terça-feira, 21 de julho de 2009
EPIPSYCHIDION (5)
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Existia um Ser que o meu espírito
tantas vezes encontrava, lá no alto, entre os sonhos
ao despontar a manhã clara e dourada da juventude;
sobre as ilhas encantadas, com luminosas clareiras
entre montanhas maravilhosas, e as cavernas
do sono divino; sobre a ondulação aérea
de sonhos cheios de prodígio, cujo oscilante chão
suportava os seus ligeiros passos, e numa margem
imaginada sob a pálida falésia de qualquer promontório,
-esse Ser vinha ao meu encontro, vestido de tal esplendor
que se tornava para mim invisível. Com a solidão,
a sua voz veio até mim dos bosques sussurrantes,
chegou com o canto das fontes, com o profundo aroma
das flores, como se os próprios lábios do sonho
murmurassem os suaves beijos que a adormecem
e, na atmosfera enamorada, apenas falassem do seu nome;
chegou com o maior ou menor rumor das brisas,
com as chuvas que caem de todas as nuvens,
com a harmonia dos pássaros do estio,
com todos os sons, e o silêncio. Nas palavras
de poemas antigos e de lendas - na sua forma,
sonoridade, cor - , em tudo o que pacifica aquela
Tempestade
que sufoca o passado com o presente destruído,
nesta suprema filosofia, cujos indícios
são o destino que conduz a nossa dolorosa vida
a um glorioso, ardente martírio,
ficava o seu espírito, a harmonia da verdade.
Erguia-me das cavernas onde sonhava a minha juventude
e encaminhava-me, com sandálias de fogo,
em direcção ao astro do meu único desejo,
voava perturbado como uma falena, cujo movimento
é igual a uma folha morta numa luz crepuscular
quando vai procurar junto de Vésper
uma morte luminosa, um radioso sepulcro,
como se fosse a lâmpada duma chama terrestre.
Shelley
in Poesia Romântica Inglesa (Byron, Shelley, Keats)
Relógio D'Água, 1992
Tradução de Fernando Guimarães
Existia um Ser que o meu espírito
tantas vezes encontrava, lá no alto, entre os sonhos
ao despontar a manhã clara e dourada da juventude;
sobre as ilhas encantadas, com luminosas clareiras
entre montanhas maravilhosas, e as cavernas
do sono divino; sobre a ondulação aérea
de sonhos cheios de prodígio, cujo oscilante chão
suportava os seus ligeiros passos, e numa margem
imaginada sob a pálida falésia de qualquer promontório,
-esse Ser vinha ao meu encontro, vestido de tal esplendor
que se tornava para mim invisível. Com a solidão,
a sua voz veio até mim dos bosques sussurrantes,
chegou com o canto das fontes, com o profundo aroma
das flores, como se os próprios lábios do sonho
murmurassem os suaves beijos que a adormecem
e, na atmosfera enamorada, apenas falassem do seu nome;
chegou com o maior ou menor rumor das brisas,
com as chuvas que caem de todas as nuvens,
com a harmonia dos pássaros do estio,
com todos os sons, e o silêncio. Nas palavras
de poemas antigos e de lendas - na sua forma,
sonoridade, cor - , em tudo o que pacifica aquela
Tempestade
que sufoca o passado com o presente destruído,
nesta suprema filosofia, cujos indícios
são o destino que conduz a nossa dolorosa vida
a um glorioso, ardente martírio,
ficava o seu espírito, a harmonia da verdade.
Erguia-me das cavernas onde sonhava a minha juventude
e encaminhava-me, com sandálias de fogo,
em direcção ao astro do meu único desejo,
voava perturbado como uma falena, cujo movimento
é igual a uma folha morta numa luz crepuscular
quando vai procurar junto de Vésper
uma morte luminosa, um radioso sepulcro,
como se fosse a lâmpada duma chama terrestre.
Shelley
in Poesia Romântica Inglesa (Byron, Shelley, Keats)
Relógio D'Água, 1992
Tradução de Fernando Guimarães
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19 comentários:
Belíssimo! Encerrados nas cidades que sufocam a natureza sagrada, onde encontraremos nós hoje estas epifanias, de que nos tornamos indignos!? E todavia tudo está cheio de deuses... Nós mesmos o somos.
Pois mas estamos encerrados nas cidades por necessidade. Por mim certamente não estava numa cidade. infelizmente é onde há trabalho. E ainda assim a maioria do trabalho é mau. Em suma o dia a dia vive-se mal nas cidades.
Pegando num comentário que li num post acima, a correria da cidade simplesmente não faz sentido. Para além de que não tem qualquer sentido estético. São realmente o acordar e o adormecer que aí interessam porque tudo o mais é desinteressante. Mas o que está entre eles é que devia sê-lo. Oh pá...
Viva o trabalho precário! Viva o desinteresse! Viva o Nuno Maltez, vozinha profunda na base da mosca!
Por favor, não comentes o sentido estético...
Liliana, porque lês tanta poesia?
acaso é demais?
Vejam só...
Que bonito Liliana,
Não conhecia,
obrigada pela partilha*
Vozinha profunda na base da mosca. Essa é boa :) Que viva em cada um o que cada um quiser.
Mas é verdade. As cidades são muito mais funcionais do que estéticas. A menos que queiras falar de uma estética do pó e da sujidade, das luzes no trânsito ao anoitecer, das luzes dos subúrbios, de gente a passar, movimento...... mas nada é esteticamente de propósito.
Então se quiseres falas da estética do acaso, do objecto criado sem preocupação estética mas que ainda assim cria uma impressão estética em quem o vê ou ouve.
A natureza, por exemplo, é um objecto do género.
Não metas o nariz no pó dos outros. Vais ver que ficas mais limpo.
Reflectindo as tuas palavras...
Deste modo, uma estética da cidade e uma estética da natureza são comparáveis, melhor, assemelham-se, não obstante a diferença dos objectos.
Concordo, espelho teu.
Vê-se que tens princípio e fim e patinas no gelo...
Ia. Agora vou descansar.
Obrigada Liliana!
é muito belo, é calorosamente belo. Ainda bem que lê tanta e tão bela poesia e a torna partilhável aos que gostam de ler o que nunca, nem a alma nem os olhos, tinham vislumbrado. É um agradecimento sem fim...
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