segunda-feira, 26 de maio de 2008

Triste condição a nossa, a condição humana

As palavras libertadoras de todos os Mestres são corrompidas por discípulos que as transformam em veículos de engrandecimento do seu ego e controle dos demais, desovando sectarismos e violência.

Todo o amor por um ser existente, incluindo Deus, contém em si uma vontade de poder que o consome e destrói o amante e o amado.

Todas as amizades partem do pressuposto que o amigo, para o ser, tem de nos reflectir a nós mesmos e se encaixar em formas de comportamento que achamos "normais" na nossa insanidade. O sinal de que estamos a "sair dos eixos" e que a amizade está em risco é quando o amigo passa o tempo todo em que estamos juntos a tentar convencer-nos a pensar e viver segundo o que ele pensa que é melhor para n´so, ou vice-versa.

Em qualquer realização humana que implica a participação num grupo ou reconhecimento por parte de outrém, o saber fazer um sorriso vápido, bater as pestanas, fazer uma voz falsamente meiga, fingir modos que reflectem uma certa sub-cultura, ou, acima de todo, saber alimentar o ego de quem tem o poder de nos reconhecer ou enxotar para a obscuridade tem muitíssimo mais relevo do que as nossas competências, capacidade de trabalho e qualidade da nossas realizações. Pois a própria noção de qualidade é relativa e depende do quanto o ego de quem reconhece se sente reconfortado pela nossa presença.

Por essa razão, é muito provável que, mais cedo ou mais tarde, as escolas e universidades se esvaziem de quase toda a filosofia e ciência, excepto aquela que é estritamente necessária para a manutenção do sistema e sobrevivência na "selva" das interacções humanas, e se transformem em fábricas de camaleões sociais.

A verdadeira filosofia e ciência são mais venenosas que o Antrax.

Uma cabeça que pensa por si mesma é a mais perigosa das armas de destruição maciça.

É preciso, acima de tudo, encontrar a chave que nos liberte destas relações de circunstância e nos abra a porta para o céu aberto da autenticidade no pensar, no sentir, no relacionar-se e no produzir. O preço da posse dessa chave é nos tormarmos marginais.

Algumas dicas sobre a forma e a localização dessa chave;-)?

8 comentários:

  1. Querida Margarida,

    Tenho-me perguntado o que terá sido feito dessa sua grande alma, que nos tem privado a todos da sua presença aqui. Ausência que dói tanto mais quanto nos lembra a necessidade de uma voz verdadeiramente inconformista e socialmente crítica, neste espaço por onde entrei, atraído como por um força-ideia que foi crescendo com as suas palavras.

    Quanta verdade e amargura nelas contida!
    Quanta “alegria infante” ainda guarda a sua alma! Presa aos dossiers de um problema insolúvel, inerente à nossa condição de anjos caídos.
    O preço a pagar tem-no no exemplo dos Grandes Homens e Mulheres, na obra que fizeram contra tudo e contra todos. Sob o risco da sua solidão e da sua vida. O que vale ela, afinal? Vale o tamanho das pérolas que alimentamos no nosso interior, essas não têm preço cotado no mercado destas almas com que convivemos. Mas é daquelas que retiramos a melhor recompensa. Não é a deste mundo, certamente.
    Valerá a pena? Com almas pequenas não avança o mundo.
    As relações sociais e profissionais, inquinadas pelo desejo de agradar, tirar benefício, traficar almas…tudo isso deve ser reduzido à sua verdadeira dimensão periférica à nossa obra e ao nosso ardente desejo de “desaparecer” da ilusão.
    Todas essas atitudes negativas que todos conhecemos não podem afectar quem já não sente o ridículo, a ofensa, e a desqualificação a perturbar-lhe o espírito.
    Não somos bons, mas «Se até os bons se salvam…» como não serão salvos os “pecadores”.
    A resposta à sua pergunta é pessoalíssima. Os de pensamento marginal precisam de se defender dessas agressões, não há outra maneira que desejar-lhes a salvação.
    Já vai longa a “conversa"...Afinal o que eu queria dizer é que as saudades do futuro também são saudades de si.

    Um abraço
    Um sorrioso:)
    Muita paz

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  2. Querido Saudades do Futuro,

    A razão da minha ausência é que estive em viagem durante uma semana, num congresso científico.

