Um espaço para expressar, conhecer e reflectir as mais altas, fundas e amplas experiências e possibilidades humanas, onde os limites se convertem em limiares. Sofrimento, mal e morte, iniciação, poesia e revolução, sexo, erotismo e amor, transe, êxtase e loucura, espiritualidade, mística e transcendência. Tudo o que altera, transmuta e liberta. Tudo o que desencobre um Esplendor nas cinzas opacas da vida falsa.
sábado, 31 de maio de 2008
MAR DE NASCIMENTO
Um lugar para nascer
Uma passagem
Um voo rente às águas
Um atravessar
Um mar de nascimento
Renascimento, despertar!
Um mar para abraçar.
Um mar para não ser.
Para a Isabel Santiago, com um sorriso de Parabéns do tamanho de não o haver !
Le passage à l'autre monde définit le passage au monde in illo tempore.
Monde non pas ab origine mais premier royaume du Jadis pur"
- Pascal Quignard, Abîmes, p.160
Libertação de Deus
sexta-feira, 30 de maio de 2008
Jardim III
A realidade
Suave é viver só.
Vê de longe a vida.
Mas serenamente
Ainda Eckhart e Longchenpa, lançamento da Nova Águia e de "A cada instante estamos a tempo de nunca haver nascido"
Fica também o renovado convite para o lançamento da "Nova Águia", amanhã, dia 31, pelas 17 h, no Palácio Pombal, Rua do Alecrim, em Lisboa, onde será também lançado o meu último livro, "A cada instante estamos a tempo de nunca haver nascido" (Zéfiro)(aforismos, fragmentos e provocações, sobretudo a mim próprio, mas também a todos vós), apresentado pelo Jorge Telles de Menezes, poeta, ensaísta e eminente tradutor da língua alemã.
"Sopra-te. E atravessa cantando a ilusória solidez do mundo"
quinta-feira, 29 de maio de 2008
Depois dos Jardins
Enfant, si tu veux être un ange, tu peux l'être tout de suite:
Et comment? Ils vivent toujours dans l'inconfort"
Silesius, Le Voyageur Chérubinique, II, 167
&
" Ce qu'est l'humanité
Tu demandes ce qu'est l'humanité?
Je te le dis: c'est la surangélité."
Silesius, Le Voyageur Chérubinique, II, 44
Jardins I e II
"...quão formosos são teus pés nas sandálias
filha de príncipe
as curvas dos teus quadris parecem colares
obra das mãos de um artista
teu umbigo uma taça redonda
que o vinho nunca falte
teu ventre monte de trigo
cercado de lírios
teus seios dois filhotes
gémeos de gazela
teu pescoço torre de marfim
teus olhos as piscinas de Hesbon
junto às portas de Bat-Rabim
teu nariz como a torre do Líbano
voltada para Damasco
levanta-se tua cabeça como o Carmelo
e teus cabelos côr de púrpura
um rei trazem cativo dos seus laços
como és bela como és desejável
amor em delícias
semelhante à palmeira é o teu porte
cachos de uvas são teus seios
Pensei vou subir à palmeira
vou colher dos seus frutos
sejam teus seios cachos de uvas
o hálito da tua boca perfume de maçãs
tua boca guarda o melhor vinhoque na minha se derrama
molhando-me lábios e dentes".
Cântico dos Cânticos, Quinto Poema, VII
O que é a Religião? Notas várias
Feuerbach em "A essência do Cristianismo".
A religião pura, originária e, provavelmente, única verdadeira, é a que vem de dentro da mente de quem a tem, que coincide perfeitamente com as suas crenças mais profundas acerca da origem e do ser da realidade - qual a sua origem? O que é, para mim, a realidade? -, sendo impossível, tautologia, um humano acreditar em algo em que não acredita. Quero com isto dizer que, provavelmente, sendo que cada pessoa tem a sua própria visão do mundo, semelhante e dissemelhante das outras, tem, também, a sua própria religião: relação de si com tudo, acto de se religar ao todo. Não podendo ser todas verdadeiras, as diferentes religiões (seis biliões?) têm, contudo, todas elas, algo de verdadeiro, na medida em que nada melhor do que a interioridade justamente para se expressar, imageticamente, ou conhecer-se.
Feuerbach escreve que Deus é a objectivação do humano, a essência de Deus a essência humana, à qual foram retiradas as características consideradas desagradáveis, portanto, uma idealização da essência humana: o bem, a virtude, o poder, a justiça, não o mal, o vício, a impotência ou a injustiça. Assim, aparentemente, poderíamos dizer que o humano se conhece a si mesmo. Porém, a religião originária, como o próprio autor frisa, revela-se, principalmente, na oração, e a oração é não apenas o pedido de ajuda para enfrentar os males do mundo mas, também, como surpreendemos por exemplo em Agostinho, a expressão, objectivação, de uma quase angustiante vontade de conhecer e de, principalmente, conhecer-se. Dado isto, poderíamos dizer que o humano não sabe se se conhece a si mesmo, vive na dúvida, pensa que há sempre mais, desconhece.
E, assim, dizemos que o grande desejo do religioso, o sumo, é conhecer-se. Deste modo, a pergunta primeira, última, essencial, da religião é: quem sou eu?, que pode ser dita de outro modo, desligada de eventuais referências à história de vida de quem se interroga: o que sou eu? A questão evoca o desejo, a ânsia, que o humano tem em conhecer o seu fundo, aquilo que está primeiro, a fonte, a origem, pois julga qúe é aí que se encontrará... à sua essência, aquilo que é mais profundamente, verdadeiramente: a verdade acerca de si.
Esse fundo é Deus, muito especialmente o hindu, Brahman-Atman, visto que a expressão refere, simultaneamente, algo que a pessoa não é, porque a pessoa é um ser particular no espaço-tempo, com uma história de vida, distinto da origem, etc., e algo que a pessoa é, porque é, em última instância, essencialmente aquilo, verdadeiramente aquilo, no fundo aquilo: não poderá não sê-lo, tal a natureza da ligação umbilical à Nave-Mãe, tal a natureza da Natureza. Nesse sentido, todos somos o incriado e não poderemos não sê-lo.
A religião é a tentativa de percorrer o cordão umbilical até à origem. E, embora possamos encetar o caminho através deste mundo, da contemplação que convida à viagem, a origem, o fim, não está neste mundo, é transcendente, invisível, é longe, é fora, é para lá, é além e, provavelmente, se o víssemos, teríamos de ir para lá dele, porque é essa a nossa Natureza, eis a da imaginação, querer ir para lá do dado, querer criar mundos, viver insatisfeitos, escapar, dominar ou não dominar, escolher, ser plenamente livre, um produto da imaginação, sem constrangimentos: ser Deus: livre, liberdade.
