparenta tudo o que do paraíso conheceremos?
O céu será então muito mais afável do que agora,
Uma parte de trabalho e uma parte de dor,
E em glória a seguir ao amor constante,
Não este azul divisório e indiferente.



WALLANCE STEVENS
Ficção Suprema
*fotos de Sereia*


Juntei alguns nomes (sem ordem nenhuma que lhe valha de mais ou menos), correndo o risco de não me lembrar de todos os que mais gosto... Aqui deixo abraços a:
Anita Silva, João Moita, Ana Margarida Esteves, Adama, Tamborim, Rita, Joana, Liliana Jasmim, Ana Moreira, Platero, Luiza Dunas, Saudades, Isabel Santiago, Paulo Feitais, Paulo Borges, Soantes, Vergílio Torres, Anaedra, Rui Miguel Felix,João Read Beato, Fragmentus, Vicente Ferreira da Silva e muitos outros que me ensinaram a ler e me mostraram sempre mais do que eu viria um dia a ver por mim mesma :)
A TODOS, OBRIGADA*

Os Pobres

Jesus:
Não se dá um passo na vida, sem se encontrar um pobre, porque se não dá um passo na vida, sem se encontrar Deus, que é o verdadeiro pobre, neste mundo. Deus é o Pobre dos pobres.
Raul Brandão e Teixeira de Pascoaes, Jesus Cristo em Lisboa, Assírio e Alvim, 2007, p.27
.
Jorge:
Romeiro, romeiro, quem és tu?
Romeiro (apontando com o bordão para o retrato de D. João de Portugal):
Ninguém!
Almeida Garret, Frei Luís de Sousa, Europa-América, 8ªedição, p.92
.
Queres tu saber o que é um homem verdadeiramente pobre?
É verdadeiramente pobre em espírito, aquele que pode bem privar-se de tudo o que não é necessário. Por isso é que aquele que estava sentado nu dentro de um barril disse ao grande Alexandre, que tinha o mundo inteiro a seus pés: «Eu sou», disse ele, «um senhor muito maior do que tu és; porque eu desprezei mais do que tu aquilo de que tu te apropriaste. Aquilo que tu consideras como grande possuíres é para mim demasiado pequeno, mesmo para desprezar». (...) Teria um justo reino dos céus, aquele que pudesse renunciar a todas as coisas por amor de Deus, sem se interessar pelo que Deus desse ou não desse.
Mestre Eckhart, Tratados e Sermões, Paulinas, 2009, pp.97-98

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Eu


Das habitantes de Anaedera, dedicado em especial a SaudadesDoFuturo,

”Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada ... a dolorida ...

Sombra de névoa ténue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...

Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo para me ver,
E que nunca na vida me encontrou!”

Florbela Espanca

Emotion, Memory and the Brain


CORTICAL AND SUBCORTICAL PATHWAYS in the brain - generalized from our knowledge of the auditory system – may bring about a fearful response to a snake on a hiker’s path. Visual stimuli are first processed by the thalamus, which passes rough, almost archetypal, information directly to the amygdala (red). This quick transmission allows the brain to start to respond to the possible danger (green). Meanwhile the visual cortex also receives information from the thalamus and, with more perceptual sophistication and more time, determines that there is a snake on the path (blue). This information is relayed to the amygdala, causing heart rate and blood pressure to increase and muscles to contract. If, however, the cortex had determined that the object was not a snake, the message to the amygdala would quell the fear response.
.
Emotion, Memory and the Brain
The neural routes underlying the formation
of memories about primitive emotional
experiences, such as fear, have been traced
by Joseph E. LeDoux
SCIENTIFIC AMERICAN June 1994
.
Passar-se-á o mesmo, tomando por hipótese que a serpente, não é uma serpente mas sim, um indeterminado infinito? Nada mais nos restará senão agarrá-lo(a), com (c)alma e, quem sabe, beijá-lo(a) (?)

Quem é "Eu"?

http://

Eu não sei se sou ou se as coisas são a minha Ausência.
Eu não sei se sou a minha Ausência ou a tua.
Eu sou a que não sabe se és.
Eu “compaixono-me” de ti.
Eu enlouquece-me.
Eu sou Tu.
Tu não és nem não és.

