O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


sábado, 15 de novembro de 2008

Dança(s) com o Vento *

Há um qualquer lugar, que em viva memória existe, onde perdemos peso. São momentos-penas, asas soltas que resistem à gravidade pesada do olhar. Voos – dizias – enquanto buscavas as palavras leves de dentro de uma caixa fechada. O que fazemos nós, os que temos a boca fechada, com essas palavras-pássaro, senão devolvê-las ao espaço sem dimensão de uma invenção superior? Nada podemos fazer com essas palavras atordoadas de pleno vazio. E se traçarmos – repetias - círculos concêntricos até ao infinito, para ver até onde se ouve o eco dessas palavras? Porque as não seguimos até não podermos dizer se elas se elevam no ar ou se caem no chão, mais além? Quem sabe se as engole a terra, abrindo em espiral, até ao avesso do céu? Até ao vazio de tudo o que, sem gravidade continua a girar por toda a eternidade... O que veriam então os nossos olhos, nessa superfície de tão rarefeito ar? “Também há beleza nos cavalos alados!” Continuava sem perceber se eles se suspendiam no ar ou se faziam mover, nas suas asas, as infintas direcções do vento. E eu não encontrava o modo para te dizer do frémito das crinas e dos zéfiros em corrida pelas páginas do livro de imagens que, como num filme rápido e sem legendas, nos atira, palavras sem cor, para o peito largo e triunfante do silêncio... E, continuavas tu, “Os Flamingos, sim, são criaturas da mesma intensidade silenciosa dos bosques iluminados”. Deixo caír um monte de palavras sobre as águas, e o nevoeiro cai sobre as letras e o choro silencioso dos navios. Palavras a perder altura, a ganhar peso. Havemos de construir um veleiro com as penas e as coisas desse lugar. Desse lugar de onde avistamos clareiras, e fontes, e rios dançantes, e bailarinas voando e cantando a oração dos flamingos sobre o rio do pensamento. “Se pudesses dançar como eu”, dizia a bailarina ao vento. E desapareceu no ar puxada pelas invisíveis cordas do momento.
*O título foi sugerido do outro lado. Grata ao leitor(a)

16 comentários:

Anónimo disse...

Estou suspensa. Talvez no fio invisível da direcção e do vento.

E ela disse, de si para si baixinho, o que não passou nas palavras e nas tiradas longas, ela que é logomaníaca:

sinto que me trespassam com um olhar fundo e trazem nas palavras com que me respondem a raíz da árvore de onde sou. Cheiro o meu húmus e sinto o chão e, no entanto, sou do ar e do mar. Tenho asas de um veleiro, ou sou um veleiro com asas...não sei o que sou, mas sei o que sou por aí, por dentro desse olhar que nunca me viu e sabe onde subo e danço.

Depois ela continuou a dissertar numa língua estranha e a Saudades começou a escrever. Que bem que a Saudade escreve nas mãos da Saudades...
Uma gratidão em fim abre uma paisagem continuada da mãe até ti.

fas disse...

Belo texto. Há frases, desde a primeira, que nos deixam a pensar. Quase preferíamos que ficassem no ar sozinhas por mais tempo, que houvesse mais silêncio entre elas. Até à última.

Anónimo disse...

Um texto belíssimo num sítio pleno, sereno e fascinante...parabéns por tudo o que o rodeia!

Gisela Ramos Rosa

nas asas de um anjo disse...

adorei, é profundo e reflexivo!

especialmente este excerto:

«“Se pudesses dançar como eu”, dizia a bailarina ao vento. E desapareceu no ar puxada pelas invisíveis cordas do momento. »

Paulo Feitais disse...

Saudades...
Tenho poucas palavras.
Fugiram do pombal dos meus sonhos.
Talvez tragam mensagens de além quando a noite as fizer regressar.
Quem sabe?
:)

Semente disse...

Esta noite vou dançar no 'meu' Mar!

O vento vai embalar as ondas e eu vou deslizar por entre elas e vou bailar entre as correntes e os remoínhos.

O meu sonho azul vai ser dedicado a ti, minha querida Saudades!

Como é bom ler-te!

Deixo gotinhas de mar salgado e abraço-te daqui*

Anónimo disse...

Já ouviram falar das dakinis, as dançarinas do espaço?

Anónimo disse...

Sou toda ouvidos ... Queres explicar?

Anónimo disse...

Isabel,

Agradeço o que do outro lado deixou e que me deixou muda. Máscara-muda.
Na língua estranha há muito mais do que palavras. Escadas e corredores onde as palavras não passam. Talvez só as almas que vibram a mesma sinfonia num mesmo momento possam seguir no "fio invisível da direcção do vento".
Uma mão estendida até ti.

Soantes,

São as palavras sem peso suspensas no silêncio...
És tu a caminhar e a dançar. E sou eu que estou contigo, porque a tua voz me é cantiga, amigo... Também já demos desajeitados pontapés pontapés na lua...
Um abraço e a minha gratidão pelo comentário.

Gisela Ramos Rosa,

Só de ouvir esse nome, as cordas da poesia tremem, levantam-se no ar poeiras de pratas, notas vibrantíssimas de tanta poesia, como as que vibram no seu espaço.

Grata.

Nas asas de um anjo,

Vamos caminhando juntos...

Paulo Feitas,

As palavras regressam sempre à boca dos poetas. Não há nada a fazer... elas regressam sempre.

Obrigada.

Sereia,

Sei que os movimentos da sereia são bailado no espaço azul, mergulham em águas fundas, mas reaparecem à superfície iluminadas e iluminantes.
É o que sinto, quando se aproxima. Muita frescura e sabor a sal.

Vento,

O vento que gira em todas as direcções e sabe histórias que conta à Aurora e à Menina dos Pássaros também encontra e abraça os quatro braços do espaço indireccionado.

Dançarina do céu,

Escutemos, o que diz o vento ao tempo, dançarina do céu...

Grata pelos comentários,

Saudades.

Anónimo disse...

As dakinis falam uma língua que os humanos não compreendem... Mas esvoaçam dentro do coração, nos instantes em que nos distraímos de ser.

nas asas de um anjo disse...

q maravilha saber disso, vento

Anónimo disse...

Grata a ambos: Saudades do Futuro e Vento.

Abraço-vos

nas asas de um anjo disse...

vento, q leitura fidedigna aconselhas sobre as dakinis? (acho q vou escrever algo sobre elas, inspiram e são inspiradoras)

Anónimo disse...

Experimenta "Dakini's Warm Breath: The Feminine Principle in Tibetan Buddhism", de Judith Simmer-Brown. E depois, mais denso: "Sky Dancer: The Secret Life & Songs of the Lady Yeshe Tsogyel", de Keith Dowman. E cuidado com os efeitos!...

Anónimo disse...

" (...)

- O vínculo é forte!
- Deixa o fogo queimar!
- Estamos a arder juntos.”

Obrigada Vento pelas dicas de leitura.

nas asas de um anjo disse...

obrgda, vento, vou anotar para + tarde...dançar!rs