O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


domingo, 3 de fevereiro de 2008

Da Saudade entre dois rios

A fera amansarei, o duro seixo
Ousarei abrandar, farei que fale!

Frei Agostinho da Cruz

“O Poeta, quando é um Santo, como Frei Agostinho e S. Francisco, deslumbra todas as cousas: os bichos, as pedras e as estrelas. (…)
Levantava-se cedo. Ia ouvir missa á capela da Senhora da Memoria. Tomava depois uma refeição de fructos e legumes. E ei-lo sósinho divagando pelos ermos. Ou reza, ou se fica num grande silencio precursor de musicas divinas;
(…)
A poesia de Frei Agostinho vem do Alto. É uma descida de Deus á sua alma.
(…)
É a força da Saudade, creando vida e afogando o sol nas suas lágrimas:

Aparta-se de vós, desaparece,
Aguas do mar azul, o sol doirado
Ou com meu triste pranto se escurece…
ou exprimindo a imensa suavidade do puro amor que espiritualisa quem o dá e quem o recebe. O amor lusíada atinge, n’este Poeta, a sua expressão etérea e virginal. É o amor liberto de todas as impurezas materiaes, como um cristal lapidado até á intima luz da sua transparencia:”
Amor cria brandura na dureza
E converte a tristeza em alegria,
A noite escura em dia fresco e claro,
Amor é meu amparo e meu descanso;
Amor é brando, manso e piedoso,
Suave e saudoso, doce e puro…

Teixeira de Pascoaes, OS POETAS LUSIADAS, Tipogr. Costa Carregal, Porto 1919, pp. 160-162

2 comentários:

Isabel Santiago disse...

E, também o que ele sabe e escreve do amor:
"Que divindade o crepúsculo dos teus olhos! E o ar sobrenatural e longínquo do teu rosto! E a tua sombra que era um lírio negro a desfolhar-se no chão! E o teu sorriso, esse fio de luz que te prendia às estrelas e mal te deixava pousar os pés na terra...
A mulher impecável é um ser divino...Os anjos velam-lhe o sono durante a noite. São perfis de luar erguidos em volta do seu leito..." in, Bailado, p.100
e de forma ainda mais clara, muito mais clara ainda do que em Platão:
"Há almas que, ao cruzarem numa estrada, se chocam como dois astros; e cada um deles se desfaz em poeiradas cintilantes que se misturam e são uma nova estrela..."op.cit.81
Só por um amor assim se espera e se é esperado. Que bom que nos lembrem o que é belo na poesia, na poesia portuguesa e na vida!

luizaDunas disse...

Que apaixonante... ler tão belas demonstrações de Amor.