quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008
Querida "Maria"
Haverá alguma coisa para lá deste mundo sensível, que percepcionamos? Sem dúvida, não há apenas percepções. A minha questão prende-se com outra, que me tem angustiado - coitado do menino, tão angustiado! - que é a seguinte: como devemos viver? Que ética adoptar?
E, aqui, caímos no leito de Apolo e Diónisos, e com a questão que Paulo Borges levantou aquando do Carnaval, acerca do Caosmos. Que vida viver? Uma vida despreocupada e repleta de prazeres sensíveis - comida, bebida, sexo, dança, drogas... -, hedonismo, ou uma vida preocupada com os actos e consequências (a opção mais ascética), focada na possibilidade do sofrimento, deontologismo ou, por outro lado, utilitarismo?
Devemos estar-nos a cagar para tudo - "no future" - ou devemos pensar duas vezes antes de agir?
Por vezes, tento olhar para mim, e não perguntar como devo viver, mas como vivo. Assim, saberei qual a minha ética, isto é, a minha perspectiva relativamente ao ethos que adopto. Temos uma certa dificuldade, penso, em olharmos para nós mesmos. Somos como que ofuscados pela imagem que temos de nós - afinal, não queremos encontrar, em nós, uma pessoa miserável, sem princípios, medíocre ou mesmo mediana. Por isso, mentimos e julgamo-nos bons e sábios, pejados de virtudes. Eu tenho muitos defeitos e, em jeito de confissão, digo desde já que dois deles são julgar-me melhor do que os outros, quando não sou, e querer agradar aos outros, quando não devia fazê-lo (é bom que encontremos os nossos defeitos, porque eles são causa de muitos problemas).
A questão é que, a meu entender, lutamos para nos aperfeiçoarmos e, para isso, temos de encontrar os nossos defeitos, limar as arestas. Também, sinto que dentro de mim e, possivelmente, o que já não sinto, dentro de nós, existe a quase constante tensão entre Apolo e Diónisos, a consciência do que é bom e deve ser, e a consciência do que é bom e pode ser. Em suma, o que é ser bom? O que é o bem? O que é fazer o bem? Afinal, podemos fazer tudo o que a razão, a sensibilidade e a faculdade de julgar entendem ser mau - mentir, trair, roubar, matar, violar -, sem que o céu nos caia em cima da cabeça. Tendo porém a consciência de que estamos a fazer o mal - haverá quem não tenha? É possível. Dizemos que são doentes mentais.
Penso que há coisas que não devemos fazer, como as enunciadas, apenas porque causam ou causariam sofrimento ao outro. Simultaneamente, penso que não deveríamos fazer mal a nós mesmos - pelo menos ao nosso templo, o corpo -, mas, aí, sou já incontinente, porque, por exemplo, fumo. Ao aceitar a auto-degradação do meu corpo, estou a cultivar vícios e não virtudes.
Querida "Maria", deverei preocupar-me?
E, aqui, caímos no leito de Apolo e Diónisos, e com a questão que Paulo Borges levantou aquando do Carnaval, acerca do Caosmos. Que vida viver? Uma vida despreocupada e repleta de prazeres sensíveis - comida, bebida, sexo, dança, drogas... -, hedonismo, ou uma vida preocupada com os actos e consequências (a opção mais ascética), focada na possibilidade do sofrimento, deontologismo ou, por outro lado, utilitarismo?
Devemos estar-nos a cagar para tudo - "no future" - ou devemos pensar duas vezes antes de agir?
Por vezes, tento olhar para mim, e não perguntar como devo viver, mas como vivo. Assim, saberei qual a minha ética, isto é, a minha perspectiva relativamente ao ethos que adopto. Temos uma certa dificuldade, penso, em olharmos para nós mesmos. Somos como que ofuscados pela imagem que temos de nós - afinal, não queremos encontrar, em nós, uma pessoa miserável, sem princípios, medíocre ou mesmo mediana. Por isso, mentimos e julgamo-nos bons e sábios, pejados de virtudes. Eu tenho muitos defeitos e, em jeito de confissão, digo desde já que dois deles são julgar-me melhor do que os outros, quando não sou, e querer agradar aos outros, quando não devia fazê-lo (é bom que encontremos os nossos defeitos, porque eles são causa de muitos problemas).
A questão é que, a meu entender, lutamos para nos aperfeiçoarmos e, para isso, temos de encontrar os nossos defeitos, limar as arestas. Também, sinto que dentro de mim e, possivelmente, o que já não sinto, dentro de nós, existe a quase constante tensão entre Apolo e Diónisos, a consciência do que é bom e deve ser, e a consciência do que é bom e pode ser. Em suma, o que é ser bom? O que é o bem? O que é fazer o bem? Afinal, podemos fazer tudo o que a razão, a sensibilidade e a faculdade de julgar entendem ser mau - mentir, trair, roubar, matar, violar -, sem que o céu nos caia em cima da cabeça. Tendo porém a consciência de que estamos a fazer o mal - haverá quem não tenha? É possível. Dizemos que são doentes mentais.