Aquiles entre a Glória e os Vivos (Mortos)


Imagem: Google Imagens

A Ilíada é um poema sobre a morte e as suas personagens são dominadas pela compulsão de matar ou morrer. A história avança inexoravelmente para a inevitável extinção: as mortes de Pátroclo, Heitor e Aquiles e mesmo da bela cidade de Tróia. Também na Odisseia, a morte era uma transcendência tenebrosa, inefável e inconcebível. Quando Ulisses visitou os infernos, ficou horrorizado perante a visão das multidões desnorteadas e balbuciantes, cuja humanidade se desintegrara obscenamente. Porém, quando encontrou a sombra de Aquiles, Ulisses implorou-lhe que não se lamentasse: «Nenhum homem foi outrora, nem o será no futuro, mais feliz do que tu. Antigamente, quando vivias, nós, os Argivos, honrávamos-te à semelhança dos deuses, e, agora que aqui estás, reinas sem contestação sobre os mortos; por isso não te aflijas por ser defunto, Aquiles.» Mas isso não interessava a Aquiles. «Não me consoles assim da morte», ripostou com palavras que contrariavam totalmente o ethos aristocrático do guerreiro. «Preferia, como servo ligado à gleba, estar ao serviço de outrem, de um homem sem património, desprovido de quaisquer meios, em vez de reinar entre os mortos, que já nada são!» Havia um vazio temível no âmago do ideal heróico.

Karen Armstrong, Grandes Tradições Religiosas, Temas e Debates, 2009, p.115

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Pedido de desculpas

Queria formalmente e aos olhos dos leitores deste blogue pedir desculpa ao Doutor João de Castro Nunes pela pergunta colocada por mim num post anterior. Lamento não me ter feito compreender.

"AH!
Querem uma luz melhor que a do Sol!
Querem prados mais verdes do que estes!
Querem flores mais belas do que estas que vejo

A mim este Sol, estes prados, estas flores contentam-me.

Mas, se acaso me descontentam,
O que quero é um sol mais sol que o Sol,
O que quero é prados mais prados que estes prados,
O que quero é flores mais estas flores que estas flores.

Tudo mais ideal do que é do mesmo modo e da mesma maneira!"

Alberto Caeiro, (Querem uma Luz Melhor que a do Sol, Poemas Inconjuntos)

Coita de amor

[ porque nem só a nossa Brünhild perderá os cabelos com Siegfried]


Instrucções


Só
 existirá 
o 
cabelo.

Despenteado, 
ensonado, 
embaraçado











































































(provavelmente
 tê‐lo‐as 
de 
desembaraçar,

















































































com
 cuidado 
e 
morosidade,
 em
 silêncio
 como 
o
 resto).


Depois 
podes 
parar.

Parar 
para
 ver 
o 
cabelo
 desembaraçado



























































e 
escolher, 
entre 
a
 multiplicidade
 das
 ondas,
 quase 
escargots 
prensados,





























uma 
madeixa.


Pode 
acontecer
 que
 haja 
um
 gancho
 no 
cabelo.


Um
 gancho 
cintilante, 
branco 
ou
 cinzento,
 para 
contrastar 
com
 a
 escuridão
 que 
terás

pela 
frente.


Usa‐lo‐`as 
como
 farol, 
luz,
 ou 
simplesmente
 será momento 
de 
distracção ,
para 
os 
teus 
dedos,

mãos 
ou 
ossos 
cansados 
de 
tanto 
embaraço.

Poderás,
 por
 exemplo,
 pegar 
num
 fio 
de 
cabelo
 e
 segui‐lo 
até 
aonde
 ele 
te 
levar.

Se 
o
 caminho 
for 
curto, 
arranca‐o.

















































































































(Só 
queremos 
a 
eternidade.)


Mas 
como
 sabes, 
o 
teu 
direito 
de 
descoberta 
(ou 
achamento 
ou 
colonização)






















confinar‐se‐`a
 aos 
meus 
cabelos.