Assim, a pergunta "quem sou eu?" esconde a pergunta "por que é tudo assim?" que, por sua vez, esconde o desejo "quero ser livre". Deste modo, as duas perguntas resumem-se na seguinte: por que não sou livre? E, dada a imaginação, perguntamos: serei livre? "Desejo ser livre": por que não procurar, então, a liberdade? Eis o valor/ideal supremo que subjaz à religião pura (e purificada da superstição), a liberdade. Talvez por isso a essência de Deus permaneça um mistério, indefinida, sem propriedades... para ser plenamente livre, até da própria liberdade.
Assim, o religioso põe como Princípio aquilo a que aspira; mas não só por razões subjectivas ou de satisfação pessoal, como Feuerbach decerto pensaria, mas pela própria questão objectiva de que o Princípio tem de estar para lá das leis, sejam elas, por exemplo, físicas ou lógicas, não podendo nós, no entanto, justificar este pensamento supondo a liberdade do Princípio, tendo, então, de encontrar o caminho que nos indique que elas têm de ter sido criadas ou que Ele não é elas e é-lhes anterior e superior. Estou a escrever isto de uma Biblioteca e o tempo de uso do computador está a acabar e, por isso, não escrevo mais, publico-o.
quarta-feira, 28 de maio de 2008
Cenas do quotidiano
Rossana deita-se ao comprido. O seu pêlo é um entrançado branco por onde os fios de luz se intensificam. É uma espécie de primeiro cão do mundo. Olho para ela e penso que ela atravessou todas as idades, todas as eras, todas as casas dos homens. O crepúsculo é tal e qual como se estivéssemos no Outono mais denso, os tons amenos e belos, de uma tranquilidade lúcida, pura. Mas há uma luz. Uma luz intensa mas velada, uma atmosfera liquefeita, com a água solta, liberta do seu âmbito, intuitiva. A Rossana tem a pequena bola cor de laranja junto ao focinho, entre as patas. Está ali como no início de tudo. Mexo-me na cadeira, há um som. Rossana olha-me, de repente ela. Estou sentado no quintal, leio. É como se as palavras fossem o movimento de Deus, uno e distante. Reparo que o charro se apagou. É necessário acender outro fósforo. Meus pais não imaginam que faço isto. É por isso que o faço agora. Acendo o fósforo. Eis que a Rossana olha para mim e é ela mesma e todos os cães ao mesmo tempo, a dupla face do signo. Os animais são os seus nomes por inteiro, vivem na combustão inicial do fogo, trazem a translúcida quietação de tudo. Recosto-me, paro de ler. O fumo eleva-se. Penso que os meus amigos estão no vórtice das suas vidas, tal como eu. Curioso como nunca reparo nas flores do quintal. Estão em vasos que alguém, um dia, moldou. As flores são a mais delicada manifestação de vida. E ao mesmo tempo, a mais fortemente fundada no espaço. Irremovíveis, as suas raízes fundem-se com a terra. Agora que penso nisso, as flores são também o ser vivo mais propenso à levitação. Não o voo furtivo dos pássaros, não, a fluidez mais tensa do vento, a dança demiúrgica do estar sendo. A impossibilidade de repouso. Os pássaros têm os seus ramos de árvore, os seus cabos eléctricos onde abrigar. As flores vivem no eterno mover do mundo, etéreas e telúricas, sem síntese, só paradoxo. A Rossana pressente um barulho lá fora. Levanta-se. O charro apagou-se de novo.
Os três tipos do religioso e um comentário a propósito de "A essência do Cristianismo"
"A essência do Cristianismo" é uma leitura importante não tanto no seu aspecto demolidor dos mistérios do Cristianismo, mas na medida em que poderá ajudar-nos a construir uma religião mais natural, menos inconsciente, guiar-nos na prossecução da nossa sabedoria em relação aos nossos desejos mais recônditos e a nós próprios e, também, libertar-nos da tirania do eu, de nós em/para nós. Afinal, depois deste autor, quem é o verdadeiro Deus? Qual o Deus que poderemos procurar tanto dentro como fora de nós, pessoal e impessoal, subjectivo e objectivo...? Deus do cientista e do religioso, fim sem fim de uma busca... direccionada... interior e exterior, racional e contemplativa, princípio e fim sem fim desejado...
De "Naked Lunch" (William S. Burroughs)
"I deplore brutality," he said. "It´s not efficient. On the other hand, prolonged mistreatment, short of physical violence, gives rise, when skillfully applied, to anxiety and a feeling of special guilt. A few rules or rather guiding principles are to be borne in mind. The subject must not realize that the msitreatment is a deliberate attack of an anti-human enemy on his personal identity. He must be made to feel that he deserves any treatment he receives because there is something (neveer specified) horribly wrong with him. The naked need of control addicts must be decently covered by an arbitrary and intricate bureaucracy so that the subject cannot contact his enemy direct."
p. 19, edição de 2001, Grove Press: New York
terça-feira, 27 de maio de 2008
A busca de Deus e a busca do Eu
segunda-feira, 26 de maio de 2008
credo
Acredito na altíssima origem dos reis.
Acredito na encarnação dos augúrios.
E no voo e no pasto dos auspícios.
Acredito no pressentimento dos cães
E nas pessoas cozidas depois de mortas.
Acredito na ritualização das leis.
Acredito na sagração da nobreza.
Acredito nos homens sentados num altar.
Em busca do dharma perdido-esquecido
Deus: a razão de Deus.
A razão de Deus: inescrutável.
II - Epifanias e Avatares
Ele é vermelho-sangue, pois o seu corpo é Sangue
Fita-nos, através do seu azul-olhar, deitado, aparecido
Adormecido e acordado, assustado (e assustador) e ternurento (e triste)
Repleto de sexualidade e castrado: Animal Racional
Inominável surpresa, desaparecida - outra ilusão? Desilusão
Após a abertura dos portais do tempo, o Ser liberto da morte
Contempla o verdadeiro dharma: Eterno Retorno
O coração pula, intensamente, tudo é finalmente-primeiramente a alegria e o saber
E queremos dizê-lo, levantamo-nos do nosso leito, "Descobri, descobri! Eu sei a verdade, conheço a solução!"
