O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


terça-feira, 18 de novembro de 2008

A máscara tem por dentro da cegueira uma fonte de lágrimas. Uma câmara escura. Dentro dessa membrana, película fina que se rompe quando os sinos se calam, há um filme de sequências de imagens a rodar. É uma câmara de memória, a gravar a vida. Quando deixamos a máscara na paisagem, e vamos visitar outros lugares, um duplo se desprende da vida que em imagens nos acompanha, e são dois os rios que correm ao mesmo tempo em cada lugar. A câmara da memória é dupla e o grito, um buraco fundo para onde atiramos o que se desprende dos pântanos e dos lagos. A nossa mesma morte a boiar na corrente das lágrimas. O sorriso é o negativo da tragédia a querer subir da terra, a aparecer na imagem. Cortado, o nosso rosto-máscara é uma Veneza com lágrimas, um Arlequim axadrezado e só, por entre os restos do baile. Um tabuleiro lento de um xadrez impotente, jogado em silêncio com a morte. Arrefecemos muito antes de morrer. A face é uma ausência de luz, um buraco negro a implodir. Uma câmara-escura a revelar imagens de um cortejo onde somos o morto. E a essa visão, o duplo disfarce parece acordar no disparo da luz penetrante que percorre todo o caminho de regresso. Acordamos na nudez da luz, intactos. O que ficou com a máscara que deixámos, atravessou os mundos da Origem. Essa luz fria que atravessámos, essa sombra luminosa, é que nos faz acordar e caminhar acompanhados por muito mais seres do que os que julgamos ver. Na realidade, não há morte, nem vida, nem duas margens para segurar o rio. Vida e morte transbordam de tudo o que é e de tudo o que não é. Nunca atrevassamos o rio. Somos atravessados por ele. Somos Amor.

35 comentários:

platero disse...

sementeira de sugestões para um bom trabalho de fotógrafo:

-máscara na paisagem
- câmara da memória
- Rio
- 2 margens para segurar o Rio
- luz fria

rica lavra de palavras

Anónimo disse...

sou sincero não percebi puto do que se escrveu...

Anónimo disse...

Às vezes me pergunto se isto é um blogue de maniaco-depressivos, de suicidas ou de aspirantes a literatos que combinam as duas características ... Muito se cultua a morte por aqui ... Quem será o primeiro a dar um tiro na mioleira ou a se pendurar na corda nalgum momento de vulnerabilidade? Isto tendo tendo em conta o quanto se acha aqui que a morte é bela.

Será que os outros colaboradores vão achar isso sublime e escrever loas à beleza da morte, tendo em conta a natureza trágica e patética do que aconteceu?

E a vida, meus amigos? Não há tantas razões para celebrar? Não há em cada momento desta vida carnal ocasiões para libertação que nos passam ao lado pois somos cegos de espírito e nos julgamos demasiado importantes, puros e superiores para apreciar o que de mais autêntico e profundo existe na condição humana?

Lá no fundo julgamo-nos uns "uebermensch" e por isso ansiamos insconscientemente pela morte libertadora que nos livre de todo o cheiro a sovaco, a pum e a chulé e nos leve para algum mítico "reino dos céus" em que estejamos entre iguais?

Já estiveram numa morgue? Numa sala de urgências num Domingo de madrugada ou numa Quarta-feira de cinzas?

Já viram alguém a morrer? A esvair-se em sangue no vosso colo? A morrer a chorar com pena do que deixa? Das pessoas que é forçado a abandonar? De tudo o que não realizou? Já viram isso, já?

Já alguma vez leram cartas de quem cumpriu penas no corredor da morte nos EUA e depois foi executado na cadeira eléctrica ou com a injecção letal? Já viram o filme "a ultima caminhada" (Dead Man Walking) ou aquele baseado no Stephen King em que se dá uma imagem bem realista e lúgrube do que é fritar uma pessoa na cadeira eléctrica? Acham isso belo, meus amigos, acham?

Ah, claro, nada disso interessa, tudo isso é futil, pois essa pessoa ainda não atingiu "a libertação" e toda a dor, todo o sofrimento, toda a perda é apenas "uma rosa que se abre" ... Haja paciência ...