370 
léguas 
a 
mais, 
não
 serão 
concedidas,

nem
 mesmo
 com
 a
 intervenção 
de 
todos 
os

suspiros
 que
 advirão
 de 
trópicos 
movediços.


A 
geografia, 
como 
a 
botânica, 
são 
ciências
 mesuráveis.

E 
a 
geopolítica 
faz‐se 
graças 
a

traficantes como Rimbaud.


E 
nem
 te
 atrevas a 
cortar 
o 
lábio,
outra 
vez.
























































































A 
cor 
negra
 dos 
cabelos

seres 
vivos 
mas 
somente
 minerais

não
 se 
compadece 
com
o
 sangue 
dos

 que 
têm
 alma.



Joana

REVELAÇÃO

Eterno Deus! que errado tenho andado
buscando-te nos céus, de ponta a ponta,
pelas estrelas, tendo-te ao meu lado,
dentro de mim, talvez, sem dar-me conta!

Procurado te tenho, vê tu lá,
no bater de asas da águia do Marão,
nas névoas luminosas da manhã,
nos versos do Poeta de Gatão.

Busquei-te até no chão das alamedas,
no pó das vulgaríssimas veredas,
na douta voz dos lentes de capelo,

quando afinal, segundo o meu Amigo
Júlio Teixeira, eu tinha-te comigo
no coração, tão perto, sem sabê-lo!

JOÃO DE CASTRO NUNES

Introdução ao Budismo - Jigme Khyentse Rinpoche no Porto e em Lisboa, 29 de Setembro e 1 de Outubro

Aconselho vivamente as introduções ao Budismo que Jigme Khyentse Rinpoche fará no Porto e em Lisboa, organizadas pela Fundação Kangyur Rinpoche com o apoio da União Budista Portuguesa.

Porto - 29 de Setembro, 3ª feira, às 19h, no hotel Tiara Park Atlantic (Av. Boavista, 1466).

Lisboa - 1 de Outubro, 5ª feira, às 19h, no hotel Marriott (Av. Combatentes, 45).

Para quem não saiba, e quase ninguém sabe, o diálogo teológico-filosófico da cultura portuguesa com a cultura budista foi o primeiro e um dos mais importantes da Europa. As provas estão em muitos manuscritos esquecidos nas bibliotecas portuguesas e noutras, como em Goa. Investigadores pacientes em breve as tornarão públicas.
É com enorme prazer que vos informamos da presença de Jigme Khyentse Rinpoche em Lisboa, e da Conferência, que aceitou realizar, a convite da Fundação Kangyur Rinpoche.

