O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

oah

Só um instante
Nos tocava.
Um rigoroso instante
Com pomares de maçãs,
Rumores de navios
Distantes — vermelho o mar
A debruar
Os lábios, o estrume
Da chuva,
Teia de luz e penumbra
Suspensa da história de um abismo.

O que nos une é aquilo que se
Para.
Entre nós há frutos que tombam
Para cobrir o chão de noite.
Para calarem sobre lagos
Encantandos a voz das pedras
Noivas de nuvens e com dote.
Para que a sede nos devolva
A água.
Para selar os ecos onde vem o vento
(­Adulterino, o que não espanta)
Desdizer o desenho do passado; para
Pastar a paz antiga, húmida,
Sobre o solo diurno e transitório.

Um instante, só,
Nos separava.
E era a eternidade
Que o movia.

Entre tanto, sobre o chão,
A tua sombra calma respirava.

2 comentários:

Anónimo disse...

«Só um instante»...
E o eterno balido do mar
Entre uma vaga e outra
Murmura o nome
Que suspende o tempo
E o prende à sombra do dia.
Caminhas ainda encostado à luz
Presente nas palavras
Que atiras à distância...

O abismo curva-se
Nesse mesmo instante
Em que a ilha bem amada
Surge nos teus olhos nítida
Como um pedaço de céu
Oferecido em memória.

Só um instante
Te dará a paz
Que vai juntar
A sombra que ficou
À tua face límpida.

fas disse...

Belíssima resposta! Obrigado.