Será que este texto não passa de mera "pose"?

Ou melhor, de entretém de quem não sabe o que fazer com o enorme tempo livre que tem nas mãos?

vieira calado disse...

Ler Fernando Pessoa é sempre um desassossego.

Ele sempre diz o que ninguém diz.

E como o diz!


Cumprimentos

Anónimo disse...

As visceras, elas também existem e também somos...

nas asas de um anjo disse...

confesso q houve excertos com os quais não concordo, plenamente mas sem dúvida alguma q este, é fenomenal e subscrevo-o:

"Vida e morte transbordam de tudo o que é e de tudo o que não é. Nunca atrevassamos o rio. Somos atravessados por ele. Somos Amor"

parabéns!

nas asas de um anjo disse...

mt pertinente o comentário do sobrevivente...

(não que me tenha assente algum "barrete")

Anónimo disse...

É verdade que este blogue anda cheio de anjinhos desincarnados, mas o sobrevivente no fundo é um moralista a fazer juízos completamente infundados que só mostram os seus próprios sentimentos de culpa. Nunca se pode julgar a literatura a partir do suposto da realidade e da pretensão de a conhecermos melhor que os outros. E sobretudo partir daí para acusações como estas. Parece um neo-realismo inquisitorial!...

Anónimo disse...

Se estes anjinhos fossem comestíveis, bem que trincava um!... Como aperitivo para um demónio, prato mais substancial. Chamo-lhes um figo.

Mas é verdade que este blog anda muito azul bébé, só beijinhos, florinhas e parabéns com umas lagriminhas pelo meio, para não ser demasiado insosso... Depois vem o sobrevivente e enche tudo de sal grosso.

Eu rio e continuo a devorar as raízes do mundo. Um dia acordam e foi tudo ao fundo.

nas asas de um anjo disse...

?????????????????????????????????

loki disse...
Se estes anjinhos fossem comestíveis, bem que trincava um!... Como aperitivo para um demónio, prato mais substancial. Chamo-lhes um figo.

RESPEITO É BOM!!!

Anónimo disse...

nem aqui tenho sossego, sobrevivente? Isto não é um lamento... eu até gosto de ti! Muito. Mas de loki, também! Ups... lá se vai mais um anjinho...

Anónimo disse...

Não te irrites, anjo, senão as asas pegam fogo e ou te convertes em demónio ou te precipitas na terra!...

Leva-te e leva isto tudo menos a sério.

nas asas de um anjo disse...

heheh nem uma coisa nem outra, joão.

td bem.

obrig.

Anónimo disse...

Ó Loki, não te rales muito com o azul-bebé, os beijos, as flores e a literatura! O importante é que haja espaço e o puro gozo de nos lavarmos todos no mesmo rio. Se a maioria não é do "sal grosso" e consegue conceber a morte com a leveza dançarina de uma folha que de uma árvore se desprende, é porque a vida deles não é aquele inferno! Mas se não gostas do azul, faz como eu, vai para outros bloques onde haja mais espaço para o vermelho, a cor do pecado! Depois vem relaxar neste. Um aspecto que não se encontra nestes outros blogues mais carregados, é este virtuosismo que alguns aqui gratuitamente exibem na palavra escrita e até um entusiasmo que por vezes se sente, em dar o melhor. "Mas não se pode ter tudo!" E é por tudo ser potencialmente total, mas manifestamente parcial, que um "gajo" acaba sempre por ter dois amores! Gostei do texto da Saudade e do Futuro, mas também apreciei a deixa do Sobrevivente! Um comentário espetado, mesmo a rasgar. Um pedregulho no oceano calmo! É o outro lado da Lua. Quanto à Gárgula… já sabes que eu te amo.

Anónimo disse...

Ó Anónimo, porque não trazes tu o vermelho e o pecado para este blog, que bem precisa!?

Anónimo disse...

Ó sobrevivente, e tu percebes que não sobrevives a nada e que estás a morrer, neste preciso instante e desde que nasceste!?

Anónimo disse...

