Um espaço para expressar, conhecer e reflectir as mais altas, fundas e amplas experiências e possibilidades humanas, onde os limites se convertem em limiares. Sofrimento, mal e morte, iniciação, poesia e revolução, sexo, erotismo e amor, transe, êxtase e loucura, espiritualidade, mística e transcendência. Tudo o que altera, transmuta e liberta. Tudo o que desencobre um Esplendor nas cinzas opacas da vida falsa.
quarta-feira, 30 de setembro de 2009
Quando o monarca D. João Terceiro
por desacatos que ele provocou
Camões fora da pátria colocou
mudando-lhe em degredo o cativeiro,
um escarninho riso sorrateiro
no rosto dos rivais se divisou
e toda a corte se regozijou
por ver-se livre desse arruaceiro.
O mal foi quando o Poeta, ao regressar,
na mão trazia, para os deslumbrar,
o poema que nas Índias compusera:
"Agora atirai pedras" - lhes reitera -
medíocres de engenho e de talento,
atirai pedras, montes de excremento!"
JOÃO DE CASTRO NUNES
Sobre os charcos (para Baal)
Actividades das plantas simples
Imagem de Joana Cerda
Algas: formas simples e primitivas de plantas, marinhas, de água doce e, mesmo não aquáticas, dotadas de clorofila. os teus Fazem fotossíntese. O nosso sexo é um tipo de algas, da família da Espirogira. os teus olhos Embora prolifere abundantemente na água estagnada dos charcos, não se desenvolve bem nos frascos de cultura, os teus olhos não em razão de algum requisito particular que até agora tem escapado aos cientistas que a estudam. E são as Cyanophyta, algas azuis e verdes que dão a cor aos teus olhos. Através da foto os teus olhos não são síntese frágil.
in Tratado de Botânica, 2006, Quasi.
Aos Serpentinos Passados, aos Serpentinos Presentes, aos Serpentinos Futuros
NAS NÚVENS Júpiter teve o seu inumano nascimento.
Mãe nenhuma o amamentou, nenhuma doce terra deu
Movimentos magnânimos à sua mente mítica
Movimentou-se entre nós, como um rei rabujento,
Magnífico, se movimentaria entre as suas corsas,
Até que o nosso sangue, misturando-se, virginal,
Com o céu, trouxe tal satisfação ao desejo
Que as próprias corças o discerniam, numa estrela.
O nosso sangue falhará? Ou virá a ser
O sangue do paraíso? E será que a terra
Aparenta tudo o que do paraíso conheceremos?
O céu será então muito mais afável do que agora,
Uma parte de trabalho e uma parte de dor,
E em glória a seguir ao amor constante,
Não este azul divisório e indiferente.
WALLANCE STEVENS
Ficção Suprema
*fotos de Sereia*
Juntei alguns nomes (sem ordem nenhuma que lhe valha de mais ou menos), correndo o risco de não me lembrar de todos os que mais gosto... Aqui deixo abraços a:
Anita Silva, João Moita, Ana Margarida Esteves, Adama, Tamborim, Rita, Joana, Liliana Jasmim, Ana Moreira, Platero, Luiza Dunas, Saudades, Isabel Santiago, Paulo Feitais, Paulo Borges, Soantes, Vergílio Torres, Anaedra, Rui Miguel Felix,João Read Beato, Fragmentus, Vicente Ferreira da Silva e muitos outros que me ensinaram a ler e me mostraram sempre mais do que eu viria um dia a ver por mim mesma :)
A TODOS, OBRIGADA*
Os Pobres
terça-feira, 29 de setembro de 2009
Eu
Das habitantes de Anaedera, dedicado em especial a SaudadesDoFuturo,
”Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada ... a dolorida ...
Sombra de névoa ténue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...
Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...
Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo para me ver,
E que nunca na vida me encontrou!”
Florbela Espanca
Emotion, Memory and the Brain
The neural routes underlying the formation
of memories about primitive emotional
experiences, such as fear, have been traced
by Joseph E. LeDoux
Quem é "Eu"?
Eu não sei se sou ou se as coisas são a minha Ausência.
Eu não sei se sou a minha Ausência ou a tua.
Eu sou a que não sabe se és.
Eu “compaixono-me” de ti.
Eu enlouquece-me.
Eu sou Tu.