domingo, 27 de setembro de 2009

Fernando Pessoa: Do Contraditório como Terapêutica de Libertação

Recentemente, entre a poeira de algumas campanhas políticas, tomou de novo relevo aquele grosseiro hábito de polemista que consiste em levar a mal a uma criatura que ela mude de partido, uma ou mais vezes, ou que se contradiga, frequentemente. A gente inferior que usa opiniões continua a empregar esse argumento como se ele fosse depreciativo. Talvez não seja tarde para estabelecer, sobre tão delicado assunto do trato intelectual, a verdadeira atitude científica.
Se há facto estranho e inexplicável é que uma criatura de inteligência e sensibilidade se mantenha sempre sentado sobre a mesma opinião, sempre coerente consigo próprio. A contínua transformação de tudo dá-se também no nosso corpo, e dá-se no nosso cérebro consequentemente. Como então, senão por doença, cair e reincidir na anormalidade de querer pensar hoje a mesma coisa que se pensou ontem, quando não só o cérebro de hoje já não é o de ontem, mas nem sequer o dia de hoje é o de ontem? Ser coerente é uma doença, um atavismo, talvez; data de antepassados animais em cujo estádio de evolução tal desgraça seria natural.
A coerência, a convicção, a certeza são além disso, demonstrações evidentes — quantas vezes escusadas — de falta de educação. É uma falta de cortesia com os outros ser sempre o mesmo à vista deles; é maçá-los, apoquentá-los com a nossa falta de variedade.
Uma criatura de nervos modernos, de inteligência sem cortinas, de sensibilidade acordada, tem a obrigação cerebral de mudar de opinião e de certeza várias vezes no mesmo dia. Deve ter, não crenças religiosas, opiniões políticas, predileções literárias, mas sensações religiosas, impressões políticas, impulsos de admiração literária.
Certos estados de alma da luz, certas atitudes da paisagem têm, sobretudo quando excessivos, o direito de exigir a quem está diante deles determinadas opiniões políticas, religiosas e artísticas, aqueles que eles insinuem, e que variarão, como é de entender, consoante esse exterior varie. O homem disciplinado e culto faz da sua sensibilidade e da sua inteligência espelhos do ambiente transitório: é republicano de manhã, e monárquico ao crepúsculo; ateu sob um sol descoberto, é católico ultramontano a certas horas de sombra e de silêncio; e não podendo admitir senão Mallarmé àqueles momentos do anoitecer citadino em que desabrocham as luzes, ele deve sentir todo o simbolismo uma invenção de louco quando, ante uma solidão de mar, ele não souber de mais do que da "Odisseia".
Convicções profundas, só as têm as criaturas superficiais. Os que não reparam para as coisas quase que as vêem apenas para não esbarrar com elas, esses são sempre da mesma opinião, são os íntegros e os coerentes. A política e a religião gastam d'essa lenha, e é por isso que ardem tão mal ante a Verdade e a Vida.
Quando é que despertaremos para a justa noção de que política, religião e vida social são apenas graus inferiores e plebeus da estética — a estética dos que ainda a não podem ter? Só quando uma humanidade livre dos preconceitos de sinceridade e coerência tiver acostumado as suas sensações a viverem independentemente, se poderá conseguir qualquer coisa de beleza, elegância e serenidade na vida.

Fernando Pessoa, in 'Ideias Políticas'
Fonte: http://www.citador.pt/pensar.php?op=10&refid=200906051400

eleições & gripA


não confundir instruções que recomendam
levar esferográfica de casa

com:

atrevimento/oportunismo de
levar esferográfica pra casa

Ainda não votou? Vote bem

alegria



Do meu castelo de vento

Vejo o longe repleto de impossível e terminação

Os promontórios de nunca florescem do coração da treva

Rasgam-se os espaços de gélidas antecipações do agora

Não sei que saudade o mundo chora

Sob o manto da tarde inaugural

A crisálida de não ter sido

Pelas minhas veias ganha raízes de trepadeira

Evado-me de mim a cada instante da permanência

Não há ausência ou incompletude

A alma vegetativa da esperança

Tomará de assalto o ermo

A vida é esquecimento

O que está perto é batido pelas ondas do fim

Não se pode recusar à erosão o que resiste à decomposição

A harmonia é o não ter que ser que abre as coisas em concha à escuta sem vontade

Daqui toda a distância é um hino de luz e treva nem alegre nem triste

A rendilhar na bruma o esboço duma catedral de insónia

Na noite não há pecado e as orações são pegadas dum deus que não existe

Jorge Luís Borges: Ninguém é alguém

Ninguém é alguém, um único homem imortal é todos os outros homens. Como Cornelio Agrippa, sou deus, sou herói, sou filósofo, sou demónio e sou o mundo, o que é uma forma cansativa de dizer que não sou.

Jorge Luís Borges, in "O Imortal"

Portugal




“Ninguém sabe que coisa quer,
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal, nem o que é bem.

(Que ânsia distante perto chora?).

Tudo é incerto e derradeiro,
Tudo é disperso, nada é inteiro.

Ó Portugal, hoje és nevoeiro...

É a Hora!”

Fernando Pessoa

sábado, 26 de setembro de 2009


Apoiado, sr. Paulo Feitais, muito apoiado!