Anónimo,
Há os que têm virtuosismo na escrita, há outros que se entusiasmam com o virtuosismo da imagem e com ela se desfazem. Quanta à Gárgula, acho que já sabes a resposta. Mas o vermelho fica-te bem. Muito bem.

P.S. Nós que somos muito angelicais, gostamos do vermelho. O vermelho também nos fica bem.

Anónimo disse...

Saudades,
Ainda bem que és uma das virtuosas da escrita. Bem haja pelo teu entusiasmo com as palavras.

Anónimo disse...

Women in Red, não percebo a referência à Gárgula, mas decerto que o vermelho te fica muito bem...

Anónimo disse...

Com o tempo percebes...

Anónimo disse...

Também te amo. Bem haja pelo virtuosismo na escrita. Mas no teu caso, creio que deves esquecer o vermelho. Talvez agora não percebas, mas um dia irás perceber o que te quero dizer.

Anónimo disse...

Este último comentário era para a Rita Cardoso! Mas claro, inspirado em ti! Um dia até a noite branca perceberemos...

Anónimo disse...

Pois, se calhar vamos esquecer... O Vermelho.
As Damas de Vermelho agradecem a tua sinceridade, Anónimo. Também te amamos.

Anónimo disse...

Eh, pá... vocês entendam-se. Já nem vejo bem...

Anónimo disse...

Até me esqueci de si, Saudades do Futuro!
Gostei muito do texto.
Abraço.

Anónimo disse...

Ó Anónimo, para a Rita?! Então conversa com ela lá em cima...
Seja como for, agradecemos ser fonte de inspiração.

Anónimo disse...

Já vos digo que é longo... Então, eram só vocês a falar? a julgar...Hã? e eu, eu não existo... (estou a brincar)
Não sei se a resposta cabe no infinito corpo da serpente...

Vou respondendo...

A morte e a vida, meus caros amigos, são assunto, como sabemos, da esfera da beleza e da grandiosidade. Atrever-me-ia a dizer que são do domínio do mistério, da religiosidade e do sagrado. A primeira, já o disse em textos anteriores, é do âmbito da tragédia. É essa a razão da máscara, não outra. Por isso mesmo, as palavras para ela, ou são o silêncio, a máscara-muda, ou são proferidas pela boca de uma máscara, em palavras-coro que transportam um morto que fala. Esse morto também somos nós, os vivos e os mortos-vivos. Sabemos também que o sofrimento dos vivos lhe está absolutamente ligado. E não sei como dizer que o sofrimento não seja belo, e grandioso, e elevado e purificador. Falamos ainda de tragédia, da representação da morte e da vida. Mas a morte também não é literatura. Se a fosse, o mais adequado género para a representarmos, seria a tragédia. Não nos lançamos, pois, nela, pelo existencialismo heróico, desafiador da lei que a ela pretende sobrepor-se, nem a condimentamos com a intensidade de cheiros despertadores de sentidos e sentimentos que agitam, e de que nada lhe servem. Nem em termos mais ou menos moralizantes devemos dela falar. Isso é ainda vida. Mas celebrar a vida é também celebrar a morte. Elas não são realidades separadas. Não temamos pois falar delas em termos simbólicos, ainda que tenha sido trazida aqui, por acontecimentos realmente acontecidos. A comédia é que não se lhe ajusta tão bem. Porém, não me choca que sejam convocados para aqui temas abjectos, piadas e “golpes” mais ou menos certeiros, uma vez mais despertadores de paixões e ruídos. Isso é ainda vida. Celebrêmo-la pois, colorida, de todas as cores que a paleta dos sentidos oferece, vibrante. A morte não é um tema interdito, como não é nenhum que à humanidade se refira. É preciso dizê-lo.
Se a celebro com a alma que tenho, com as palavras da virtude de as sentir em linguagem mais ou menos cifrada, mais ou menos simbólica, mais ou menos aborrecida, para alguns, não tenho que pedir que me desculpem por isso. Quem não entende... Se o “céu” com que as visto é motivo de vertigem ou de enjoo para alguns, o que havemos de fazer. Há tantas outras maneiras de se ser...
Respeito a vida e a morte. Não aspiro a morrer antes do tempo, pois isso é do domínio do destino e da lei, quanto a isso nada podemos fazer. Não tenho o direito de pedir que cantem a minha morte, quando o barqueiro me vier buscar. (Não tenho preferências, para quando não precisar de as ter).
A morte vive comigo sem complexos. Não me chocam as palavras condimentadas ou os excessos de qualquer tipo, embora prefira não fazer delas uso, e me permita preferir menos ruído.
Não tenho tempo livre. Não tenho tempo. Permito-me usar o tempo para aquilo que realmente importa.