Tu não és nem não és.
Aquiles entre a Glória e os Vivos (Mortos)
segunda-feira, 28 de setembro de 2009
Pedido de desculpas
"AH!
Querem uma luz melhor que a do Sol!
Querem prados mais verdes do que estes!
Querem flores mais belas do que estas que vejo
A mim este Sol, estes prados, estas flores contentam-me.
Mas, se acaso me descontentam,
O que quero é um sol mais sol que o Sol,
O que quero é prados mais prados que estes prados,
O que quero é flores mais estas flores que estas flores.
Tudo mais ideal do que é do mesmo modo e da mesma maneira!"
Alberto Caeiro, (Querem uma Luz Melhor que a do Sol, Poemas Inconjuntos)
Coita de amor
Instrucções
Só existirá o cabelo.
Despenteado, ensonado, embaraçado
(provavelmente tê‐lo‐as de desembaraçar,
com cuidado e morosidade, em silêncio como o resto).
Depois podes parar.
Parar para ver o cabelo desembaraçado
e escolher, entre a multiplicidade das ondas, quase escargots prensados,
uma madeixa.
Pode acontecer que haja um gancho no cabelo.
Um gancho cintilante, branco ou cinzento, para contrastar com a escuridão que terás
pela frente.
Usa‐lo‐`as como farol, luz, ou simplesmente será momento de distracção , para os teus dedos,
mãos ou ossos cansados de tanto embaraço.
Poderás, por exemplo, pegar num fio de cabelo e segui‐lo até aonde ele te levar.
Se o caminho for curto, arranca‐o.
(Só queremos a eternidade.)
Mas como sabes, o teu direito de descoberta (ou achamento ou colonização)
confinar‐se‐`a aos meus cabelos.
370 léguas a mais, não serão concedidas,
nem mesmo com a intervenção de todos os
suspiros que advirão de trópicos movediços.
A geografia, como a botânica, são ciências mesuráveis.
E a geopolítica faz‐se graças a
traficantes como Rimbaud.
E nem te atrevas a cortar o lábio, outra vez.
A cor negra dos cabelos
seres vivos mas somente minerais
não se compadece com o sangue dos que têm alma.
Joana
Eterno Deus! que errado tenho andado
buscando-te nos céus, de ponta a ponta,
pelas estrelas, tendo-te ao meu lado,
dentro de mim, talvez, sem dar-me conta!
Procurado te tenho, vê tu lá,
no bater de asas da águia do Marão,
nas névoas luminosas da manhã,
nos versos do Poeta de Gatão.
Busquei-te até no chão das alamedas,
no pó das vulgaríssimas veredas,
na douta voz dos lentes de capelo,
quando afinal, segundo o meu Amigo
Júlio Teixeira, eu tinha-te comigo
no coração, tão perto, sem sabê-lo!
JOÃO DE CASTRO NUNES
Introdução ao Budismo - Jigme Khyentse Rinpoche no Porto e em Lisboa, 29 de Setembro e 1 de Outubro
Porto - 29 de Setembro, 3ª feira, às 19h, no hotel Tiara Park Atlantic (Av. Boavista, 1466).
Lisboa - 1 de Outubro, 5ª feira, às 19h, no hotel Marriott (Av. Combatentes, 45).
Para quem não saiba, e quase ninguém sabe, o diálogo teológico-filosófico da cultura portuguesa com a cultura budista foi o primeiro e um dos mais importantes da Europa. As provas estão em muitos manuscritos esquecidos nas bibliotecas portuguesas e noutras, como em Goa. Investigadores pacientes em breve as tornarão públicas.
É com enorme prazer que vos informamos da presença de Jigme Khyentse Rinpoche em Lisboa, e da Conferência, que aceitou realizar, a convite da Fundação Kangyur Rinpoche.
domingo, 27 de setembro de 2009
Fernando Pessoa: Do Contraditório como Terapêutica de Libertação
Se há facto estranho e inexplicável é que uma criatura de inteligência e sensibilidade se mantenha sempre sentado sobre a mesma opinião, sempre coerente consigo próprio. A contínua transformação de tudo dá-se também no nosso corpo, e dá-se no nosso cérebro consequentemente. Como então, senão por doença, cair e reincidir na anormalidade de querer pensar hoje a mesma coisa que se pensou ontem, quando não só o cérebro de hoje já não é o de ontem, mas nem sequer o dia de hoje é o de ontem? Ser coerente é uma doença, um atavismo, talvez; data de antepassados animais em cujo estádio de evolução tal desgraça seria natural.