Até que as simples palavras, a simples frase que tínhamos se dissipa
E, então, percebemos que magicamente perdemos-esquecemos a verdade
Que desconhecemos o caminho, e vivemos mundos para voltar a abrir a porta
Cujo nome-visão esquecemos por entre uma espécie de estranha confusão-convulsão.
III - Do mundo ao mundo transcendido - duas notas solares
Silêncio: êxtase do espaço-tempo.
Praia: o lugar da Utopia.
Triste condição a nossa, a condição humana
Todo o amor por um ser existente, incluindo Deus, contém em si uma vontade de poder que o consome e destrói o amante e o amado.
Todas as amizades partem do pressuposto que o amigo, para o ser, tem de nos reflectir a nós mesmos e se encaixar em formas de comportamento que achamos "normais" na nossa insanidade. O sinal de que estamos a "sair dos eixos" e que a amizade está em risco é quando o amigo passa o tempo todo em que estamos juntos a tentar convencer-nos a pensar e viver segundo o que ele pensa que é melhor para n´so, ou vice-versa.
Em qualquer realização humana que implica a participação num grupo ou reconhecimento por parte de outrém, o saber fazer um sorriso vápido, bater as pestanas, fazer uma voz falsamente meiga, fingir modos que reflectem uma certa sub-cultura, ou, acima de todo, saber alimentar o ego de quem tem o poder de nos reconhecer ou enxotar para a obscuridade tem muitíssimo mais relevo do que as nossas competências, capacidade de trabalho e qualidade da nossas realizações. Pois a própria noção de qualidade é relativa e depende do quanto o ego de quem reconhece se sente reconfortado pela nossa presença.
Por essa razão, é muito provável que, mais cedo ou mais tarde, as escolas e universidades se esvaziem de quase toda a filosofia e ciência, excepto aquela que é estritamente necessária para a manutenção do sistema e sobrevivência na "selva" das interacções humanas, e se transformem em fábricas de camaleões sociais.
A verdadeira filosofia e ciência são mais venenosas que o Antrax.
Uma cabeça que pensa por si mesma é a mais perigosa das armas de destruição maciça.
É preciso, acima de tudo, encontrar a chave que nos liberte destas relações de circunstância e nos abra a porta para o céu aberto da autenticidade no pensar, no sentir, no relacionar-se e no produzir. O preço da posse dessa chave é nos tormarmos marginais.
Algumas dicas sobre a forma e a localização dessa chave;-)?
domingo, 25 de maio de 2008
Eckhart e Longchenpa, lançamento da Nova Águia e de A cada instante estamos a tempo de nunca haver nascido
Fica também o convite para o lançamento da Nova Águia, no próximo Sábado, dia 31, pelas 17 h, no Palácio Pombal, Rua do Alecrim, em Lisboa. Aí será também lançado o meu último livro, A cada instante estamos a tempo de nunca haver nascido (aforismos e fragmentos), apresentado pelo Jorge Telles de Menezes, poeta, ensaísta e eminente tradutor da língua alemã. Deixo-vos com o texto da contra-capa e espero-vos por lá, no esplendor da in-ex-istência.
Escrevo. Para iluminar o Inferno. Tu, que lês, comigo para sempre arderás nas trevas da luz infinita.
És o que há de mais precioso em todo o infinito universo. E por não o suportares tanto te prezas.
Busca o que mais temes, beija-o na boca e sê feliz para sempre !
Este livro é o diário de bordo da viagem instantânea e infinita entre o antes e o depois de haver alguma coisa. O diário da experiência do que se não pode dizer, com todas as suas potências e possibilidades, todos os deuses, demónios, labirintos e abismos, todos os sagazes vislumbres e furiosos arrebatamentos que se acoitam nisso a que se chama existência e vida. O surpreendê-lo na anulação da distância, na palavra súbita e mínima, incandescente ou transida do impossível que incarna.
Na verdade este livro não existe, nunca começou a ser escrito e nunca cessará de o ser. Porque quem o escreve não é só quem julgas, mas, simultaneamente, tu próprio e Todo o Mundo-Ninguém. Aqui dialoga a presença com a ausência, aqui ressoa a presença-ausência, aqui canta a Saudade. Pois em tudo irrompe o mesmo fundo sem fundo da universal metamorfose, a mesma serpente que a tudo abandona como peles da nudez que para além de si e de tudo se empluma.
Este livro é um dos seus rastos. Não tentes segui-lo, pois o que importa é que te libertes, dele, de tudo e de ti. Que agora mesmo te dispas e morras e, neste preciso instante e lugar, ressuscites proclamando a todas as coisas o seu e teu eterno Despertar.
sábado, 24 de maio de 2008
"... do Alguma coisa ao Nada"
sexta-feira, 23 de maio de 2008
Cavalo alado em azul infantil
Misticismo e Racionalidade
Deus e Filosofia
Histórias com Imagens - O Dragão
O poder deste animal reune as características de vários outros e comunica com os elementos. «O dragão protege a “pérola da noite”, que é suposta possuir virtudes miraculosas contra a doença. Os dois ramos que saem da “pérola da noite” simbolizam os raios luminosos. O dragão é o seu guardião.»
P.S. 1 Que o dragão possa proteger os que sofrem, os que são perseguidos por qualquer razão ou sem razão.
P.S. 2 Que o dragão ganhe asas e leve esta mensagem aos quatro cantos do círculo que é o mundo.
Histórias com Imagens - A Serpente e a Águia
o Cavalo
“O cavalo é a montada, o veículo, do homem peregrino, conduzindo-o por entre as escarpas das vastidões terrenas. Ele representa a sensualidade e a emoção, estando muitas vezes conotado precisamente com o elemento Água. Ele é a força fecundante. No Bhagavad-Gita, os cavalos são associados aos sentidos que é necessário primeiro, apurar e adestrar, e depois, dominar- para a glória do espírito.
Frequentemente o cavalo assume uma simbologia de purificação e de transcendência espiritual - quando sugere, justamente, a necessidade de dominação das forças inferiores e crónicas.”
quinta-feira, 22 de maio de 2008
quarta-feira, 21 de maio de 2008
Eu, a Pedra e a Montanha somos Um - Mito do HighLander
Este é o Mito do HighLander que eu ilustro com o relato sumário da última caminhada Ben Nevis acima e abaixo. (HighLands, Julho 2005)
Primeiro, foi o meu sorriso, convencido da benevolente quietude e beleza da Montanha.
