O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

O que somos nós?

Sem consciência, não haveria coisa alguma para nós, incluíndo nós. Não existimos sem consciência; porque somos pessoas e estas são principalmente consciência. Quando se opera um doente anestesiado não se está a pensar na dor que o deonte está a sentir: porque ele está inconsciente da dor que lhe está a ser incutida. Mas será que as realidades da dor e do prazer são realidades para além do ser para si? Aparentemente, não - uma dor só existe na medida em que é sentida. Assim, há todo um mundo que para existir depende da consciência, embora não saibamos quantas partes do mundo assim sejam. Algumas? Todo?

Será que o eu é algo mais do que consciência de se ser consciente?

O eu é, essencialmente, ser para si, e tudo e nada mais do que isso é eu. Penso que a coisa mais interessante, o fenómeno, nesta vida é o ser para si, na medida em que se é ele mesmo para si ou outra coisa para si. O eu tem consciência de ser eu e não de ser outro. "Eu" quer dizer que eu sou igual a mim mesmo, juntando ao que já foi dito. Posso existir ainda que esteja inconsciente; isto se me identificar com um fenómeno que é exterior à minha consciência de mim. Mas o eu é indissociável da consciência de si; é o que é mais. Quando não há consciência de si não há eu? Não há eu para nós, e eu é sempre eu para nós, não havendo, portanto eu. Resta saber se, ao longo de uma vida, há momentos em que eu não existo. Parecem haver (talvez no sono profundo) e o interessante é verificar que é sempre o mesmo eu que reaparece: eu sou sempre eu e não outro. Falta também saber se, na verdade, estamos inconscientes de nós mesmos em estados de sono profundo ou mesmo em estados de concentração em fenómenos outros, o que parece ser verdade - a consciência de si parece aparecer e desaparecer em vários momentos. Mas deixamos de ser nós próprios nesses momentos?

Será que somos sempre nós próprios? A que se refere a palavra "nós" na pergunta? O que somos nós?

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