A coerência, a convicção, a certeza são além disso, demonstrações evidentes — quantas vezes escusadas — de falta de educação. É uma falta de cortesia com os outros ser sempre o mesmo à vista deles; é maçá-los, apoquentá-los com a nossa falta de variedade.
Uma criatura de nervos modernos, de inteligência sem cortinas, de sensibilidade acordada, tem a obrigação cerebral de mudar de opinião e de certeza várias vezes no mesmo dia. Deve ter, não crenças religiosas, opiniões políticas, predileções literárias, mas sensações religiosas, impressões políticas, impulsos de admiração literária.
Certos estados de alma da luz, certas atitudes da paisagem têm, sobretudo quando excessivos, o direito de exigir a quem está diante deles determinadas opiniões políticas, religiosas e artísticas, aqueles que eles insinuem, e que variarão, como é de entender, consoante esse exterior varie. O homem disciplinado e culto faz da sua sensibilidade e da sua inteligência espelhos do ambiente transitório: é republicano de manhã, e monárquico ao crepúsculo; ateu sob um sol descoberto, é católico ultramontano a certas horas de sombra e de silêncio; e não podendo admitir senão Mallarmé àqueles momentos do anoitecer citadino em que desabrocham as luzes, ele deve sentir todo o simbolismo uma invenção de louco quando, ante uma solidão de mar, ele não souber de mais do que da "Odisseia".
Convicções profundas, só as têm as criaturas superficiais. Os que não reparam para as coisas quase que as vêem apenas para não esbarrar com elas, esses são sempre da mesma opinião, são os íntegros e os coerentes. A política e a religião gastam d'essa lenha, e é por isso que ardem tão mal ante a Verdade e a Vida.
Quando é que despertaremos para a justa noção de que política, religião e vida social são apenas graus inferiores e plebeus da estética — a estética dos que ainda a não podem ter? Só quando uma humanidade livre dos preconceitos de sinceridade e coerência tiver acostumado as suas sensações a viverem independentemente, se poderá conseguir qualquer coisa de beleza, elegância e serenidade na vida.
Fernando Pessoa, in 'Ideias Políticas'
Fonte: http://www.citador.pt/pensar.php?op=10&refid=200906051400
eleições & gripA
alegria
Do meu castelo de vento
Vejo o longe repleto de impossível e terminação
Os promontórios de nunca florescem do coração da treva
Rasgam-se os espaços de gélidas antecipações do agora
Não sei que saudade o mundo chora
Sob o manto da tarde inaugural
A crisálida de não ter sido
Pelas minhas veias ganha raízes de trepadeira
Evado-me de mim a cada instante da permanência
Não há ausência ou incompletude
A alma vegetativa da esperança
Tomará de assalto o ermo
A vida é esquecimento
O que está perto é batido pelas ondas do fim
Não se pode recusar à erosão o que resiste à decomposição
A harmonia é o não ter que ser que abre as coisas em concha à escuta sem vontade
Daqui toda a distância é um hino de luz e treva nem alegre nem triste
A rendilhar na bruma o esboço duma catedral de insónia
Na noite não há pecado e as orações são pegadas dum deus que não existe
Jorge Luís Borges: Ninguém é alguém
Jorge Luís Borges, in "O Imortal"
Portugal
crónica de escárnio - obviamente escarnecedora
Em período de reflexão, à boca das urnas já se lhe cheira o hálito pestilento. É o que dá empanturrar as urnas de voto com tanta junk food, o corpo político já nem se alimenta de comida requentada, mas de lavagem para os porcos, o que interessa é cevar o animal para que os indigentes da vida pública tenham o que enfardar.
Já se preparam os traseiros para a dança das cadeiras, há olhos gulosos à espera dum lugarzinho à mesa farta do orçamento, nem que seja num departamento obscuro dum ministério sem prestígio – imaginemos um aspirante a qualquer coisa colocado na chefia dum departamento do ministério da cultura, ou da agricultura, tudo acabado em ‘ura’, como aguentará ele, ou ela, a usura do cargo? Mesmo para se ser testa de ferro tem que se ter testa.