JOÃO DE CASTRO NUNES

crónica de escárnio - obviamente escarnecedora


Em período de reflexão, à boca das urnas já se lhe cheira o hálito pestilento. É o que dá empanturrar as urnas de voto com tanta junk food, o corpo político já nem se alimenta de comida requentada, mas de lavagem para os porcos, o que interessa é cevar o animal para que os indigentes da vida pública tenham o que enfardar.
Já se preparam os traseiros para a dança das cadeiras, há olhos gulosos à espera dum lugarzinho à mesa farta do orçamento, nem que seja num departamento obscuro dum ministério sem prestígio – imaginemos um aspirante a qualquer coisa colocado na chefia dum departamento do ministério da cultura, ou da agricultura, tudo acabado em ‘ura’, como aguentará ele, ou ela, a usura do cargo? Mesmo para se ser testa de ferro tem que se ter testa.
É a política porcalhota, a política da falta de palavra, do compadrio disfarçado com azedumes virginais contra a conspiração dos media, a política do xico-espertismo, da cunha, da procura de habilitações de papel para fazer ver na feira das vaidades, a política do faz-de-conta para se endireitarem as contas eleitorais.
Fica desta misérrima campanha eleitoral a transformação da arena política (cuidado, eu sou contra as touradas) no palco duma (má, péssima, paupérrima) revista à portuguesa, onde a charada e a chalaça subiram muitos degraus em relação à luta por ideias, por ideais, ou, simplesmente, pelo poder. O poder perdeu a energia pulsional capaz de alimentar a libido dos agentes políticos. Trata-se duma trupe de castrati à procura de maestro que a conduza à ribalta. Já se sabe que o inquilino de Belém, tão apavorado com escutas, é, paradoxalmente, duro de ouvido. Diz-se que certa personagem desta comédia de ladrar aos céus, desde que recebeu uma versão dos Lusíadas em cd/rom deixou de ter que se preocupar com a questão cabalística do número de cantos, com a redondez do formato, os cantos foram para escanteio, como dizem os nossos irmãos brasileiros.
Isto é o que, de verdadeiramente sério, fica desta campanha: o poder mediático resulta ainda mais exacerbado, com a abdicação dos líderes (ou títeres?) partidários a prestarem vassalagem à inteligência dos gatos fedorentos. O Gato Fedorento é mais importante que o telejornal da Manuela Moura Guedes, pelo menos mete mais medo e está mais seguro – tem a seu favor a força das audiências (é de notar que o discurso político não deve ter audiência, mas auditório, e a opinião pública passa, neste contexto, a público deboche) e o complexo do rei vai nu – a figura pública que mostrar desagrado, ou falta de humor, passa por estulta e poderá ver-se despida da farpela mediática, uma capa translúcida, sem peso nem consistência, feita dum tecido tão diáfano que nem na mais remota Samarcanda se pode encontrar. Bem, passemos adiante que só de imaginar as pendurezas de certas personagens postas ao léu…
Mas este poder mediático não está já na mão dos jornalistas. A classe dos jornalistas está a transformar-se noutra coisa. Deve o leitor lembrar-se que o aparecimento dos hipermercados deu cabo da profissão de caixeiro-viajante. Quem é que salva a nobre profissão dos almocreves? Ó Almocreve resistente, esta política da meninez que se recusa a crescer por não saber por que extremidade botar rebento, espera por ti.
Ora, ontem as sondagens (de que não se pode falar hoje) davam a vitória à tropa fandanga que desgovernou o país nesta legislatura que, como tudo o que é verdadeiramente podre, tarda em acabar. É verdade que a ‘alternativa’ é uma liderança submetida a um rápido processo de desmumificação, por mais que os estucadores de serviço se tenham esforçado, há marcas de rigidez cadavérica que são indisfarçáveis. O que nos resta? É óbvio que no dia de reflexão não vou fazer nenhum apelo ao voto. Pessoalmente, mais uma vez, gostei de Jerónimo de Sousa, não consta que tenha PPR e não anda a armar aos cucos. Sonho com uma sociedade em que a verdadeira habilitação do ser humano seja a sua boa vontade e o seu desejo de contribuir para a eliminação do sofrimento. E a sua vontade de aprender, porque quem não deseja aprender, quem não tem a humildade de se sentir aprendiz, é seta que falho o alvo (desculpem-me a metáfora bélica), pode ser muito capaz, mas tornou-se, verdadeiramente, incapaz de si, incapaz de ser humano.
É o reino anómico dos espantalhos. Não é esse o meu sonho para o futuro dos meus: sonho com a dose certa de nada que lhes permita ser tudo. Temos é que limpar a tralha.
Quanto ao ministério da educação, sejam quais forem os próximos inquilinos, aquilo vai demorar a desinfestar. Mas a dose certa de creolina e a desparasitação das manjedouras é capaz de ser suficiente. É preciso que o ar se torne respirável, pelo menos dentro das escolas. Com o advento dos Directores há muitos espinhaços que já estão a consumir doses industriais de Voltaren. E há professores titulares com medo de perder a titularidade. Eu acho que, a seguir-se este rumo, a sede do ministério deve mudar para o Júlio de Matos e os servidores da coisa devem andar com a farda com que se tenta segregar os loucos.
E para contribuir para o enriquecimento curricular dos nossos alunos, deixo aqui uma sugestão, bem ao nível do que se tem feito na educação nestes últimos anos (serão derradeiros?):