Os primeiros passos quase não os senti, nem em mim, nem na Montanha. Levitava ou voava, o corpo em desmaterialização com uma receptividade inocente como se não soubesse o que o esperava. Ou se o sabia, não se adiantou no tempo como acontece nos presságios. No céu, algumas nuvens levitavam no azul, e os raios de sol prometiam a imensidão. Uns leves chuviscos salpicavam o meu contentamento com mais ânimo e à medida que subia, mais claro e mais amplo se tornava o vale com o rio a serpentear pelos sopés.
O vento, já presente em brisa na partida, começou a agitar-se com repentinos sopros e mais fortes, com chuva. O terreno crescia mais acidentado e pedregoso. Andar é fixar o olhar no chão, um exercício tenso de esvaziamento. Anelante e cinzenta, uma camada de nevoeiro cobria agora o céu não deixando antever a mínima expectativa de distância do cume. Por sua vez, e mais cedo do que davam a entender, as nuvens, como que densas cortinas, transmudavam o colorido do vale em passado. Agora tudo era estreito, não havia nada para ver com os olhos de fora, a imensidão? só na memória ou em algum paraíso imaginado, o verde e o horizonte teriam sido uma ilusão...
Finalmente o frio a expulsar todos os vãos desejos de conquistar o cume, se os havia, e a extrair a quintessência do pulsante Propósito da Viagem. A dor e a imobilização das mãos trouxeram-me emoções de impotência, que durante alguns instantes, longos, me dominaram e desnortearam. No entanto, em momento algum me ocorreu voltar para trás, e tão-pouco continuar a subir foi um acto de valentia. Foi um percurso iniciático.
O cume seria alcançado no sopé do regresso, lugar das alturas que os pés não tocam e que só é vislumbrado pelo espírito do Highlander que vê a montanha, a missão e a si próprio como um só.
Uma reflexão sobre a filosofia
Na verdade, ao contrário de Nietzsche, não creio que os factos fundamentais da existência humana sejam a saciedade, a força, tudo o que possamos apelidar de bom, porque o filósofo era, afinal, um moralista, mas a fome, a sede, a fraqueza e o enfraquecimento, a doença e o sentimento de impotência, o desconhecimento e a fina percepção do acaso, enfim, a necessidade. Concordo, porém, com o filósofo, na medida em que considero que, de facto, o ser humano não tem culpa pelos seus actos, porque não pediu para nascer, nasceu no desconhecimento e na errância, não sabe por que está aqui, como se tivesse nascido de um ovo posto por um qualquer demónio cartesiano.
Contudo, acredito na existência de Deus, embora não saiba como Ele é: se é bom, se é mau, se não é bom nem mau, se é consciente ou inconsciente, enfim. Penso que a filosofia, que mais não é do que o filosofar, consiste justamente na tentativa de apreensão desse ser originário, fontal, que é mística e intuitiva. Mística, porque visa a união do sujeito que pensa com o objecto pensado; intuitiva, porque mais do que pensá-Lo através de conceitos, palavras, linguagem verbal, o sujeito tenta pensá-Lo através de algo para o qual a melhor metáfora é a da imagem, usando, portanto, a imaginação.
Neste sentido, penso que a filosofia é a actividade humana que tem as propriedades de ser, simultaneamente, religião, ciência e arte. Religião, porque toda a sua actividade se foca em Deus; ciência, porque todo o objectivo da sua actividade é conhecer o que se desconhece; arte, porque toda a sua actividade é criativa. Resta dizer, porém, que, enquanto religião, não tem o seu fundamento na fé, senão na intuição primeira de que o mundo tem uma origem; que, enquanto ciência, não é empírica; que, enquanto arte é, no máximo, arte conceptual, não porquanto malabara conceitos, mas dado que labora com imaginações-intuições puras.
Mas... de onde nasce a filosofia, o filosofar? Os manuais não têm pejo em afirmar, seguindo as tradições platónica e aristotélica, que o filosofar nasce do espanto, da aporia, da insolubilidade de problemas, de questões que o humano coloca à Natureza. Penso que, mais do que nascer da aporia, o filosofar nasce da intuição primeira de que o mundo tem uma origem, seja ela qual for, o que for, que, por sua vez, nasce do amor, ainda que muitas vezes recôndito, nas profundezas da alma, que o humano sente pelo Cosmos, amor esse que nasce da consciência do belo e, especialmente, do sublime, físico - como uma flor, uma paisagem, o vento - ou meramente mental - como a consciência do tempo, do espaço enquanto espaço. Daí, por sua vez, talvez nasça a aporia que, porém, mais não é que um sintoma.
O filosofar não é uma actividade argumentativa que visa descobrir verdades que nunca serão descobertas, senão numa sua versão espúria e muito em voga, que remonta a Parménides, aquando da viragem lógica do filosofar, actualmente praticada pelos chamados filósofos analíticos, que tratam principalmente de assuntos mundanos e pouco transcendentes - enquanto o filosofar visa o transcendente, o que está além, na medida em que é abertura-aventura. Alguns desses assuntos podem até ser importantes, como sejam os da Bioética, embora sejam assuntos de especial importância prática, não obstante o facto de serem especiais não os dotar de especial valor ou interesse filosófico.
O filosofar não é nem a actividade argumentativa referida no parágrafo anterior, nem um corpo de conhecimentos, embora se possa construir um corpo de conhecimentos a partir das experiências que os vários filósofos têm tido ao longo dos séculos, na senda do seu objectivo. Esse objectivo constitui, justamente, o filosofar: a apreensão mística intuitiva do todo. Esta actividade, que assim mais parece um palavrão, tem, por si e como é, todo o interesse público, porque é ela que vai permitir a existência de uma sociedade melhor, mais (e acima de tudo) preocupada em minorar o sofrimento humano e em aumentar o prazer. Querer transformá-la, como de resto tem sido transformada a partir de Parménides, por génios como Platão ou Aristóteles, e raridades subsequentes, numa eterna perpetuação pastosa de um pensar egocêntrico, inconsequente e exibicionista, é, mais do que uma negação, um crime. Mais do que um crime, uma estupidez.
segunda-feira, 19 de maio de 2008
domingo, 18 de maio de 2008
Encontro Serpentino Emplumado e outras coisas
Recordo o Colóquio sobre a Saudade, em homenagem a Dalila Pereira da Costa, que se inicia amanhã no Porto com uma conferência minha sobre "Experiência Mística e Saudade em Dalila Pereira da Costa" (ver aqui o programa em Actividades). Também amanhã à noite, pelas 21.30, na Fundação Escultor José Rodrigues, na Rua da Fábrica Social, no Porto, será lançada a "Nova Águia", que voa com várias plumas da Serpente. A apresentação será feita por Miguel Real. Na mesma ocasião será lançado o meu livro "Princípio e Manifestação. Metafísica e Teologia da Origem em Teixeira de Pascoaes", apresentado por António Cândido Franco.
