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A Ilíada é um poema sobre a morte e as suas personagens são dominadas pela compulsão de matar ou morrer. A história avança inexoravelmente para a inevitável extinção: as mortes de Pátroclo, Heitor e Aquiles e mesmo da bela cidade de Tróia. Também na Odisseia, a morte era uma transcendência tenebrosa, inefável e inconcebível. Quando Ulisses visitou os infernos, ficou horrorizado perante a visão das multidões desnorteadas e balbuciantes, cuja humanidade se desintegrara obscenamente. Porém, quando encontrou a sombra de Aquiles, Ulisses implorou-lhe que não se lamentasse: «Nenhum homem foi outrora, nem o será no futuro, mais feliz do que tu. Antigamente, quando vivias, nós, os Argivos, honrávamos-te à semelhança dos deuses, e, agora que aqui estás, reinas sem contestação sobre os mortos; por isso não te aflijas por ser defunto, Aquiles.» Mas isso não interessava a Aquiles. «Não me consoles assim da morte», ripostou com palavras que contrariavam totalmente o ethos aristocrático do guerreiro. «Preferia, como servo ligado à gleba, estar ao serviço de outrem, de um homem sem património, desprovido de quaisquer meios, em vez de reinar entre os mortos, que já nada são!» Havia um vazio temível no âmago do ideal heróico.
Karen Armstrong, Grandes Tradições Religiosas, Temas e Debates, 2009, p.115
É uma visão... nada confortável para quem cresceu com a "Ilíada" e a "Odisseia" debaixo do braço, tratando Homero por tu! JCN
ResponderEliminarAqueles a quem Aquiles viu mortos, mal sonhavam a Glória futura de morrer...
ResponderEliminarFelizes os que pela vida passam sem pensar que um dia hão-de perdê-la, ganhando com a morte exemplo para a vida: catarse da memória ou da sua ausência. Sem nada para lembrar... não há pior morte... penso eu, Saudades... Lembrar, não para querer de volta passados, mas para achar no passado o presente futuro onde não impera o "vazio do ideal heróico", antes em todas as direcções e em toda a parte os mortos e os vivos sempre estarão em diálogo... no instante em que falo... e em que escrevo...
Muito interessante e pertinente texto, de onde me pus a treslêr-me...
Um abraço