Amor é um fogo que arde sem se ver

Amor é um fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;

É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É um não contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;

É um estar-se preso por vontade;
É servir a quem vence o vencedor;
É um ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode o seu favor
Nos mortais corações conformidade,
Sendo a si tão contraditório o mesmo Amor?

Luiz Vaz de Camões

Saudações a todos os amantes... Que as contradições do amor sejam sublimadas pela consomação amorosa... E que o calor ardente gerado desfaça os vossos corpos em nada...

LUA




"A feiticeira de olhar de prata,
cansada da tranquilidade de fronteiras e de acampamentos,
largou as pedrinhas que ficaram das pedras.

E se exilou para lá dos sonhos,
aí em sua libata de nuvens brancas.

E envolta em panos de bruma,
enrola linhas de horizonte em grossos novelos
que, por tardes de chuva desdobra pelo céu alto,
em longos arco-íris.

A feiticeira de olhar de prata me aguarda,
encoberta em mosquiteiro de brisa,
na sua funda alcova de luas e de estrelas.

Devagar de lágrimas e sol
ela vai tecendo a renda de meus dias"

"A feiticeira de olhar de prata" de Arlindo Barbeitos
Imagem em www.cm-viana-castelo.pt

"Pizzicato Asceticism" - Michał Jelonek




Dois universos musicais aqui, um a seguir ao outro.
Tal como o mundo.
Quando parece que tudo terminou, é quando tudo realmente começa.

Há sempre uma Música, há sempre Uma mulher, há sempre mais do que mil boas razões para viver

Aproveito para reinviar convite que me foi dirigido:

A Missão do Brasil junto à CPLP tem o prazer de convidá-lo(a) para o espetáculo “Lendas Indígenas e Músicas Indígenas”. Favor consultar nossa programação no nosso blog: http://missaodobrasiljuntoacplp.blogspot.com/

Da profunda deslealdade humana

A música é Fragile, do álbum All is Violent, All is Bright, da banda post-rock irlandesa God is an Astronaut.



UMA PALAVRA:

Novamente na posse da palavra, uma vez mais restituída por óbvias razões que, por pudor, me escuso de explanar, não me retiro sem primeiro exercer o direito de responder a quem me quis conspurcar com os seus torpes comentários... feitos na certeza de estarem a bater numa criatura... amordaçada, ou seja, de mãos atadas. Que "pandilha"! JCN
AMORDAÇADO!

Ainda que de boca amordaçada,
a minha voz há-de fazer-se ouvir
sem nada haver que a cale, sem que nada
me impeça alguma vez de me exprimir!

JOÃO DE CASTRO NUNES

Coimbra, 24 de Setembro de 2009.

(O resto do soneto... pode imaginar-se! JCN)

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

"Não te satisfaças com o programa de um partido: inventa melhor"

- Agostinho da Silva, Pensamento à Solta, Textos e Ensaios Filosóficos, II, p.153.

Ecológico

... quem posta na Serpente, deita as latas no lixo...
foto Frag.

pastorícias


"Eu... fui honrado pastor da tua aldeia;

Para ter que te dar, é que eu queria
de mor rebanho ainda ser o dono...

