O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

A propósito da Reunião de Alunos de 24 de Janeiro sobre a reorganização científica da Faculdade de Letras e porque é provável que

estudantes de lá aqui estejam.

O Anfiteatro I estava cheio. Muitos entravam e antes de ouvirem alguém falar abanavam a cabeça em jeito de reprovação. Outros, enquanto entravam, vinham já a abanar a cabeça parando para intervalos e continuando. Dias antes boatos criados a partir do desejo de agitação corriam que a Faculdade ia fechar. Quem neles creu e quem os criou - porque desejava que alguma acção houvesse - desiludiu-se quando, na Reunião, um não-estudante mediador da discussão e situado no centro do palco veiculou a hipótese futura da fusão da Faculdade de Letras com a de Belas Artes, coisa bastante má, segundo os estudantes que lá se manifestaram, e que põe em causa a autonomia da de Letras, seja lá o que isso for.
Sem saber já em que medida Artes e Letras não iam bem juntas, houve quem perguntasse: "Então e porque não juntar Letras com Direito em vez de Artes?". Pergunta de tal pertinência que a partir desta ocorrem outras: E porque não juntar Letras à Medicina, ao Nutricionismo ou à Motricidade Humana? E seria cura para todos os males.

Outro assunto que preocupou os estudantes foi o da denominação da instituição. Orgulhosa de ser caloira da F.L.U.L. uma estudante perguntou, de voz embargada mas mantendo-se firme, o nome que depois iria ter a F.L.U.L.. O nome da Universidade é importante para a aluna informar onde anda, em que é que se mete. Sem designação perde-se e, de preferência, que seja curta de modo a reter-se. A resposta peremptória dos chefes foi "Faculdade de Letras", ao que a estudante parecia mais chateada. Se calhar porque assim já não tinha motivo para se chatear.
Estando preocupados com o nome ou a imagem que têm de transmitir a outrem de modo a informar essoutrem onde estudam, estão menos preocupados com sua própria imagem que reflecte algo de xenófobo, receoso do desconhecido, da mudança ou da diferença, o que é curioso vindo dum estudante-tipo da Fac. de Letras que aparenta, pelas reividicações feitas, ser simpatizante da liberdade, da mistura, da multiculturalidade, da não especialização à moda de Agostinho da Silva. Enfim, aberto ou receptivo.
Mas talvez seja só simpatizante em vez de praticante ou fazendo parte.

Talvez seja só enquanto a coisa não começa ou não acontece que o entusiasmo se mantém, talvez seja só nas manifestações públicas (que em princípio são desejo de mudança) que o sangue ferva, ou não ferva mesmo aí, não sei. Depois, posto o prato, o repasto na mesa, a fome passa. Era mais apetitoso o prato que se imaginou, qualquer que seja o que se ponha na mesa e vai de se fazer birra. Os tais mais olhos que barriga. Como, por exemplo, ter na ideia um gelado de bauninha E chocolate e receber uma bola de strataciella.
Cuidado, estudantes, se a imagem vos preocupa não queiram parecer conservadores, olhem que o letreiro "This a local shop for local people" está quase a sair para fora.
Se há coisa que se nota em estudantes é a conversa contra a especialização, "não temos escolha, somos obrigados a fazer disciplinas que não nos interessam", e agora, logo agora que lhes é apresentada possibilidade de fazerem pinturas e outras pirueta malucas, agora que a rebaldaria há tanto clamada do "escolham, escolham, estejam à vontade, sejam o que quiserem" é apregoada, eles defendem-se: "Não podemos, estamos perdidos, não nos peçam para escolher, preferimos que nos imponham um caminho, se fizerem favor". Não se percebe estes estudantes. Agora que até foi lançado para o ar um centro de estudos asiáticos, eslavos e etc, e novos cursos e etc, soltam uma gargalhada de escárnio? Pois não queriam conhecer e interculturalizar?
Foi também manifesto o receio da privatização, qualquer coisa das "unidades de negócio". Mas não é o Estado já um negócio mas mais disfarçado? Ao menos os privados estão ao léu de fato e gravata, são um por um em fila, vistos, pessoas com nome, identificáveis. Já o Estado é Deus, indeterminado sem que, por isso, se lhe possa tocar. Enquanto que aos privados já se pode mandar tomates podres e, por se poder, é que se não concretiza afinal, e por isso os estudantes ficam assim irritados: Por podermos, não podemos mandar tomates a quem vemos! Assim não tem piada!
Outra questão foi a de que estes cursos (os que talvez aí venham) não garantem emprego no mercado de trabalho. Esta não vale, estudantes. Ao entrardes sabíeis já ao que viestes. Questão velha, venha outra.
Mas arranjar emprego depende do que constitui o curso nos seus meandros jamais vasculhados pela entidade empregadora? Por não vislumbrarem emprego quererão que um nome de curso que se institua tenha mais poder para empregar?
Ou será próprio da condição de estudante estar contra o que quer que o outro lado, não estudante, institua?
Talvez queiram rebelar-se without a cause ou, se tem de haver causa, há que centrá-la, por exemplo, num espirro bastante involuntário de um membro da ala adversária.
Ao estudante parece ser vital postular um outro lado, ou seja, oposto ao seu, de forma a haver manifestação contra, precisamente, aquele lado, e que é afirmação do seu.
"Os do poder", que orientavam a discussão, não questionaram as perguntas estudantis, foram pouco poderosos. Será que ignoraram a impertinência delas?
Caso possam esclarecer estas questões, e outras que possam entrever, será bom.

4 comentários:

Unknown disse...

strataciella está mal escrito.
és por ventura uma não estudante da faculdade de letras?

Anónimo disse...

sou estudante, sou estudante.

Anónimo disse...

A juventude, assomo fugaz de ruptura e libertação, logo se converte no que sempre foi: os futuros funcionários, superiores ou inferiores, medíocres sempre, do sistema.
Mas hoje cada vez menos há sequer esse assomo... Reivindica-se é ter entrada garantida no sistema.

Ana Margarida Esteves disse...

As tecnicas de manipulacao mental e inducao do conformismo tambem se tornaram muito mais sofisticadas. As revoltas da decada de 60 e 70 assutaram muito o sistema ... Que tratou logo de criar metodos psicologicos, economicos e burocraticos de reduzir a possibilidade de sobreviver fisicamente e mantar a sanidade mental fora dele.