O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Discípulos

"Do que você precisa, acima de tudo, é de se não lembrar do que eu lhe disse; nunca pense por mim, pense sempre por você; […] Os meus conselhos devem servir para que você se lhes oponha. É possível que depois da oposição venha a pensar o mesmo que eu; mas nessa altura já o pensamento lhe pertence. São meus discípulos, se alguns tenho, os que estão contra mim; porque esses guardaram no fundo da alma a força que verdadeiramente me anima e que mais desejaria transmitir-lhes: a de se não conformarem" - Sete Cartas a um Jovem Filósofo [1945], in Textos e Ensaios Filosóficos I, p. 248.

14 comentários:

Anónimo disse...

Não vou comentar o seu post. Vou-lhe propor um desafio. Diga-me se a sua compreensão do diálogo entre mestre e discípulo é a que se transcreve:«Escuta! Um dia Ma tsu estava de caminho para algum lugar acompanhado de Pai Chang, quando viram de súbito um pato selvagem que passava por cima deles. Ma perguntou: «O que é?» e Pai respondeu: «Um pato selvagem». Ma: «aonde voa?». Pai: «já abalou!». Ao ouvir isto, Ma agarrou no nariz de Pai Chang e torceu-o violentamente. Pai gritou de dor: «Ai!». Ma disse então: «Como podes dizer que o pato selvagem abalou?
(Izutsu, T., El Kôan Zen, p. 87.)
Trad. L.T.
«O jovem Pai Chang levanta os olhos para o pato selvagem que se afasta. O pato selvagem existe enquato objecto independente de Pai Chang que o observa. A seus olhos, é como se o pássaro existisse por si mesmo, como se se tratasse duma ave autónoma que voasse e desaparecesse no horizonte. Só quando lhe agarram no nariz e o torcem, se dá conta de repente que o pato selvagem não é um "objecto" que existe independentemente da actividade do seu espírito e que, pelo contrário, o pássaro está todavia ali, com ele; ou melhor, que é o seu próprio ser. O Campo inteiro, englobando ao mesmo tempo ele próprio e a ave, ganha vida e revela-se a seus olhos em toda a sua nudez. Diz-se que Pai Chang conheceu então a iluminação.»

Paulo Borges disse...

Quem é que nos torcerá os narizes !?...

Anónimo disse...

eu não sei se percebi (os meus caracóis não dão para muito) mas acho que um mestre (alás, essa palavra é tão pesada, que é dificil carregá-la ou ver alguém a carregar) pode torcer o nariz do discipulo, mas nao é esse o acto da revelação, por mais magnifica que seja. Acho que Agostinho queria dizer o contrário - queria que o Pai Chang torcesse o nariz ao Ma Tsu e dissesse: Mestre Cego, porque não consegues ver a terrivel distancia entre nós?

Paulo Borges disse...

É verdade: o Agostinho não está a falar neste sentido, mas a mim apeteceu-me que me torcessem o nariz nesse sentido !...

Isabel Santiago disse...

Ma Tsu era o pato selvagem e não queria afastar-se do Mestre. Pensar contra o Pai Chang não é querer afastar-se. Mas não se pensa gratuitamente contra os outros. Pensa-se contra, mas com. E só se pensa contra, para se ver mais e melhor. Para haver iluminação. Um e outro, mestre e discípulo, se o são, são animados pela mesma força, Agostinho diz isso. E um e outro são as duas coisas...Platão é discípulo e mestre...O verdadeiro Mestre quer que todo o discípulo seja pato selvagem...abale. Só depois percebe que são o mesmo, e não dois. Que há vozes fora de nós que são como a voz de dentro, o próprio pensamento, o amigo intimíssimo. Que belo desafio este!

Anónimo disse...

fabuloso excerto. o meu professor dumas de filosofia, há já muitos anos, gostava de repetir que um dos piores males humanos é: pensar pela garganta dos outros. e graças a ele, tenho tentado ao longo da vida pensar pela minha própria garganta. cumprimentos.

(estou na nova águia)

Anónimo disse...