    Estou agora em Portugal a passar umas bem merecidas férias (em combinação com algum trabalho e a participação nos lançamentos da Nova Águia pelo país fora).

    Essa amargura é resultante em parte do olhar para o mundo com olhos de socióloga. Talvez uma das maiores lições de um Doutouramento em Sociologia é darmo-nos conta de que o ser humana é talvez o pior animal de toda a criação. O único que tem um nível suficientemente evoluido de consciência para libertar-se, é certo, mas também o mais destrutivo de todos.

    Que desilusão foi entar no emio académico. Estava à espera de encontrar espiritos livres, sedentos de verdadeiro conhecimento e de aventura, quando na sua maioria submeter o amor por Sophia à ética do "agradante profissionalizado", que tão bem consegue evoluir na vida, arranjando status social, dinheiro e amantes à custa de se ser um camaleão social e alimentar os egos das "pessoas que interessam".

    Um abraço,
    Um sorriso:-)
    Muita Ternura e muita Paz.

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  3. Querida Margarida,

    Que bom foi ouvir a sua voz, apesar de ter nela notado algum desencanto (sensibilidades poéticas... deve ser). Estou a ouvir Ana Moura. À conta disso, bloguei no saudades umas tantas palavras sem nexo, em resposta à Isabel, que bem dizem do espírito nostalgicamente saboroso que me invade... Ai, ai, saudade...

    Grande, grande abraço

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  4. Querido Saudades do Futuro,

    Desencanto. É exactamente isso que eu sinto. Desencanto e uma pergunta incómoda dentro de mim: Será que o meu inconformismo não é mais do que uma recusa em aceitar as realidades da vida às quais ninguém, no seu devido juizo, sabe que pode escapar sem pagar um preço elevado?

    Recusa em crescer, amadurecer e trocar o desejo de poesia, aventura e constante descoberta na vida diária pela constatação de que a rotina e o esmorecimento da paixão são inevitáveis e que o trabalho não é mais do que isso - um trabalho - destinado nada mais do que a sustentar a sobrevivência da forma humana e a humilde devoção que implica a inevitável participação na reprodução do sistema e do ser humano?

    E além disso, aceitar as hierarquias sociais e os mecanismos de exclusão como algo forte, estabelecido e rígido demais para que eu possa viver sem ter de as ter em conta? Não seria muito mais inteligente ser um bocadinho manhosa e fingir concordância e subserviência em certas ocasiões para ao menos conseguir uma posiçãozinha um pouco mavantajosa, onde leve menos pontapés, umas migalhinhas de poder e prestígio, um bocadinho de reconhecimento, um certo "status" e respeito?

    Lembro-me da Adama falar da "suave luminosidade" da mulher que não tem olhos para mais nada do que o marido e os filhos, sendo que tudo o resto na sua vida se torna mero acessório, e que encontra a salvação no esquecimento de si mesma nas tarefas humildes e rotineiras associadas com o casamento, a maternidade, e uma vida profissional "normal", destinada a alimentar a reprodução da espécie e do sofrimento do nascer e morrer.

    Quem sou eu para pensarde outra maneira? Não sou eu mais um ser humano que anda por aqui? Por isso, não é melhor aceitar as "leis" da vida e segui-lhas humildemente?

    Como disse uma amiga minha "a idade da paixão, da descoberta e da aventura já passou, Ana Margarida".

    Relativamente à nossa sociedade, todos os sonhos que o ser humano já teve de modificar as hierarquias sociais, as "leis da vida", e o esmorecer da paixão a elas associadas resultaram em desastre: Ditaduras sangrentas - como no caso da URSS, ou repressões brutais - Como no caso do Maio de '68 e a repressão policial e militar que antecedeu os Acordos de Grenelle.

    O melhor para mim não seria que alguém me desse um belo par de estalos na cara e me fizesse descer à terra?

    Um forte abraço.

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  5. Prefiro dar-me a uma colectividade muito maior do que ao casulo asfixiante de uma família nuclear de sangue. Encontro mais sentido no serviço à sociedade, através da produção e partilha de conhecimento e da redistribuição de bens, do que no serviço à sobrevivência física e ao dolorosíssimo processo de crescimento emocional, intelectual e moral da prole.