Depois parto para Paris onde falarei no dia 22, nas Jornadas Vieirinas que aí decorrem, no Centro Calouste Gulbenkian, sobre "A espiritualidade do Padre António Vieira" (ver programa). Pelo meio terei um retiro budista e regresso para falar sobre "Mestre Eckhart e Longchenpa: do fundo sem fundo primordial como Nada e Vacuidade" num Seminário que decorre no dia 30 no Anfiteatro IV da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (ver programa).
No dia 31 haverá o lançamento da "Nova Águia" em Lisboa, no Palácio Pombal, na Rua do Alecrim, pelas 17 h, bem como o lançamento do meu último livro "A cada instante estamos a tempo de nunca haver nascido" (aforismos).
Quanto ao encontro Serpentino Emplumado, proponho que seja no dia 10 de Junho, no lançamento da "Nova Águia" na Feira do Livro, pelas 18 h, em local a indicar.
Até lá, se não nos virmos antes, e que façamos destas aventuras culturais o cultivo da intensidade e da sabedoria de viver !
Abraços
Air-Johann Sebastian Bach-Ouverture (Suit) Nº3 in D Major
( Talvez a tenham gravado em pedra, caríssimo Obscuro !)
(Onde tu vês anjos, eu encontro células e átomos, Isabel. Mas qual é a diferença afinal?)
sábado, 17 de maio de 2008
Ritos dionisíacos da Itália Meridional
«A picada do amor»
"O Tarantismo pode ser definido como um fenómeno histórico-religioso que caracterizou a Itália meridional e em particular a província de Puglia no final da Idade Média. (...) Sobrevive ainda em algumas áreas da Península Salentina."
Um texto a partir do texto anterior
Vivemos a era dos cursos. Hoje, há cursos para tudo e são necessários cursos para tudo, o que é liminarmente ridículo, na medida em que é possível que o maior filósofo de sempre seja um aparente Zé-Ninguém sentado no chão, na esquina ventosa, ou um raro pastor perdido num qualquer monte longínquo. No entanto, como vivemos não só na era dos cursos, como na dos papéis, privilegiam-se os papéis, os diplomas, que não são assertivos, excepto para inglês ver.
Vivemos não só a era dos cursos e dos papéis, como a dos currículos, tal é a desconfiança de uns para outros. A maior preocupação das pessoas é fazer currículo, não só para terem a justa preocupação de melhores possibilidades de empregabilidade futura, como para defenderem socialmente um status numa sociedade cada vez mais agressiva, encolhida, receosa.
Sou contra tudo isto: cursos, papéis, currículos e, portanto, talvez infelizmente, contra o modelo social em que vivemos, embora entenda que tanta burocracia pode visar a nossa própria segurança. Talvez a solução passe, como tem vindo a ser dito desde há uns anos para cá, por uma participação social mais local, onde o contacto humano e os afectos são maiores, e onde as pessoas são mais valorizadas na sua sensibilidade e não tanto na sua capacidade funcional.
Nas cidades, as pessoas são pouco afectuosas, muito carreiristas e individualistas, "não me chateies que eu também não", vivendo no entanto a estranha condição de extremamente desligadas da sua individualidade enquanto são extremamente individualistas, porque desligadas da vida e da morte, da terra e do céu, esquecendo facilmente, pequenas peças numa complexa engrenagem.
Os filósofos não devem pensar fechados nas suas redomas pseudo-individualistas, mas individualizar-se, livremente, para a colectividade, tendo a obrigação de, como pensadores da vida e da morte, da existência, da pessoa e da sociedade, das relações, do ideal, divulgá-lo, respeitando, no entanto, a clara incerteza das nossas noções acerca do mundo, porque o humano é o ser da crença, no que respeita ao ser da realidade para lá das aparências (se esta ou aquela existem... penso que sim!) e ao futuro.
Reflexões várias, sobretudo sobre o anarquismo, o mal no mundo e a visão errada dos filósofos objectivistas que querem matar o misticismo
Não me considero comunista nem socialista, visto que o objectivo destes é o fim do Estado e a criação de uma sociedade em tudo semelhante à anarquista, com a diferença de que os primeiros propõem uma mudança mediata e os últimos imediata. Penso que a mais plausível, de entre ambas, é a mediata, porque se passássemos imediatamente para a ausência de leis muitos dos mais desfavorecidos não teriam pejo em tomar de assalto as propriedades dos mais poderosos.
O que vai mal no mundo? O que vai mal em Portugal?
Ao contrário de alguns intelectuais que peroram na Internet, não sou da opinião de que Portugal seja uma pasmaceira locus de povo inculto e apático, até porque cultura e apatia são musts de qualquer sociedade humana. Na verdade, penso que esses anglicano-americanizados, sedentos de ciência e progresso progresso PROGRESSO, rejeitam, com todo o direito, a sua própria cultura, de que se envergonham, anuindo eventualmente às breves anuições que vêm de fora, relativas ao nosso pequeno e belo pedaço de terra.
Não me considero uma pessoa culta, na medida em que esqueci muito do que aprendi no liceu, desde a História (que considero fundamental) à Ciência, passando pela Matemática. Porém, penso que a educação, o facto de sermos educados desde a mais tenra idade, visa, não tanto nem apenas, criar máquinas produtoras de uma ilusão chamada progresso (exceptuando o fantástico e benéfico progresso da medicina e das áreas necessárias para o mesmo, como a tecnologia...), mas seres humanos dotados de fortes características morais - personalidade moral -, com o objectivo de minorar os conflitos que, necessariamente, surgem ao longo da vida das sociedades, entre os indivíduos.
Penso, por isso, que o maior e menos ilusório progresso que existe, o verdadeiro, é o progresso moral, porque é esse que permitirá a criação de uma sociedade mais justa, maior qualidade de vida, incremento de felicidade em cada um de nós, não obstante o sofrimento necessário associado à existência, especialmente à humana, mais que não seja pela consciência da morte e da possibilidade do sofrimento, da dor, da incapacidade, doença e fome.
