O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


quarta-feira, 3 de novembro de 2010

A transfiguração meditativa em Teixeira de Pascoaes, que escolheu o dia de ontem para seu simbólico aniversário

"Quantas vezes, vou só, por um caminho adiante,
A meditar nas coisas.
E meditando, eu torno-me distante
Das suas aparências mentirosas.

Meditar é subir àquela altura,
Onde a gota de orvalho é um astro que alumia;
E onde é perfeita e mística alegria
a humana desventura.

Por isso, eu amo tanto
As horas de saudade em que medito,
E julgo ouvir misterioso canto
E me perturba a sombra do Infinito.

Ouço uma voz dizer, em mim: eu sou alguém...
E sinto que essa voz não é só minha; eu sinto
Que dimana de tudo o que me cerca e tem
Ermo perfil, nas trevas, indistinto.

[...]

Que estranha simpatia
Me prende às pobres coisas da Natura!

[...]

E vejo a intimidade, o laço oculto,
Que as almas todas casa;
meu coração erguendo, em sonhos, o seu vulto,
É pedra, nuvem, asa.

Horas em que medito e me disperso,
Por tudo quanto existe.
[...]"

- Texieira de Pascoaes, "Meditando", in Sempre.

1 comentário:

Anónimo disse...

É nessas "Horas em que medito e me disperso,/Por tudo quanto existe." que mais me sinto um Nada com as coisas que não existem senão na luz que alumia as rosas saudosas de um jardim em altura. Um jardim em que as raízes sobem ao olhar dos astros e as sementes são hastes, caules e sombras desfeitas na Hora da "saudade em que medito".

É por isso que a Voz do Outono me chega em lamentos dispersos no nada e nos mistérios e cantos de infinitas sombras em que o Poeta é uma montanha a arder nos cabelos brancos do dia. Nesse lugar em que as "almas-casa" procuram abrigo de si nas coisas passadas, na Saudade futura de uma indistinta voz, no canto ermo do mundo.

Por isso eu amo Pascoaes e me nasce no peito a estrela de um desenho de luz dentro da terra que o meu peito grita e me "prende às pobres coisas da Natura!"

Assim caminhando medito nas coisas fugidias e me afasto "das suas aparências mentirosas."

Grata, Paulo, por este som de Pascoaes no Outono dos (meus) dispersos e desajeitados gestos de aparente chama em alturas de sombra saudosa.
Saúde e Saudade!