Obscuro ignorante, mas não ignorado, agradece as respostas ao desafio. Permitam-me preferir, porque é a que me parece aproximar-se da ideia da "talqualeidade" zen é a de Paulo Borges. Pois, na minha opinião, o excerto reflecte a inexistência de tempo - passado e futuro não têm qualquer importância, só o instante é real e irrepetível, quando sabemos ver ou sentir. E isso foi provocado pelo apertar do nariz. Lembremos Caeiro. Relaciono o excerto com a visão da realidade de Caeiro. Com ou sem filosofia.

Mas cá vai outro desafio, muito mais fácil de comentar:
Um homem índio diz: - Tenho dentro de mim dois lobos, um bom e um mau.Passam o tempo em lutas e combates. O seu interlocutar perguntou: - E quem é que ganha?
- Aquele que eu alimentar - responde o índio.

Anónimo disse...

Sem querer insistir neste jogo de desafios ao nosso pensamento. Ainda este desafio que até para o "obscuro" permanece obscuro, desde que o li. Aqui vai:Perante um hipócrita sabido e com um grande coeficiente de inteligência...
O hipócrita sabido: «Então, está tudo bem?»
R: «Um bocadinho.»
H.S.: «Mau; então e o resto?»
R: «O resto é sempre um bocadinho.»
H.S.: «Afinal está tudo bem, porque o bocadinho é tudo.»
R: «Não. Um bocadinho...»

Outra versão:
O sabido: «Então, está tudo bem?»
R: «Um bocadinho.»
S.: «Mau; então e o resto?»
R: «O resto é sempre um bocadinho.»
S.: «Bom, então, afinal está tudo ou quase tudo bem, porque só falta um bocadinho.»
R: «Não...um bocadinho...»
Permanece enigmático. Aqui é que o meu cabelo liso não acusa nada. Agradeço uma luz...

Anónimo disse...

Paulo,

relativamente ao seu post atrevo-me apenas a dizer-lhe que a simples aceitação não é sinónimo de aquisição. é necessária a inquietação pois todo o Homem é, à partida uma torre de alicerces estruturados que apenas sustêm aquilo para que realmente estão preparados. o Mestre sabe que, para se acrescentar um novo nível à torre, é necessária uma profunda revolução ao nível desses mesmos alicerces e que quase sempre se inicia com a não aceitação, com a contestação.

o que não se aceita? o que se contesta?

o ter que admitir que, quando pensávamos que apenas nos faltava o telhado, temos de voltar a construir tudo de novo desde a raiz.

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Obscuro,

o seu desafio do pato é interessante. ocorre-me que tudo É sem na verdade o Ser e, ainda assim, não sendo é quando na verdade o É.


quanto ao seu segundo desafio, um bocadinho é sempre o tudo. a única variável é o instante.



uma boa noite para todos.

Anónimo disse...

O MESTRE PERFEITO


Certo homem decidiu que buscaria o mestre perfeito.
Leu muitos livros, visitou sábios e mais sábios, escutou discursos e praticou incansavelmente, mas sempre se sentia inseguro e cheio de dúvidas.
Após vinte anos conheceu um homem no qual cada palavra e ação correspondia a sua idéia do homem completamente realizado.
O viajante não perdeu tempo.
- Você me parece o mestre perfeito - lhe disse. - Se você o é, minha viajem acabou.
- Certamente dizem que o sou - respondeu o mestre.
- Então, o suplico que me aceite como discípulo.
- Isso não o posso fazer - disse o mestre -, porque enquanto você deseja o mestre perfeito, este, por sua vez , só aceita ao discípulo perfeito.

Anónimo disse...

«(...)aquilo que lhe pertence está já atrás dele (...)»

«O conceito metafísico de Vacuidade pode traduzir-se em termos de economia por pobreza; ser pobre, nada possuir: «Felizes os pobres de espírito.» Eckhart dá a seguinte definição: « É um homem pobre aquele que não tem necessidade de nada, que nada sabe e que nada tem» (cg. Blakney, p.227).
Não é claro?

Anónimo disse...

É claro, por ser obscuro !...

Anónimo disse...

Claro, obrigado pela tua clarividência. Continuamos a jogar com as palavras!

Anónimo disse...

Não podem ser 13, não podem ser 13... Não costumam ser 12?