sábado, 2 de fevereiro de 2008
Oração
Que o senhor seja connosco.
A sua leira cultivada,
as candeias iluminando as noites
pelo mês de dezembro.
Que se renovem as suas tílias,
que repouse a sua fúria.
Os viajantes abeiram-se dos caminhos,
alimentam-se do fel
da sua nómada loucura.
Hão-de suster os equinócios,
quebrar os cristais de espuma
que se formam em cada lento alvorecer
atrás das giestas.
Falam das mil léguas que percorreram,
dos que vêm dos mares remotos
para adormecer finalmente
junto ao templo do senhor.
Cesse a oferenda dos povos,
o seu clamor.
Dai-nos os inspirados cálices da loucura.
Plantai as vossas catedrais no meio
dos nossos dias,
o vosso tear secreto.
Dai-nos hoje,
senhor,
um pouco do mosto
que fermenta nas vossas arcadas.
Dai-nos uma rosa,
um nome sobre o nosso nome,
certas cadências
como a respiração iluminada das aves.
Esfriai-nos as lágrimas,
o remorso,
a abrasadora mágoa das nossas mãos vazias.
Dai-nos o relâmpago,
a claridade de uma manhã em que as árvores
acordem tocadas de vertiginosas distâncias.
Dai-nos as mãos que rasgam a terra,
que redescobrem o rasto do tempo,
o ventre materno de lama e augúrio.
Onde estás e quem te vem anunciar?
Quem maneja a espada,
quem levanta o pó,
quem amadurece longe dos vossos desígnios?
Virás por essa estrada.
Tocarás a brisa com os teus dedos
levemente apagados,
como se dissessem:
Procura-me antes dos meus passos
porque depois deles já não estarei
e neles estou apenas de passagem.
Eis os instrumentos do teu labor.
Ao fundo soerguem-se os vultos dos sicómoros.
Comerei os seus frutos,
mais tarde,
depois da estação fria.
Um cisne move-se com a precisão de uma lâmina,
ou de uma foice na superfície lunar.
Dai-me a imobilidade imaculada do seu movimento,
um lugar para mergulhar as corolas e as leveduras
com que infundes a primavera.
Dai-me o sono,
o silêncio.
Não tenho protecção para a noite.
Vou assim,
o coração sem timbales,
os pés feridos.
Conheço apenas as tuas mãos,
as cisternas improváveis
como um favo da flor mais funda.
Chegou a hora do silêncio.
As palavras repousam agora nas margens,
são o sustento de uma ausência.
É por isso que vos peço,
dai-me o fogo tripartido do poema,
a sua fulguração.
Como se de chama em chama
a vossa face se tornasse mais habitável
para os sinos da manhã.
Como se ensinasse a juntar o silêncio,
peça a peça,
até se escutar o refrão do início do mundo,
ou essa argêntea fissura que perpassa
as palavras.
Talvez um poço
ou o voo circunscrito de uma toutinegra,
talvez as violáceas nas ramadas,
as túnicas bordadas pelas mulheres
junto às lareiras.
Resumem-se a isto os ciclos da fertilidade,
a estas quatro luas incendiadas.
Um cão corre pelas vinhas.
de Não te demores sobre o fogo
A sua leira cultivada,
as candeias iluminando as noites
pelo mês de dezembro.
Que se renovem as suas tílias,
que repouse a sua fúria.
Os viajantes abeiram-se dos caminhos,
alimentam-se do fel
da sua nómada loucura.
Hão-de suster os equinócios,
quebrar os cristais de espuma
que se formam em cada lento alvorecer
atrás das giestas.
Falam das mil léguas que percorreram,
dos que vêm dos mares remotos
para adormecer finalmente
junto ao templo do senhor.
Cesse a oferenda dos povos,
o seu clamor.
Dai-nos os inspirados cálices da loucura.
Plantai as vossas catedrais no meio
dos nossos dias,
o vosso tear secreto.
Dai-nos hoje,
senhor,
um pouco do mosto
que fermenta nas vossas arcadas.
Dai-nos uma rosa,
um nome sobre o nosso nome,
certas cadências
como a respiração iluminada das aves.
Esfriai-nos as lágrimas,
o remorso,
a abrasadora mágoa das nossas mãos vazias.
Dai-nos o relâmpago,
a claridade de uma manhã em que as árvores
acordem tocadas de vertiginosas distâncias.
Dai-nos as mãos que rasgam a terra,
que redescobrem o rasto do tempo,
o ventre materno de lama e augúrio.
Onde estás e quem te vem anunciar?
Quem maneja a espada,
quem levanta o pó,
quem amadurece longe dos vossos desígnios?
Virás por essa estrada.
Tocarás a brisa com os teus dedos
levemente apagados,
como se dissessem:
Procura-me antes dos meus passos
porque depois deles já não estarei
e neles estou apenas de passagem.
Eis os instrumentos do teu labor.
Ao fundo soerguem-se os vultos dos sicómoros.
Comerei os seus frutos,
mais tarde,
depois da estação fria.
Um cisne move-se com a precisão de uma lâmina,
ou de uma foice na superfície lunar.
Dai-me a imobilidade imaculada do seu movimento,
um lugar para mergulhar as corolas e as leveduras
com que infundes a primavera.
Dai-me o sono,
o silêncio.
Não tenho protecção para a noite.
Vou assim,
o coração sem timbales,
os pés feridos.
Conheço apenas as tuas mãos,
as cisternas improváveis
como um favo da flor mais funda.
Chegou a hora do silêncio.
As palavras repousam agora nas margens,
são o sustento de uma ausência.
É por isso que vos peço,
dai-me o fogo tripartido do poema,
a sua fulguração.
Como se de chama em chama
a vossa face se tornasse mais habitável
para os sinos da manhã.
Como se ensinasse a juntar o silêncio,
peça a peça,
até se escutar o refrão do início do mundo,
ou essa argêntea fissura que perpassa
as palavras.
Talvez um poço
ou o voo circunscrito de uma toutinegra,
talvez as violáceas nas ramadas,
as túnicas bordadas pelas mulheres
junto às lareiras.
Resumem-se a isto os ciclos da fertilidade,
a estas quatro luas incendiadas.
Um cão corre pelas vinhas.
de Não te demores sobre o fogo
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4 comentários:
Beautiful poem about Christian values and small town life. I like that.
God bless you, my son.
PS - I can see that some of the people in this blog are following my advice and accepting Jesus Christ as their Lord and Savior.
Belíssimo poema ! Saudações à palavra musical e inspirada, nimbada da graça da vida singela e profunda !
Maravilhoso! Quero mais!
António Ramos Rosa, Horizonte a Ocidente, escreveu:
"Algum anjo
terá chegado ao silêncio da terra
e estará ditando as suas sílabas translúcidas
ao imenso extravio
à memória do inaudito?"
O João já as tem na mão. Continue a escutá-las, em si, as palavras são menos sustento de ausência.
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