Julgo que existem demasiados filósofos preocupados em fazer da filosofia uma espécie de ciência objectiva, não obstante o seu carácter não empírico, embora exista a chamada filosofia experimental, e até entendo o seu ponto de vista, na medida em que se rebelam contra aqueles que, como eu, pouco percebem de filosofia e, não como eu, dizem que a filosofia é uma área subjectiva em que cada um interpreta à sua maneira e em que não há uma mas inúmeras leituras de uma mesma frase. Talvez tenham razão, talvez. Porém, o ponto não é esse. O que me irrita profundamente nos objectivistas, vulgo analíticos, é a sua pretensão de extrema seriedade, como se tratassem dos assuntos mais importantes do mundo. Não é verdade. A maioria das vezes tratam de questiúnculas pseudo-sérias cujas respostas em nada contribuirão para o aumento da sua ou da felicidade dos outros, nem para que encontrem um qualquer sentido maior para as suas pequenas (e sérias, muito sérias) existências.
A filosofia deve ser feita com o coração. As pessoas não são máquinas argumentativas completamente racionais, e o mundo não é completamente racionalizável. Tem de existir -e há - espaço para o misticismo e para a fantasia. Naturalmente, a luta desses filósofos pseudo-sérios, que são seres bastante recalcados, é contra o misticismo e a fantasia, porque querem transformar a filosofia numa área respeitável, distinta das demais astrologias e cartomancias, próxima da Ciência. E, na verdade, a filosofia tem mais a ver com ciência do que com as referidas intrujices, na justa medida em que o filósofo é aquele que procura conhecer - como o cientista -, respostas para perguntas que tem acerca de aspectos, que desconhece, da realidade, ou para o seu todo:
Viverei para sempre? Sempre vivi? O que é a realidade? A realidade sensorial é aparente? Deus existe?
São perguntas, eventualmente, sem resposta ou, penso que mais apropriadamente, com respostas que desconhecemos, que nos transportam, naturalmente, para outras áreas que não a filosofia, como a religião, a arte, ou mesmo para atitudes, como a contemplação ou o desprezo pela nosso anterior materialismo prático e pouco pensado. Talvez a filosofia seja, infelizmente e ao contrário do que os falsos-filósofos-objectivistas querem fazer crer, um beco sem saída ou, por outro lado, uma tenaz abertura do (nosso) ser ao mundo, ao infinito, ao misticismo que os objectivistas querem matar porque são cientistas falhados (ou outras máquinas quaisquer).
Na verdade, querem tanto sobreviver intelectualmente, que rejeitam o projecto primeiro do filósofo, aquele que mais do que um mero argumentador era uma pessoa cuja praxis de vida se coadunava com uma série de pensamentos que, no passado, lhe haviam aberto a mente ao mundo, ao espaço, à distância, à noite... ao misticismo.
Querer transformar a filosofia em algo mais do que essa abertura-aventura, mística, do ser ao ser, é a busca de um milagre (no pior sentido do termo) tão repleto de fé como o da transubstanciação.
arte de nadar
no pescoço do nosso ser
mas sim um diamante leve
luz inquebrável do horizonte...
sexta-feira, 16 de maio de 2008
Hora para pensarmos seriamente no nosso "Encontro Serpentino"
Metade de Maio ja la vai, e esta na hora de decidirmos quando e onde vai ser o nosso encontro.
Proponho que seja dia 9 de Junho a noite, vespera do Dia de Portugal, ou entao dia de Santo Antonio.
Proponho tambem que passemos um bom serao na Tasca do Chico, uma casa de Fado Vadio, que fica ali na Rua do Diário de Notícias, nº 39, no coração do Bairro Alto.
Se decidirmos nos encontrar dia de Santo Antonio, poderiamos nos encontrar durante o dia para ver as marchas, e depois marcharmos para a Tasca do Chico para um belo serao de fados e vadiagem.
o que acham:-)?
Novas Lendas – Velhos Alfabetos
O povo de Apolo, adoradores de Odin, e o povo de Oestrimini não esqueceram o idioma. Mas os Strymonioi foram viver para as terras trácias perseguidos pelas serpentes.
quinta-feira, 15 de maio de 2008
Nova Águia e MIL - O que se espera de todos e cada um de nós ?
Digo isto porque não posso deixar de sentir um contraste entre o crescimento rápido e entusiasta das adesões à Nova Águia e ao MIL e as poucas iniciativas autónomas dos aderentes, que parecem continuar a passividade secular dos portugueses, que tendem a ficar à espera que decidam e pensem por eles. A Direcção da Nova Águia e a Comissão Coordenadora do MIL podem e devem impulsionar e catalisar este movimento, mas ele nunca existirá, como um verdadeiro movimento de renovação, se as nossas iniciativas não encontrarem eco nas iniciativas dos múltiplos núcleos de aderentes espalhados por todo o país e pelo mundo.
Espero que os vários lançamentos da Nova Águia sejam pontos de encontro para aqueles que abraçam este projecto, espero que os aderentes em cada cidade e região tomem a iniciativa de se conhecer e organizar para planearem estratégias conjuntas de divulgação deste movimento, espero que todos se mobilizem e dêem o melhor de si para que estejamos à altura do melhor da nossa história e cultura e daqueles que nos inspiram. Espero que desde já e até ao final das nossas vidas sintamos que estamos realmente a marcar uma diferença e a contribuir para que haja um novo Portugal, uma nova Comunidade Lusófona e um novo Mundo.
"Eu, da raça dos Navegadores, desprezo tudo o que seja menos do que descobrir um Mundo Novo !" - Álvaro de Campos
Hoje - V Encontro Inter-Religioso de Meditação - 18.30
Para que se cumpra o Portugal-V Império ecuménico, multi e trans-cultural, multi e trans-religioso de Pessoa e Agostinho da Silva !
Não faltes !
Centro de Estudos da Ordem do Carmo – Lisboa, R. de St. Isabel, 128-130 (ao Rato)
quarta-feira, 14 de maio de 2008
Quis saber quem sou...
Creio que temos uma ideia errada do que é ser humano e que, não raras vezes, idealizamos o humano como se de um ser querúbico se tratasse, dotado de uma moral inabalável, como se os crimes cometidos por seres humanos fossem cometidos por uma qualquer sua parte inumana. Infelizmente, a realidade aí está para nos mostrar que não é assim e que o ser humano é capaz das maiores atrocidades de que alguma vez tivemos conhecimento, até na própria medida em que é capaz de premeditar os seus actos ignóbeis ou mesmo, no caso do exercício de poder, de prever verdadeiras hecatombes que se abatem, habitualmente, sobre os mais desfavorecidos sem que, no entanto, se demova das suas intenções.