É a política porcalhota, a política da falta de palavra, do compadrio disfarçado com azedumes virginais contra a conspiração dos media, a política do xico-espertismo, da cunha, da procura de habilitações de papel para fazer ver na feira das vaidades, a política do faz-de-conta para se endireitarem as contas eleitorais.
Fica desta misérrima campanha eleitoral a transformação da arena política (cuidado, eu sou contra as touradas) no palco duma (má, péssima, paupérrima) revista à portuguesa, onde a charada e a chalaça subiram muitos degraus em relação à luta por ideias, por ideais, ou, simplesmente, pelo poder. O poder perdeu a energia pulsional capaz de alimentar a libido dos agentes políticos. Trata-se duma trupe de castrati à procura de maestro que a conduza à ribalta. Já se sabe que o inquilino de Belém, tão apavorado com escutas, é, paradoxalmente, duro de ouvido. Diz-se que certa personagem desta comédia de ladrar aos céus, desde que recebeu uma versão dos Lusíadas em cd/rom deixou de ter que se preocupar com a questão cabalística do número de cantos, com a redondez do formato, os cantos foram para escanteio, como dizem os nossos irmãos brasileiros.
Isto é o que, de verdadeiramente sério, fica desta campanha: o poder mediático resulta ainda mais exacerbado, com a abdicação dos líderes (ou títeres?) partidários a prestarem vassalagem à inteligência dos gatos fedorentos. O Gato Fedorento é mais importante que o telejornal da Manuela Moura Guedes, pelo menos mete mais medo e está mais seguro – tem a seu favor a força das audiências (é de notar que o discurso político não deve ter audiência, mas auditório, e a opinião pública passa, neste contexto, a público deboche) e o complexo do rei vai nu – a figura pública que mostrar desagrado, ou falta de humor, passa por estulta e poderá ver-se despida da farpela mediática, uma capa translúcida, sem peso nem consistência, feita dum tecido tão diáfano que nem na mais remota Samarcanda se pode encontrar. Bem, passemos adiante que só de imaginar as pendurezas de certas personagens postas ao léu…
Mas este poder mediático não está já na mão dos jornalistas. A classe dos jornalistas está a transformar-se noutra coisa. Deve o leitor lembrar-se que o aparecimento dos hipermercados deu cabo da profissão de caixeiro-viajante. Quem é que salva a nobre profissão dos almocreves? Ó Almocreve resistente, esta política da meninez que se recusa a crescer por não saber por que extremidade botar rebento, espera por ti.
Ora, ontem as sondagens (de que não se pode falar hoje) davam a vitória à tropa fandanga que desgovernou o país nesta legislatura que, como tudo o que é verdadeiramente podre, tarda em acabar. É verdade que a ‘alternativa’ é uma liderança submetida a um rápido processo de desmumificação, por mais que os estucadores de serviço se tenham esforçado, há marcas de rigidez cadavérica que são indisfarçáveis. O que nos resta? É óbvio que no dia de reflexão não vou fazer nenhum apelo ao voto. Pessoalmente, mais uma vez, gostei de Jerónimo de Sousa, não consta que tenha PPR e não anda a armar aos cucos. Sonho com uma sociedade em que a verdadeira habilitação do ser humano seja a sua boa vontade e o seu desejo de contribuir para a eliminação do sofrimento. E a sua vontade de aprender, porque quem não deseja aprender, quem não tem a humildade de se sentir aprendiz, é seta que falho o alvo (desculpem-me a metáfora bélica), pode ser muito capaz, mas tornou-se, verdadeiramente, incapaz de si, incapaz de ser humano.
É o reino anómico dos espantalhos. Não é esse o meu sonho para o futuro dos meus: sonho com a dose certa de nada que lhes permita ser tudo. Temos é que limpar a tralha.
Quanto ao ministério da educação, sejam quais forem os próximos inquilinos, aquilo vai demorar a desinfestar. Mas a dose certa de creolina e a desparasitação das manjedouras é capaz de ser suficiente. É preciso que o ar se torne respirável, pelo menos dentro das escolas. Com o advento dos Directores há muitos espinhaços que já estão a consumir doses industriais de Voltaren. E há professores titulares com medo de perder a titularidade. Eu acho que, a seguir-se este rumo, a sede do ministério deve mudar para o Júlio de Matos e os servidores da coisa devem andar com a farda com que se tenta segregar os loucos.
