quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008
Musicalmente, a sonata da infinita gratidão
Zweig diz:
“ É sempre à parte demoníaca de cada um de nós que se fica a dever tudo o que nos projecta para lá do ente individual que somos, para lá dos nossos interesses pessoais, tudo o que nos confere a sagacidade e o desejo de aventura com que nos lançamos na interrogação e nos perigos que ela comporta. Mas este demónio só é uma força amiga, favorável, enquanto a conseguimos dominar, enquanto estiver ao serviço da tensão que nos anima, ao serviço de um desejo de intensificação, de elevação; o verdadeiro perigo começa quando essa tensão salutar se transforma num excesso de tensão, quando a alma sucumbe ao impulso subversivo, ao vulcanismo do demoníaco. Porque o demónio só pode alcançar a sua pátria, o elemento que lhe é próprio, a infinitude, na medida em que destruir sem compaixão a coisa finita, terrena, em que momentaneamente fixou a sua morada..."
Na verdade, a verdade é mesmo força bacântica em nós. É a mente sem domínio sobre si, liberta da razão, solta e desenfreada como na música. Se queremos que a mente toque o espiritual, então é pô-la a encontrar o seu coro de vozes e, no silêncio, retornar ao ritmo. A mente não tem palavras, tem sons que compõem imagens improváveis, inatingíveis e indefinidas. Se quisermos ser mentais mais do que racionais, espirituais tanto quanto demenciais, escutemos o grande coro da Vida que nunca parou de cantar. Suponho que era essa a ideia de Wagner para o seu teatro: as cantoras eram mesmo só aparência. Nenhum humano pode cantar aquilo se não for já Perséfone, isto é, se já não tiver sido raptado pela Vida e já não for vivente. Aquilo não era um teatro, era o Hades. Não deve ter conseguido explicar isto, não teve palavras para o explicar. Ele que era da música e não do logos. Ele mental, demencial, demoníaco não falava com a razão. Falava já na mistura da mente com o espírito, a música, musicalmente.
O coro que canta o "Inverno" de Vivaldi é quase assim. Aquele canto é a mente e tem a arqueologia de tudo o que é universal dentro e fora de nós. Naquele coro, que ontem ouvi na e com a música de Vivaldi, a Vida sente-se e recolhe-se e expande-se e rapta-nos. Aqui é difícil escutar a mente, porque o real a desmente. E é uma luta desigual, porque a mente não pode argumentar. Só tocar. Tocar-nos até ao choro, até às nossas lágrimas sem porquê, que têm o brilho e as poeiras das estrelas ainda quentes da explosão original. Só consigo responder desta maneira ao que ouvi ontem e tenho lido sobre o desafio que foi lançado: é a razão que pergunta o que é a mente, mas a mente não vai responder. A mente está dentro da música e nos seres que combatem com o seu demónio que neles é musical e rítmico. A mente entusiasma-se não com a linguagem instrumental, mas com o instrumental musical que há em seres que falam cantando, entoando. É por isso que os mantras...
Mas desconfio que quando a razão pergunta o que é a mente, a razão está a perder o pé…e de olhar tanto para dentro do abismo, o abismo olha e chama musicalmente por ela… (Nietzsche sabia-o tão bem…) ela ainda tenta falar, mas sobrevém-lhe um imenso silêncio. Porque há sons que nos deixam mudos. Musical a mente, musicalmente nos deixamos levar sem vontade de voltar.
E, como gostaria de me perder musicalmente na sonata da infinita gratidão por todos os que seres bons, belos e puros que andam no caminho da serpente…
Zweig diz:
“ É sempre à parte demoníaca de cada um de nós que se fica a dever tudo o que nos projecta para lá do ente individual que somos, para lá dos nossos interesses pessoais, tudo o que nos confere a sagacidade e o desejo de aventura com que nos lançamos na interrogação e nos perigos que ela comporta. Mas este demónio só é uma força amiga, favorável, enquanto a conseguimos dominar, enquanto estiver ao serviço da tensão que nos anima, ao serviço de um desejo de intensificação, de elevação; o verdadeiro perigo começa quando essa tensão salutar se transforma num excesso de tensão, quando a alma sucumbe ao impulso subversivo, ao vulcanismo do demoníaco. Porque o demónio só pode alcançar a sua pátria, o elemento que lhe é próprio, a infinitude, na medida em que destruir sem compaixão a coisa finita, terrena, em que momentaneamente fixou a sua morada..."