Penso que há coisas que não devemos fazer, como as enunciadas, apenas porque causam ou causariam sofrimento ao outro. Simultaneamente, penso que não deveríamos fazer mal a nós mesmos - pelo menos ao nosso templo, o corpo -, mas, aí, sou já incontinente, porque, por exemplo, fumo. Ao aceitar a auto-degradação do meu corpo, estou a cultivar vícios e não virtudes.
Querida "Maria", deverei preocupar-me?
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
7 comentários:
Devemos procurar a virtude, mas ao memo tmpo pô-la constantemente em causa para que o nosso ego não se inflame por causa dela.
Não há nada pior do que os "santinhos" que julgam ter encontrado a "verdade" e a pregam a sua fórmula de viver como banha da cobra para todos os males a quem queira e a quem não queira ouvir.
Não há nada melhor do que de vez em quando, em condições bem delineadas, dar uma "escorregadela" que nos mantenha lúcidos em relação á nossa própria falibilidade e nos lembre que a ética e a moral é sempre um domínio flexivel.
Essas "escorregadelas", quando feitas em contextos iniciáticos, de "mundo ás avessas", mostram-nos também que existe uma realidade muito mais fluida, livre e total para lá dos constrangimentos de tudo o que tem forma e lei, de tudo o que é.
Concordo com quase tudo. Digo "quase" porque não entendo o que é um contexto iniciático (de iniciação? Se sim, porquê em contextos de iniciação e não noutros?) de "mundo às avessas" (quando "transgredimos"? Quando fazemos algo diferente do que costumamos fazer? Quando saímos da rotina? Quando "caotizamos" mais do que "ordenamos"?).
Não entendo, também, o que significa a ética ser um domínio flexível. Relativismo? Podemos, de quando em quando, "pecar" (hehehe)?
Quanto à parte dos santinhos e de termos a mania, concordo plenamente.
Cumprimentos.
Caro Nuno, permita-me contribuir também com mais uma "achegazinha". Tal como diz a Ana, devemos estar atentos para que a nossa vida seja o mais sagrada possível, o que pode ser uma grande trabalheira, eu sei, então quando se chega à ética, "fazer isto ou fazer aquilo, qual é o bem e qual é o mal"... Quando digo o "mais sagrada possível", quero dizer o "mais consciente possível", o que, na minha experiência, também passa por desenvolver a capacidade de sermos uma testemunha permanente e imparcial de tudo o que se passa em nós e à nossa volta. Apolo diz: "que não haja um único pensamento na nossa mente que nos passe despercebido, um único sentimento, uma única emoção, uma única palavra, um único gesto, uma única acção que escape a esse Observador constante e impassível"; cá está o nosso Apolo com a sua pontaria infalível, mas para desenvolver essa pontaria é preciso exercitar pacientemente (com o tempo acaba por se tornar natural). É uma forma de nos precavermos contra as permanentes insídias do ego, de nos desapegarmos de acções, pessoas e objectos, de podermos ter consciência dos efeitos que determinados alimentos podem provocar no nosso organismo (e na nossa consciência), de repararmos no modo como usamos e desperdiçamos as nossas energias, inclusive a energia sexual, que é tão sagrada, na minha opinião, como tudo o mais.
Quanto ao Diónisos (cuidado, porque na maioria das vezes não é ele, mas sim o nosso ego mascarado de Diónisos), "ritual" e "iniciação" são as palavras chave: aqui "o mais sagrado possível" é sinónimo de "o mais simbólico possível", de forma a evitar a banalidade.
Naturalmente, estou a falar da minha experiência pessoal, que é a única coisa que posso fazer, mas julgo que à medida que vamos integrando e equilibrando estes dois aspectos, com a orientação imprescindível dos grandes Mestres, as dúvidas éticas se vão esclarecendo e dissolvendo (elevar-se para lá do bem e do mal): é um trabalho diário... devo dizer que a disciplina tem tido um papel fundamental nesta caminhada, feita, como não poderia deixar de ser, com os seus tropeções, mas também de descobertas maravilhosas e indescritíveis.
Julgo que o único "pecado" que poderá haver será o de não estarmos absolutamente conscientes e não nos sentirmos totalmente responsáveis por todas as nossas acções e seus frutos.
Diz que lhe agrada particularmente o hinduísmo... Então não se satisfaça em ser copista, pratique!
Como disse, foi só mais uma achega, porque este é um assunto interminável... Cumprimentos
Enviar um comentário