E para contribuir para o enriquecimento curricular dos nossos alunos, deixo aqui uma sugestão, bem ao nível do que se tem feito na educação nestes últimos anos (serão derradeiros?):
sexta-feira, 25 de setembro de 2009
Amor é um fogo que arde sem se ver
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;
É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É um não contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;
É um estar-se preso por vontade;
É servir a quem vence o vencedor;
É um ter com quem nos mata lealdade.
Mas como causar pode o seu favor
Nos mortais corações conformidade,
Sendo a si tão contraditório o mesmo Amor?
Luiz Vaz de Camões
Saudações a todos os amantes... Que as contradições do amor sejam sublimadas pela consomação amorosa... E que o calor ardente gerado desfaça os vossos corpos em nada...
LUA
"A feiticeira de olhar de prata,
cansada da tranquilidade de fronteiras e de acampamentos,
largou as pedrinhas que ficaram das pedras.
E se exilou para lá dos sonhos,
aí em sua libata de nuvens brancas.
E envolta em panos de bruma,
enrola linhas de horizonte em grossos novelos
que, por tardes de chuva desdobra pelo céu alto,
em longos arco-íris.
A feiticeira de olhar de prata me aguarda,
encoberta em mosquiteiro de brisa,
na sua funda alcova de luas e de estrelas.
Devagar de lágrimas e sol
ela vai tecendo a renda de meus dias"
"A feiticeira de olhar de prata" de Arlindo Barbeitos
Imagem em www.cm-viana-castelo.pt
"Pizzicato Asceticism" - Michał Jelonek
Dois universos musicais aqui, um a seguir ao outro.
Tal como o mundo.
Quando parece que tudo terminou, é quando tudo realmente começa.
Há sempre uma Música, há sempre Uma mulher, há sempre mais do que mil boas razões para viver
A Missão do Brasil junto à CPLP tem o prazer de convidá-lo(a) para o espetáculo “Lendas Indígenas e Músicas Indígenas”. Favor consultar nossa programação no nosso blog: http://missaodobrasiljuntoacplp.blogspot.com/
Da profunda deslealdade humana
Novamente na posse da palavra, uma vez mais restituída por óbvias razões que, por pudor, me escuso de explanar, não me retiro sem primeiro exercer o direito de responder a quem me quis conspurcar com os seus torpes comentários... feitos na certeza de estarem a bater numa criatura... amordaçada, ou seja, de mãos atadas. Que "pandilha"! JCN
quinta-feira, 24 de setembro de 2009
"Não te satisfaças com o programa de um partido: inventa melhor"
pastorícias
"Eu... fui honrado pastor da tua aldeia;
Para ter que te dar, é que eu queria
de mor rebanho ainda ser o dono...
Se o rio levantado me causava,
levando a sementeira, prejuízo,
eu alegre ficava, apenas via
na tua breve boca um ar de riso...
...te juro renascer um homem novo,
romper a nuvem que os meus olhos cerra,
amar no céu a Jove e a ti na terra!
... Quando passarmos juntos pela rua,
nos mostrarão co dedo os mais pastores,
dizendo uns para os outros: - Olha os nossos
exemplos da desgraça e sãos amores.
Contentes viveremos desta sorte,
até que chegue a um dos dois a morte."