Se o rio levantado me causava,
levando a sementeira, prejuízo,
eu alegre ficava, apenas via
na tua breve boca um ar de riso...

...te juro renascer um homem novo,
romper a nuvem que os meus olhos cerra,
amar no céu a Jove e a ti na terra!
... Quando passarmos juntos pela rua,
nos mostrarão co dedo os mais pastores,
dizendo uns para os outros: - Olha os nossos
exemplos da desgraça e sãos amores.
Contentes viveremos desta sorte,
até que chegue a um dos dois a morte."


Lira de Marília de Dirceu, de Tomás Antonio Gonzaga

imagem:luteranos.files.wordpress.com

refúgio


















Ficou no fundo do mar

O grito suspenso do fim

O fio de luz e pranto

Não resistiu ao gume do contentamento

A última vontade de ser sem mais

A capitânia S. Gabriel naufragada

No cais antes da partida

Uma vida inventada ao sabor da espuma

Animada pelo vento sem dentro ou aconchego

Feito de bruma e sofrimento cristalino

O desejo é um barco e um berço

As barcas vão e se regressam trazem nos remos o hálito de nunca

O gélido arrepio dos que só se perdem depois

Pois se há um aqui é para isso

Nem paraíso nem inferno

Corpo combustivo lavrado de anímica impaciência

Alma feita de escuridade e esquecimento

Nem eternidade até

Nem o que seja água para matar a sede

Se se nasce não há saciedade que não seja regressiva

E só regressam os fantasmas

As almas penadas que acreditaram na morte

Não há véus que velem nem luz que dê a ver

As velas são para voar na flor das águas

Rumo à perdição

A Índia onde se jugulam as promessas

Onde os perdidos nunca se encontram

Não se perde o que não se tem

Só sente o que parecia seu

A explodir num voo de pombas de todas as cores

Susto de liberdade incontida a estilhaçar o céu

Para que choras os dias esgotados

É sem salvação o que vive para si

Não te agasalhes se a noite cair de repente

Se de dentro rebentam os diques da claridade contida

A força do ocaso leva tudo numa cavalgada de ser ninguém

Tirésias sabe o travo do beijo eterno de Ofélia

Enleada nas águas negras pelo som incandescente

Dos violinos que segregam a impossibilidade da aurora

Há que deixar no fundo o que é do fundo

As portas fechadas pelo medo são versos arrancados ao silêncio

Pelos passos dos que fogem da inquietação

Tomados pelo terror de serem só infinito

O Reino de Deus já chegou


Interrogado pelos fariseus sobre quando chegaria o Reino de Deus, Jesus respondeu-lhes:
«O Reino de Deus não vem de maneira ostensiva. Ninguém poderá afirmar: 'Ei-lo ali', pois o Reino de Deus está entre vós.»

Lc 17, 20-21
fotografia de Georges Dussaud
"Vilarinho Seco, Serra do Barroso, Trás-os-Montes",
Dezembro de 1983

Sexto segredo
Morder a luz com a presença

Olhar, fazer uma ponte com os olhos, aparecer, iluminar

Riso, brilho das sobrancelhas, electricidade nos olhos, cintilação


Acender com o riso a sua luz

corpo pirilampo

SEGREDO COREOGRÁFICO PARA DANÇAR (AQUI)

A quietude é o corpo demasiado impregnado de movimento
Abra e feche os olhos, pensando que as pestanas são asas de libelinhas.
Feche os olhos e permaneça no escuro como se adormecesse.
Abra os olhos devagar e enfrente a luz.
Feche os olhos, pense numa coisa que lhe faz bem e sinta como esse pensamento chega aos lábios. Abra os olhos devagar e sinta o sorriso em toda a cara.
Escolha uma pessoa com quem possa cruzar o olhar. Fique à espera do que acontece.

In Carta Coreográfica – “O corpo como adivinha, A dança como fábula”
AGEN 2009 - ACÇÃO NACIONAL
TERRITÓRIO ARTES

Aos nervosos

Trinta três ou trinta e quatro são as vértebras do amor

Desde o cóccix
até ao atlas
vértebra incompleta mas mais elevada

percorro
o canal sagrado em todo o comprimento
e sopro pelos teus nervos
das trinta e três ou trinta e quatro vértebras do amor.