Na verdade, a verdade é mesmo força bacântica em nós. É a mente sem domínio sobre si, liberta da razão, solta e desenfreada como na música. Se queremos que a mente toque o espiritual, então é pô-la a encontrar o seu coro de vozes e, no silêncio, retornar ao ritmo. A mente não tem palavras, tem sons que compõem imagens improváveis, inatingíveis e indefinidas. Se quisermos ser mentais mais do que racionais, espirituais tanto quanto demenciais, escutemos o grande coro da Vida que nunca parou de cantar. Suponho que era essa a ideia de Wagner para o seu teatro: as cantoras eram mesmo só aparência. Nenhum humano pode cantar aquilo se não for já Perséfone, isto é, se já não tiver sido raptado pela Vida e já não for vivente. Aquilo não era um teatro, era o Hades. Não deve ter conseguido explicar isto, não teve palavras para o explicar. Ele que era da música e não do logos. Ele mental, demencial, demoníaco não falava com a razão. Falava já na mistura da mente com o espírito, a música, musicalmente.
O coro que canta o "Inverno" de Vivaldi é quase assim. Aquele canto é a mente e tem a arqueologia de tudo o que é universal dentro e fora de nós. Naquele coro, que ontem ouvi na e com a música de Vivaldi, a Vida sente-se e recolhe-se e expande-se e rapta-nos. Aqui é difícil escutar a mente, porque o real a desmente. E é uma luta desigual, porque a mente não pode argumentar. Só tocar. Tocar-nos até ao choro, até às nossas lágrimas sem porquê, que têm o brilho e as poeiras das estrelas ainda quentes da explosão original. Só consigo responder desta maneira ao que ouvi ontem e tenho lido sobre o desafio que foi lançado: é a razão que pergunta o que é a mente, mas a mente não vai responder. A mente está dentro da música e nos seres que combatem com o seu demónio que neles é musical e rítmico. A mente entusiasma-se não com a linguagem instrumental, mas com o instrumental musical que há em seres que falam cantando, entoando. É por isso que os mantras...
Mas desconfio que quando a razão pergunta o que é a mente, a razão está a perder o pé…e de olhar tanto para dentro do abismo, o abismo olha e chama musicalmente por ela… (Nietzsche sabia-o tão bem…) ela ainda tenta falar, mas sobrevém-lhe um imenso silêncio. Porque há sons que nos deixam mudos. Musical a mente, musicalmente nos deixamos levar sem vontade de voltar.
E, como gostaria de me perder musicalmente na sonata da infinita gratidão por todos os que seres bons, belos e puros que andam no caminho da serpente…
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6 comentários:
Não pensemos senão musicalmente ! Graças, Isabel !
Caríssima Isabel, recentemente sofri uma transformação ao ler "O efeito Mozart". A Música... Talvez seja por falta dela que somos tão pouco bons a matemática (e só usamos a matemática que serve para infernizar a nossa vida, tanto a nível privado, como colectivo)...
E todas as pessoas são parte da Sinfonia, notas aparentemente dissonantes, por vezes, mas apropriáveis por um amplexo maior.
Temos que fazer retinir as paredes translúdidas do cárcere do egotismo e do "coisismo", seu complementar.
;)
Música e ritmo, eis a linguagem... Eu vou dançar para o Coro, é aí que sou pleno.
Obrigado!
...e uma grande chuvada de Espírito Santo para todos!
Da música e já no Coro são seguramente vocês, que me reorientam o olhar do rosto e entoam para mente sons que lhe são afins. Fazem com ela uma afinidade electiva. O livro mais inquietante sobre música e que, por causa dos vossos comentários, me apetece reler, é o "Náufrago" de Thomas Bernhard, e apetece rever "Amadeus". Mas não é por mais nada, é só porque de cada vez que leio e vejo outra vez, vejo o que nuca li e nunca vi. É por isso que gosto muito de ver o que escrevem também: ver o insondável que toca todos de maneiras tão diversas. Obrigada por pensarem o que aquece a frieza dos dias.
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