Lira de Marília de Dirceu, de Tomás Antonio Gonzaga
imagem:luteranos.files.wordpress.com
refúgio
Ficou no fundo do mar
O grito suspenso do fim
O fio de luz e pranto
Não resistiu ao gume do contentamento
A última vontade de ser sem mais
A capitânia S. Gabriel naufragada
No cais antes da partida
Uma vida inventada ao sabor da espuma
Animada pelo vento sem dentro ou aconchego
Feito de bruma e sofrimento cristalino
O desejo é um barco e um berço
As barcas vão e se regressam trazem nos remos o hálito de nunca
O gélido arrepio dos que só se perdem depois
Pois se há um aqui é para isso
Nem paraíso nem inferno
Corpo combustivo lavrado de anímica impaciência
Alma feita de escuridade e esquecimento
Nem eternidade até
Nem o que seja água para matar a sede
Se se nasce não há saciedade que não seja regressiva
E só regressam os fantasmas
As almas penadas que acreditaram na morte
Não há véus que velem nem luz que dê a ver
As velas são para voar na flor das águas
Rumo à perdição
A Índia onde se jugulam as promessas
Onde os perdidos nunca se encontram
Não se perde o que não se tem
Só sente o que parecia seu
A explodir num voo de pombas de todas as cores
Susto de liberdade incontida a estilhaçar o céu
Para que choras os dias esgotados
É sem salvação o que vive para si
Não te agasalhes se a noite cair de repente
Se de dentro rebentam os diques da claridade contida
A força do ocaso leva tudo numa cavalgada de ser ninguém
Tirésias sabe o travo do beijo eterno de Ofélia
Enleada nas águas negras pelo som incandescente
Dos violinos que segregam a impossibilidade da aurora
Há que deixar no fundo o que é do fundo
As portas fechadas pelo medo são versos arrancados ao silêncio
Pelos passos dos que fogem da inquietação
Tomados pelo terror de serem só infinito
O Reino de Deus já chegou
Morder a luz com a presença
Olhar, fazer uma ponte com os olhos, aparecer, iluminar
Riso, brilho das sobrancelhas, electricidade nos olhos, cintilação
corpo pirilampo
SEGREDO COREOGRÁFICO PARA DANÇAR (AQUI)
A quietude é o corpo demasiado impregnado de movimento
Abra e feche os olhos, pensando que as pestanas são asas de libelinhas.
Feche os olhos e permaneça no escuro como se adormecesse.
Abra os olhos devagar e enfrente a luz.
Feche os olhos, pense numa coisa que lhe faz bem e sinta como esse pensamento chega aos lábios. Abra os olhos devagar e sinta o sorriso em toda a cara.
Escolha uma pessoa com quem possa cruzar o olhar. Fique à espera do que acontece.
TERRITÓRIO ARTES
Aos nervosos
Desde o cóccix
até ao atlas
vértebra incompleta mas mais elevada
percorro
o canal sagrado em todo o comprimento
e sopro pelos teus nervos
das trinta e três ou trinta e quatro vértebras do amor.
Um caminho por entre as apófises transversais
espinhosas
mas articuladas
Em que busco
a medula da tua alma
sem tropeçar e cair
nos buracos vertebrais
procurando
as áreas sensíveis
dos teus nervos
raquidianos,
a sua disposição metamérica
nos entrecruzamentos
dos músculos vizinhos
pelas extremidades
esperando sempre
não te
enervar.
Joana in Tratado da Alma Separada, 2004 (inédito, mas a querer sair da gaveta)
quarta-feira, 23 de setembro de 2009
de minha amiga NiNa Rizzi
"Eis que a palavra cresce de dentro da palavra"
Noutro passo da mesma obra, a autora escreve - o que, creio, com isto igualmente se relaciona:
"Não se deve dizer o amor que se tem.
Não sei se dizer liberta ou precipita".
Meus versos são uma arma de arremesso
que vai direita ao alvo em linha recta;
são por assim dizer a arma secreta
de que disponho e que só eu conheço.
Comigo a levo para todo o lado
engatilhada e pronta a disparar,
bastando para o caso alguém tentar
aguilhoar meu génio... de mau grado.
Se há coisa com a qual eu não engraço
mas com a qual tropeço a cada passo
é desde logo... a mediocridade.
Sempre que exista uma oportunidade,
sem vacilar... atiro-lhe directo
um dardo ou seta... em forma de soneto!
JOÃO DE CASTRO NUNES
Coimbra, 23 de Setembro de 2009.
"Às vezes a realidade abre um rasgão"
e nós vemos o clamor da derradeira cal
ou o incêndio das nossas coordenadas
Mas [...] não suportamos essa visão do fim
e procuramos reconstruir o nosso círculo quotidiano
Tudo o que pensamos ou é de mais ou de menos
porque a realidade é insondável e alheia
e se para ela nascemos vivemos sempre à beira
dos abismos que a dissolvem ou entre os espelhos que a deformam"
- António Ramos Rosa, As Palavras, Porto, campo das letras, 2001, p.51.
Um dos textos a comentar no curso livre "O sentimento cósmico da vida. A experiência da totalidade na poesia portuguesa contemporânea", com início a 9 de Outubro, na Associação Agostinho da Silva.