O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Será a mente?

O comentador "ó nuno" comentou que tenho tendência para entupir o blogue com posts atrás de posts. Isso não deixa de ser verdade mas, como tudo, tem uma razão de ser: faço-o porque me surgem ideias repentinas sobre os mais variados assuntos - ultimamente sobre a mente, vida eterna, etc. - que escrevo mas que, rapidamente, se tornam obsoletas, tentando então ultrapassá-las com novas ideias, palavras, que surgem.

Penso que há um desafio, que foi lançado, neste blogue, que nos desafia a tentar dizer o que é a mente, esse objecto não identificado. E isto nem passa por ser verdade, porque se há objecto identificado é a mente, pelo menos imaginado, que, supostamente, é o conjunto de todos os estados e operações mentais que uma pessoa tem: percepções, sentimentos, memórias, raciocínios, desejos, e toda uma vasta série de processos que ocorrem através da mente, mas não sabemos se devido à mente.

É tida como algo incorpóreo que até pode ser considerado como emergindo do corpo, ou tendo alguma relação com o corpo, na medida em que onde há estados e operações mentais, há operações corpóreas, como estar no estado mental que existe quando é libertada adrenalina no corpo.

Será a mente mais do que aqueles respectivos estados e operações, como estar a lembrar ou estar a raciocionar, ou é o que eles são? Mas o que são eles? Onde é que existem; por exemplo, onde é que existe aquilo que é, para mim, minha memória, minha imaginação, meu desejo, e assim por diante? Onde é que existe o ser para mim? Na consciência, sem dúvida mas, então, perguntemos o que é a consciência e qual a sua natureza (se é corpórea, se é uma propriedade, se uma substância, se eterna ou não eterna...).

Parece-me, primeiro e talvez em último, que não é eterna, porque eu não me lembro de todo o passado. Ou será que me lembro do meu eterno passado? Há, ao fundo, uma indefinição que, provavelmente, é a não existência ou, mesmo, a existência num estado de indefinição, caótico ou, mesmo, num estado de nada, o que seria um estado de inconsciência e, por isso, não estaríamos a falar de consciência mas de algo que é e não é consciência, em momentos diferentes ou ao mesmo, porque enquanto algo é outra coisa não é consciência. Quer dizer, não há omnisciência. Mas terá havido algum momento, em cada uma das nossas consciências e, no fundo, em cada um de nós, um estado em que tínhamos plenamente consciência do que é ser eu, na medida em que a característica principal da consciência não é (ou apenas) ser sobre algo, mas ser para mim? Tive, tenho, ou terei algum momento em que tive, tenho, ou terei, plena consciência de mim próprio? Por exemplo, não tenho consciência de todo o meu passado, mas terá a minha consciência começado a ser no momento do meu nascimento ou da minha existência enquanto embrião, ou é incorpórea, eterna, imutável, e existe desde e para sempre? É que as consciências estão a mudar, mas a consciência está lá sempre, talvez, excepto, no sono profundo acerca do qual, ainda assim, se pode defender que há consciência... mas de quê? Pode ser o momento em que a alma se retira em si própria e, se se quiser, identificar esta alma com a mente que pode, ou não, estar inconsciente.

Mas, como buscadores da verdade, queremos saber as suas características, se existe sempre e assim por diante, embora pense que buscamos esse conhecimento mais por vontade de nos conhecermos do que a outra coisa e, como tal, essa busca resume-se na busca do eu, daquilo que julgamos profundamente ser, eu ou não-eu, existe ou não-existente, desejamos com ela saber o que somos realmente. Assim, é uma busca metafísica, na medida em que, nesta, deseja-se saber como são realmente as coisas. Provavelmente, podemos saber o que são certas coisas, mas há uma coisa que parece ser verdade: é que não se não soubermos a coisa una que é todas as coisas, se não descobrirmos a total unidade nelas, não sabemos o que são, para lá das aparências... Pergunta-se então - o que é tudo? Qual a coisa que são todas as coisas? E isto porque temos tendência a agrupar e a fazer depender tudo de um princípio único, que desconheço.

Será a mente?

7 comentários:

Paulo Borges disse...

Quem ou o que coloca essa questão ? É uma coisa ? Por mais que pense em termos de "coisas", é uma coisa ? Se não é, então o que é ? Se não consegues responder, não inventes respostas. Deixa-te ficar na ausência de resposta, por mais incómoda que seja. É isso que procuramos. É isso !

afhahqh disse...

Todas as questões ficam em aberto. Poderíamos sempre saber mais, se pudéssemos. Na verdade somos ignorantes, apenas cremos. Mas quando as questões pendem igualmente para os dois lados diferentes quase que sabemos que são questões acerca das quais não temos que escolher, e isso, provalvemente, prende-se com todas as questões metafísicas - teremos verdadeiro conhecimento das coisas? Não sabemos. É impossível que saibamos. A ausência de resposta deve-se à minha ignorância, acerca do assunto da pergunta - mais vale não procurar algo que se sabe que nunca vai encontrar.

Paulo Borges disse...

Não. A ausência de resposta pode ser a própria resposta ou a sabedoria que vê que o problema está na pergunta ! Procurar e nada encontrar pode ser o grande encontro...

Luar Azul disse...

Caro Nuno, eu quando leio o que escreves pareces-me a mim há uns anos atrás "sem tirar nem pôr". Se fores como eu era não me vais ouvir, mas apenas criar mais um mar de perguntas e inquietações, mas pronto, aqui vai na mesma este bitaite: faz mais amor, evita o orgasmo para fazeres mais vezes e durante mais tempo, pratica meditação, vai ao clube atlético de alvalade e experimenta o Kung Fu, dança, diverte-te, aprende a pintar ou a fazer música, nada, faz muito desporto, beija a tua miúda como se fosse a primeira e a última vez, olha o mar da mesma maneira, e o céu e o horizonte, faz tudo, tudo, tudo, mas não penses. Porque a mente mente, é uma ilusão, e quanto mais te afundas nela mais terás de navegar para sair. Tudo o que fizeres mentalmente (conceitos, teorias, grandes articulações) terás de o desfazer se algum dia quiseres realmente ascender à "verdade(?)". Por isso são dois trabalhos que enfrentas, agora constróis, depois terás de destruir.

Abraço e não me leves a mal, eu não sou arrogante, é só o que eu diria ao meu eu de alguns anos atrás!! ;)

Luar Azul disse...

Ah!! a mim ajudou-me ler o osho, os livros dele são uma seca, mas lendo passagens ao acaso sabem-me bem. Podes encontrar as obras completas do Osho (mas não digas a ninguém) aqui. Também podes ver o não pensamento do dia, hoje foi este:

"A mente tem seus usos limitados. Use-a. Quando você estiver trabalhando em seu escritório, não estou lhe dizendo para ser um sem-mente. Quando você estiver trabalhando em sua loja ou na fábrica,
Não estou lhe dizendo para ser um sem-mente. Estou dizendo que você seja perfeitamente uma mente. Use a mente, mas não a leve por vinte e quatro horas, continuamente com você. Não se arraste nisso. Use-a como você usa uma cadeira."

Tamborim disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Tamborim disse...

Os livros (discursos) do Osho não são uma seca! São chuva refrescante.Pelo menos, para mim.