Um caminho por entre as apófises transversais
espinhosas
mas articuladas

Em que busco
a medula da tua alma
sem tropeçar e cair
nos buracos vertebrais

procurando
as áreas sensíveis
dos teus nervos
raquidianos,

a sua disposição metamérica
nos entrecruzamentos
dos músculos vizinhos

pelas extremidades
esperando sempre
não te
enervar.




Joana in Tratado da Alma Separada, 2004 (inédito, mas a querer sair da gaveta)
Foi para lidar com esta "pandilha", Prof. Paulo Borges, que você me convidou?!...

JOÃO DE CASTRO NUNES

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

de minha amiga NiNa Rizzi

subscrevo

UM PENSAMENTO PINICANTE:
- é claro que eu sou a favor do casamento entre homossexuais. acaso só os heterossexuais devem sofrer?

"Eis que a palavra cresce de dentro da palavra"

In Yvette K.Centeno, "Irreflexões", Edições Ática, Lisboa, 1974, pág. 136.

Noutro passo da mesma obra, a autora escreve - o que, creio, com isto igualmente se relaciona:

"Não se deve dizer o amor que se tem.
Não sei se dizer liberta ou precipita".
A MINHA ARMA SECRETA

Meus versos são uma arma de arremesso
que vai direita ao alvo em linha recta;
são por assim dizer a arma secreta
de que disponho e que só eu conheço.

Comigo a levo para todo o lado
engatilhada e pronta a disparar,
bastando para o caso alguém tentar
aguilhoar meu génio... de mau grado.

Se há coisa com a qual eu não engraço
mas com a qual tropeço a cada passo
é desde logo... a mediocridade.

Sempre que exista uma oportunidade,
sem vacilar... atiro-lhe directo
um dardo ou seta... em forma de soneto!

JOÃO DE CASTRO NUNES

Coimbra, 23 de Setembro de 2009.

"Às vezes a realidade abre um rasgão"

"Às vezes a realidade abre um rasgão
e nós vemos o clamor da derradeira cal
ou o incêndio das nossas coordenadas
Mas [...] não suportamos essa visão do fim
e procuramos reconstruir o nosso círculo quotidiano

Tudo o que pensamos ou é de mais ou de menos
porque a realidade é insondável e alheia
e se para ela nascemos vivemos sempre à beira
dos abismos que a dissolvem ou entre os espelhos que a deformam"

- António Ramos Rosa, As Palavras, Porto, campo das letras, 2001, p.51.

Um dos textos a comentar no curso livre "O sentimento cósmico da vida. A experiência da totalidade na poesia portuguesa contemporânea", com início a 9 de Outubro, na Associação Agostinho da Silva.

Transfiguração de Jesus



Seis dias depois, Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e seu irmão João, e levou-os, só a eles, a um alto monte. Transfigurou-se diante deles: o seu rosto resplandeceu como o Sol, e as suas vestes tornaram-se brancas como a luz. Nisto, apareceram Moisés e Elias a conversar com Ele. Tomando a palavra, Pedro disse a Jesus: «Senhor, é bom estarmos aqui; se quiseres, farei aqui três tendas: uma para ti, uma para Moisés e outra para Elias.» Ainda ele estava a falar, quando uma nuvem luminosa os cobriu com a sua sombra, e uma voz dizia da nuvem: «Este é o meu Filho muito amado, no qual pus todo o meu agrado. Escutai-o.»
Ao ouvirem isto, os discípulos caíram com a face por terra, muito assustados. Aproximando-se deles, Jesus tocou-lhes, dizendo: «Levantai-vos e não tenhais medo.» Erguendo os olhos, os discípulos apenas viram Jesus e mais ninguém.
Enquanto desciam do monte, Jesus ordenou-lhes: «Não conteis a ninguém o que acabastes de ver, até que o Filho do Homem ressuscite dos mortos.»
Mt 17, 1-9