O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

IV

E apareces: o sangue flamejando no instante do precipício,
uma morte paciente entretida a desordem e a caos.
Trazes os martelos de ouro com que forjas,
na pedra que atravessou toda a idade,
os símbolos da beleza e do terror.
Trazes a dança imóvel e o silêncio articulado da tua voz.
Eu recebo-te,
abro caminhos de sangue por sobre a pedra que ofereces,
trabalho nela com os dentes,
insidiosamente.
O absoluto da tua pulsação dando ritmo ao mundo.
O mundo sob a tua mão feroz. Sempre que apareces.
Um dom revolvido, encetado à desproporção dos elementos.
Cegamente. Pelo buraco onde se escoa o mundo.
Um segredo, uma revelação – um útero de fogo,
um úterofogo.
Um deslizar repentino pelos flancos da lâmina sangrando.
O desabrochar de uma flor com um grito lá dentro.
É quando apareces, ígnea, tenebrosa,
revolvendo com as mãos as feridas estagnadas,
dando consistência às formas que circunscrevem os abismos. –
No centro de tudo: um núcleo mineral,
e quando vens
o núcleo
estremece e esquece.


de Não te demores sobre o fogo

2 comentários:

Anónimo disse...

Não te demores sobre o fogo:
mora nele

dança no coração do incêndio
derrama-te na efusão da lava
sangra no liquefazer das lâminas
ama na ebulição primeva

que nada fique para depois

Anónimo disse...

sublime!