O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


domingo, 30 de novembro de 2008

"Amanhã, a estas horas, onde estarei" / "Dá-me os óculos..." - derradeiras palavras de Fernando Pessoa, que partiu em 30 de Novembro de 1935

"Acontece-me às vezes, e sempre que acontece é quase de repente, surgir-me no meio das sensações um cansaço tão terrível da vida que não há sequer hipótese de acto com que dominá-lo. Para o remediar o suicídio parece incerto, a morte, mesmo suposta a inconsciência, ainda pouco. É um cansaço que ambiciona, não o deixar de existir - o que pode ser ou pode não ser possível - , mas uma coisa muito mais horrorosa e profunda, o deixar de sequer ter existido, o que não há maneira de poder ser.

[...] o facto é que me creio o primeiro a entregar a palavras o absurdo sinistro desta sensação sem remédio"

- Bernardo Soares, Livro do Desassossego.

4 comentários:

Paulo Borges disse...

"Dá-me os óculos..." - Palavras terríveis! Será que ele não viu o essencial, aquilo que refere na cultura indiana e que omiti neste excerto, que em absoluto nunca chegámos a existir, que não existimos nem não existimos e que estamos bem-aventuradamente livres disso!?...

Anónimo disse...

Paulo,

Ocorre-me em pensamento e em desassossegado gesto, a vã reflexão:
"Porque os homens só aprendem para
uso dos seus bisavós, que já morreram. Só aos mortos sabemos
ensinar as verdadeiras regras de viver.(...)"

Um abraço saudoso

Paulo Borges disse...

Saudades, posso saber como entende esta reflexão?

Um Abraço não menos saudoso

Anónimo disse...

Caro Paulo,

Ainda bem que me faz essa pergunta. Ajuda-me a mim mesma a compreender.O que quero reflectir é que, no seguimento do pensamento desse anónimo guarda-livros, os seus análogos do tempo futuro, sentirão ainda, e do mesmo modo, essa funda incompreensão e também eles, incompreendedores. O que eu quero dizer é que, na estética do desalento, nesse estado de alma, tardará o Encoberto, porque o não se espera.
Mas Pessoa, como sabemos, viu mais longe do que esse funcionário ensimesmado e terrivelmente lúcido, nas suas divagações. O homem que pede os óculos na hora da sua morte não é só esse, sendo mais funda e alta a sua viagem.
Será sempre bom lembrá-lo.