    Para quê casar e pôr filhos no mundo quando a vida é tão cheia de sofrimento, quando o mundo se torna cada vez mais pobre, intolerante e competitivo, e quando o "crescer" implica dores inomináveis que a maior parte dos adultos parece ter esquecido? O próprio Nietsche diz que "a maior tragédia do homem foi um dia ter sido criança".

    Não será melhor ajudar as pessoas a libertarem-se dos grilhões associados a tal processo? A tornarem-se mais sábias e mais livres?

    Mas quem sou eu para pensar que tenho capacidades para tal coisa, ou sequer o direito de o fazer? Pensar isso não é sinal de tirania?

    O pior é que vejo a sociedade a fechar-se cada vez mais sobre si mesma nestas pequenas "famílias" (perdeu-se o verdadeiro sentido da palavra), alimentadas por narcóticos naturais produzidos pelo próprio corpo e pela ânsia de "sobrevivência". E a sociedade cada vez mais nos diz que quem não deseja entrar neste esquema e vê outras formas de se "dar" é egoista e incompleto como ser humano.

    Que me perdoem aqueles que entre vocês são pais, não quero de maneira nenhuma desvalorizar a vossa função. As minhas palavras são resultantes da angústia de me perguntar o que realmente vale a pena nesta vida e do colocar em questão da minha capacidade de empatia e humildade.

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  6. Sofrimento associado com o crescer e o inserir-se numa sociedade que cada vez mais reduz o ser humano a peças descartáveis de uma engrenagem.

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  7. Cara Margarida,

    Não posso responder-lhe na linguagem dos homens. Recorro a Yvette Centeno:

    «Os mitos são eternos»

    “ Ishtar resolutamente dirige-se à "Terra de não-Regresso", à casa de que não se regressa, onde o alimento é pó e lama.
    Chegada ao portão, guardado por Kurnugi, diz-lhe que o abra ou choverão desgraças sobre o mundo, assolado para sempre pelos mortos e pela morte.
    Com autorização da Rainha dos Infernos (neste mito a entidade é feminina, ao contrário do mito grego) Ereshkigal, irmã de Ishtar ( uma é a da vida luminosa outra é a da morte das trevas) será aberto o portão.

    Na primeira porta o guarda tira-lhe a coroa da cabeça, a isso obrigam os ritos de passagem.
    Na segunda porta o guarda tira-lhe os brincos das orelhas.
    Na terceira porta tira-lhe os colares do pescoço.
    Na quarta porta tira-lhe as jóias do peito.
    Na quinta porta tira-lhe a corrente de pedrarias à roda da cintura.
    Na sexta porta tira-lhe as pulseiras dos pulsos e dos tornozelos.
    Na sétima porta tira-lhe as belas vestes que lhe cobriam o corpo.

    Este despojamento de todos os elementos exteriores é feito cumprindo os ritos da Senhora da Terra, conforme o guarda vai explicando a par e passo, porta a porta.
    Segue-se, com a ausência da deusa Ishtar, um período de grande infertilidade sobre a terra:
    o touro e o burro não cobrem as suas fêmeas, o jovem não procura a rapariga, fica a dormir sozinho no seu quarto, e a rapariga fica com as suas amigas. A rapariga dorme com as suas amigas. Foi necessária uma intervenção superior para que Ishtar fosse "benzida com as águas da vida" e se procedesse ao caminho inverso, em que a deusa volta a atravessar as portas onde lhe são devolvidos todos os seus paramentos.
    Na agora primeira porta (que fora a última) entregam-lhe as vestes que a cobrem, na segunda porta as pulseiras de pulsos e tornozelos, na terceira porta o cinto de pedrarias, e assim por diante.
    Na sétima porta, finalmente, colocam-lhe na cabeça a sua grande coroa.

    O texto deixa supor que o " amante da sua juventude", Dumuzi, lhe foi devolvido, "lavado com água pura, ungido com óleos puros, envolto em vestes vermelhas, ao som de um tubo de lapis-lazuli" ( pensemos numa flauta, como é o caso nos ritos de Diónisos)….”


    Um abraço

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  8. O kito de Isthar, tão parecido com o de Perséfone, que desce às profundesas secas da infertilidade, da solidão e do inferno, para daí voltar mais sábia e mais capaz de se dar.

    Como acontece com a Primavera, que volta sempre depois do Inverno para novamente nos encher de benesses, assim acontece com Isthar e com cada ser humano.

    regresso este que é resultado da Graça Divina.

    Não é verdade?

    Um abraço

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