Não há virtuosismo no que escrevo, nem sombra dele. Prefiro uma linguagem simples, pouco cuidada, como já têm reparado, mas atenta e permeável ao que a vida e vós todos entendem trazer-me à fala. Não sei o que é “pose”. A alma com que escrevo não espera nada. Não tenho nada. Sou nada. Na morte serei nada.

Um abraço a todos, gostei dos vossos comentários. Espero não ter ofendido ninguém. Não gosto de o fazer.

Anónimo disse...

O que me excita em ti Woman in red é a tua capacidade para perceberes desde logo que eu estava a mentir! Aquele outro aspecto de não falar lá em cima com a Rita foi mesmo um engano técnico!

Quando utilizo o termo "virtuosismo" Saudade, agora mais sinceramente que o amor que vos tenho, é com apreço por muitos dos textos que por aqui passam mesmo que não sejam da minha cor.

Anónimo disse...

Belo. Muito belo, Saudades!
Obrigada por "existires"...
Abraço

rmf disse...

"A morte vive comigo sem complexos"

Saudades, é um bom título não é?
Muito... coerente, acho que acertei na palavra.

Ehehe... a culpa é do Platero que bem levou todos a descobrir que o verdadeiro tesouro está enterrado! E as inflorescências que da terra brotam, foram há muito semeadas...

E agora diria eu, Saudades, bela lavra de palavras! Acabaste por comprovar que esse tesouro existe. Não é por acaso que dele brotou uma flor, o teu pensar; que muito nos celebra.

Bom, tenho que ir trabalhar...

Como diria o Outro, Limpo as mãos Mário... mais não faço que obedecer. É deliciosa a alegria de morrer

A todos,
sem excepção,
continuação!

Aquele abraço especial, às máscaras! Aos Eus! Aos Outros! Às Quimeras!

Anónimo disse...

Haja paciência ...

E haja honestidade para assumir o quanto aqui predomina o pensamento de rebanho. Alguém com um pouco de ascendência sobre os outros diz alguma coisa e todos correm atrás para dar palmadinhas nas costas ...

É triste verificar que aqui se valoriza mais o virtuosismo da palavra, que pouco mais faz que cultivar vaidades, do que um verdadeiro despredimento do ego, que é suposto ser o verdadeiro propósito deste blogue.

Anónimo disse...

Um blog para desprendimento do ego!?... Pelos vistos não sobrevives à ingenuidade.

rmf disse...

Alguem com um pouco de ascendência sobre os outros... Obrigado! Mas, não é para mim. Não pode ser para mim. Não, mas... o que é dizer que... pois, lá está! Agora me lembro! Ora então, hummm... Ah!! Já sei! Pois. Então é assim... Quando (não é quando)... Não pode ser quando. Ora bem, ontem... Então não é que... Ah! Já sei! Pois agora me lembro, foi quando (não pode ser quando)... Ora bem, ontem... Não é ontem... Foi quando registei palavras de mil pensamentos sem nexo... E sentir-se desprezado é algo que há muito se sedimentou - por entre palavras e papéis de arrumo - nas gavetas de ontem. Ontem? Quando?

E dez anos mais velho esperava os setenta, não que quiser ter cinquenta e três, chegavam-me 47... Para quê ter 35? Hoje, tenho 26 anos.
Mas, sempre houve ontem. Quando? Quando a vida lhe acabou. E o que importa das palavras? Afinal o que importa? Construção lenta ou rápida desconstrução? Pois afinal me lembro... tenho que me ir deitar... Quando? Agora.

Anónimo disse...

Boa noite, Vergílio!
Quero dizer: Bom dia!

Sorriso

Anónimo disse...

boa coisa isso e, o amor.