O caso mais público, atroz e revoltante de sempre é, sem dúvida, o de Fritzl. Penso que o humano é o animal mais cruel de todos, na medida da sua própria racionalidade. Exemplos não faltam.
Uma breve reflexão sobre a existência de Deus a partir de uma notícia sobre uma carta de Einstein
Uma breve reflexão sobre modelos sociais, o Estado e a condição humana
Acontece que a razão pela qual os anarquistas criticam o modelo liberal é a sua descrença numa suposta bondade dos patrões, o que contradiz a sua teoria de que, educado, o ser humano é capaz de se tornar um animal fraterno porque, afinal, os patrões (nada mais) são (que) pessoas. Assim, só me resta crer que os anarquistas crêem que num modelo - que não o seu - as pessoas não têm escrúpulos e, noutro - o seu -, são maravilhosas e fraternas criaturas acabadas de sair de um colorido conto de fadas, anjos caídos num qualquer paraíso astral.
Tanto os liberais como os anarquistas têm problemas com a autoridade. Os primeiros, supostamente, porque defendem a treta do mercado livre, a auto-regulação, a iniciativa privada, blá blá blá, etc. Os segundos, supostamente, porque as leis são um instrumento opressivo do Estado, criado por um grupo de pessoas maquiavélicas, diabólicas, control-freaks cujo único prazer é o controlo e a instrumentalização dos outros, coitadinhos, pobrezinhos, sem culpa nenhuma.
Na minha opinião, o Estado, essa entidade abstracta à qual oferendamos entidades concretas, é uma entidade importante. Diria mesmo que se o Estado não existisse seria imperativo que o Estado existisse. Mais que não seja, por quatro razões: serviços de saúde, educação, reformas, segurança. Infelizmente, ao contrário dos anarquistas (e sendo momentaneamente caritativo), não creio que as pessoas sejam naturalmente viradas para a bondade, fraternidade e géneros afins. Creio que se não existissem leis e punições a criminalidade seria muito maior do que actualmente é. Penso que essa possível hecatombe, que seria a ausência de leis, não se deveria a uma qualquer falha moral humana, embora possamos tê-las em excesso, mas à nossa própria condição de esfomeados, sedentos e doentes.
Qualquer que seja o modelo socio-natural em vigor, haverão - sempre - pessoas melhor adaptadas do que outras ao mesmo, ou porque são mais inteligentes ou porque são mais fortes ou porque são mais bondosas ou porque... A verdade é que, até que encontremos a pílula-contra-todos-os-males, teremos de trabalhar para comer, beber água, ter roupa, casa, medicamentos, assistência na velhice (se lá chegarmos...) e assim por diante, pois a carência é uma das mais vibrantes propriedades da condição humana.
Nesta medida, penso que, embora hajam modelos sociais mais justos do que outros, o nosso maior problema - a carência, a necessidade - nasce connosco, em cada um de nós, sendo que não se augura solução no horizonte. No entanto, como disse, o mal pode ser parcialmente remediado, através da implementação de um modelo social mais justo do que outros e, a meu ver, esse modelo passa pela existência de um Estado que legisle e que tenha dinheiro, através de impostos, que seja utilizado justamente para cumprir a única função pedida a um Estado necessário: a minoração do sofrimento humano, na senda da melhoria da condição humana.
terça-feira, 13 de maio de 2008
Diálogo
Hölderlin
Wie hast du mich gefunden, der Wald ist grün und dicht
der Fluss ein schimmernder Strom?
Ich lebe hier im Sommer sehr bis dieser Winter sich
in meine Wärme bricht mit einem weissen Tuch
das er den Dingen überzieht wie ein Gewicht
das alles in den Schlummer wiegt und anders färbt
Pascoaes
Dir dank ich für dein Angesicht
Mein Meer ist weit und sieht dich nicht
und meine Sicht ist weiter noch als dieses Herz
der Wein noch dunkler als mein Blut
Ich träume Nachts und auch am Tag
Wie singst du nur von Griechenland
und kennst mich nicht?
Hölderlin
Das Archipel, das nur ein Ikarus erschaut
ist mir ein tausendfaches Spiegelbild
den Göttern Griechenlands bin ich ein Freund
doch was du sagst, mag mich nicht schrecken
Wie ist das Meer, das weiter sich erstreckt
als alle Reisen der Hellenen je sich zugetraut?
Pascoaes
Nichts ist das Meer, das sich an meinen Ufern bricht
Nichts bin ich mehr als Mond und Gruft
der vielen Könige, die längst verloren sind
und noch viel weniger als alle Karavellen,
die den sehnsuchtsvollen Sinn aus Orchideenblüten trinken
und eine unendliche Süsse tropischer Nächte ersinnen
So sind wir fast wie ihr, von einem fernen Indien träumend,
denn unser Indien ist heute euer Indien der Vergangenheit.
Hölderlin
Unser Indien ein verlorenes Zeitalter der Ideen...
Pascoaes
Unser Indien ein verlorenens Land am Rande der Sehnsucht...
usw.
segunda-feira, 12 de maio de 2008
Ophyussae
sou um livro pendurado em ti.
uma leitura cada vez mais simples.
um espaço sem dimensão.
uno. sensível.
e abro-me por ti
na imensidão do amanhecer infinito.
in Nova Águia
Holderlin e Pascoaes, em Heidelberga
"Há tanto tempo que te amo já, e gostaria, pra alegria minha,
Chamar-te mãae e ofertar-te uma canção sem arte,
Ó tu, das cidades da pátria
A mais rusticamente bela de quantas vi.
Como a ave dos bosques voa sobre os cumes,
Assim sobre o rio, ao passar brilhante por ti, se lança
Leve e forte a ponte
Que ressoa de carros e homens.
Como enviado dos deuses, um encanto me prendeu
Um dia à ponte, enquanto passava,
E pra dentro dos montes
Me brilhava a lonjura atraente,
E o jovem rio se internava na planície,
Triste-alegre, como o coração, quando, a si demais belo,
Para morrer amando
Se atira pra as torrentes do tempo.
Fontes lhes deras, deras ao fugitivo
Frescas sombras, e as margens todas
C'o olhar o seguiam, e das ondas
Tremia a sua graciosa imagem.
Mas pesado para o vale pendia o gigantesco
Castelo provado do destino, rasgado das tormentas
Até aos fundamentos;
Mas o Sol eterno vertia
A sua luz rejuvenescente sobre a dec
répita
Imagem gigantesca, e em volta verdejava
Hera viva; bosques amenos
Sussurravam por sobre o castelo.
Tufos de flores pendiam até onde no vale ridente,
Encostadas à colina ou inclinadas pra margem,
As tuas alegres vielas
Entre jardins rescendentes repousam."
Holderlin, trad. de Paulo Quintela
Em Heidelberga a ponte é uma ave;
A lonjura está dentro, não está além;
O encanto foi enviado pelos deuses e os deuses escolhem quem atravessa pontes;
O rio atira-se para as torrentes do tempo para morrer amando, em convulsão?
O rio foge não se sabe para onde, para um lugar sem nome,
porque onde o destino mora há fundos fundamentos e luz rejuvenescida do Alto.
À volta do castelo a hera fala com o bosque e as flores brotam e, em torno de tudo, em Heidelberga, há um caminho de filósofos e da Serpente.
Em Heidelberga a ponte liga todos os caminhos: dos poetas e dos filósofos, das aves e das serpentes, da terra e do céu, da vida e da morte, dos homens e dos deuses.
Em Heidelberga há um só caminho para o peregrino: o caminho da saudade.
Em Heidelberga passeia, na ponte que une todos os caminhos, Pascoaes:
"(...) E as flores, na pureza da paisagem,
Exalam seus aromas matutinos;
E neles vão, em misteriosa imagem,
E mesmo em seus aspectos já corpóreos;
Pois cada aroma tem o mesmo talhe
Da flor que o gera e cria, em seu amor...
As mesmas brancas pétalas de neve,
O mesmo gesto vivo e viva cor.
A alma é um corpo em formas espectrais.
O perfume das rosas é uma rosa,
E o perfume dum lírio não é mais
Que um lírio alado, vago, quase espírito...
E assim a nossa alma, irradiação,
Perfume etéreo, ideal, da criatura,
Tem dela o mesmo talhe, o mesmo vulto,
A mesma escura ou lúcida figura.
Mas, de repente, ó cavaleiro, acordas!
E te vestes de flores (lindo enfeite!)
(...)
Galopas! E as florestas se desolam!
Os torvos ares tremem! E das patas
Do teu cavalo, como pó, se evolam
Sombrias, grossas nuvens de tormenta!
Eis porque choro e tremo, em grande abalo,
Quando bates, de noite, à minha porta,
E corro a abri-la, e em alta voz te falo!
E uma voz me responde, voz longínqua
Que vem talvez da negra intimidade
Da treva ou do meu ser...Quem sabe de onde?
(...)"
Teixeira de Pascoaes, A Sombra do Vento
Quem sabe de onde?
De Heidelberga onde Holderlin e Pascoaes moram na negra intimidade
e se passeiam nas margens e na ponte compondo hinos, recebendo as sombras
e escutado as vozes das aves e das serpentes e o poema, como a rosa, se abre no peito de quem tem uma voz alta e longínqua e desponta sempre e sem porquê na alma de quem os relê...
O gato responde às dúvidas existenciais
do filósofo
com um bocejo
e um olhar íntimo
do alto do sofá vermelho
aconchegado no torpor
da tarde
o gato de Agostinho tem bigodes
e não é homem
aquele olhar sedutor
sem ser mulher
espeta as orelhas para ouvir
a voz sonolenta
do pensador.
Palmela, Dezembro de 2007
© Brissos Lino
sábado, 10 de maio de 2008
O que acontece quando o músico, o instrumento, a música e o público se fundem?
No espaço de uma semana, três concertos extraordinários:
Das edelste gebet / A mais nobre oracao
"A mais nobre oracao é quando aquele que ora / Se transforma no mais íntimo nisso diante do qual se ajoelha"
- Angelus Silesius, O Peregrino Querubínico, 4, 140.
sexta-feira, 9 de maio de 2008
Pascoaes em Heidelberg e a Festa do Espírito Santo na Arrábida
Entretanto convidei um jovem doutorando alemao a escrever um artigo para o segundo número da "Nova Águia" sobre a profunda impressao metafísica que lhe causou Lisboa, que ele descreve como a cidade onde identidade e nao-identidade se conjugam plenamente. Segundo ele, Lisboa revela a imperfeicao (no sentido de incompletude) das formas, abertas ao infinito... Concordo plenamente.
Com toda a pena nao poderei estar na Festa do Espírito Santo na Arrábida, no Domingo, dia 11, mas exorto a todos que a nao percam. O programa está na coluna direita deste blogue. Que as Línguas de Fogo do Santo Espírito sobre vós descam !
Um Abraco serpentino e emplumado
Paulo
quinta-feira, 8 de maio de 2008
Coisinhas
O problema é: é tudo uma questão de hábito. Uma pessoa habitua-se, o que é uma pena.
Não é que a gente queira morrer, a gente não quer é viver.
Terrorismo é romantismo.
No coiso amoroso é requisito entendermo-nos, não nos estendermos.
Mete a física que eu meto a astrologia.
Embora acabar o que nem sequer começámos?
A privacidade é violada quando não é privada.
As pessoas estão menos modernas, olham para os sozinhos e acham estranho.
As pessoas não permanecem, depois ainda se diz que são comodistas.
Suicídio é fazer ou desfazer qualquer coisa?
Começa-se a ler quando se começa a deixa de saber coisas.
O bom trabalhador é fingidor.
Porque não fugir de mim se eu sou eu?
Nem tudo o que parece é o que não parece.
"Os malucos atraem-se uns pelos outros" - minha mãe.
Antes de o ser já o Herman.
Velha = sem tido juventude.
Não raras vezes me esqueço de respirar.
quarta-feira, 7 de maio de 2008
Notas sobre António Quadros
(...) Porquê a auto-biografia? Porque ela é a possível autenticidade. A impossível verdade. Porque nela se procura a súmula do escritor-autor, porque é a verdadeira existência a exprimir-se e a revelar-se depois da vida, depois do erro, depois da obra. Já não é o livro a construir-se, é a lucidez a confessar-se, é a suma existencial a dizer-se. (...)
em que ecoam as lágrimas dos homens
que morreram no mar.
in A SEIVA
terça-feira, 6 de maio de 2008
Do fime "Into The Wild"
There is a rapture on the lonely shore,
There is society, where none intrudes,
By the deep sea, and music in its roar:
I love not Man the less, but Nature more,
From these our interviews, in which I steal
From all I may be, or have been before,
To mingle with the Universe, and feel
What I can ne'er express, yet cannot all conceal.