Um espaço para expressar, conhecer e reflectir as mais altas, fundas e amplas experiências e possibilidades humanas, onde os limites se convertem em limiares. Sofrimento, mal e morte, iniciação, poesia e revolução, sexo, erotismo e amor, transe, êxtase e loucura, espiritualidade, mística e transcendência. Tudo o que altera, transmuta e liberta. Tudo o que desencobre um Esplendor nas cinzas opacas da vida falsa.
terça-feira, 30 de junho de 2009
"O humano é o sonho de uma sombra"
- Píndaro, Odes Píticas, VIII.
Trans-Pátria - "Somos portugueses antes de sermos homens - eis a doença da hiperidentidade que nos corrói"
[...] Eis os seus pressupostos: 1. O que é a nossa identidade - no sentido em que se apresenta como a última protecção narcísica e derradeiro obstáculo à transformação do indivíduo português? Definamo-la assim: é o surgir do rosto do eu, como condição de possibilidade de afirmação de todos os atributos "mundanos" do indivíduo, da afirmação deste como sujeito, antes do surgimento da singularidade do indivíduo como homem, ser nu em devir. Neste sentido a identidade é uma patologia de que o eu é o vírus despótico. Eu uno, unificador e omnipresente. Em tudo, na acção, na fala, nas relações sociais, na vida profissional, no espaço público, nós somos "fulanos de tal", somos pessoais e auto-reflexivos (ao contrário da criança ou do artista ou artesão, perdidos no objecto e no jogo). Somos portugueses antes de sermos homens - eis a doença da hiperidentidade que nos corrói. 2. A nossa falta de confiança, a inércia, a autocomplacência, o queixume e a inveja são pragas nacionais que nos envenenam. Todas decorrem naturalmente do tipo de subjectividade produzida pela doença da identidade. Esta fecha-nos em nós mesmos, impedindo-nos de criar um "fora", ar e vento livres, respiração para viver"
- José Gil, Em Busca da Identidade. O desnorte, Lisboa, Relógio d'Água, 2009, pp.9-10.
José Gil é hoje um dos autores com quem, nesta questão da identidade nacional, mais concordo e discordo. Concordo com o que diz, discordando das razões pelas quais o diz e das consequências que daí extrai. Mas a ver vamos. Comecei agora mesmo a ler este seu último livro.
segunda-feira, 29 de junho de 2009
procuração
procuração não passo de certeza. porque sei que eles não sabem (sócrates). na verdade não passo de um aranhuço.
Artigo no jornal Público: "Promotores querem ir às legislativas. Petição para a criação do Partido pelos Animais circula na Net"
O partido ainda não está formalizado junto do Tribunal Constitucional. Como são necessárias 7500 assinaturas para isso - possui até o momento cerca de mil adesões na sua página no Facebook -, os coordenadores António Rui Ferreira dos Santos, de 45 anos, Pedro Luís de Oliveira, de 49, Paulo Alexandre Borges, de 49, e Fernando Leite, de 45, contam com um site na Internet (www.partidopelosanimais.com), apoio de artistas, como a actriz Sandra Cóias e os actores Pedro Laginha e Heitor Lourenço, da ex-ministra indiana Maneka Gandhi e do líder espiritual tibetano Dalai Lama.
Os quatro aspirantes a uma sigla política no país não são amigos de infância, nem possuem profissões afins. Pelo contrário. Fernando é consultor de vendas, Paulo é escritor e professor de Filosofia na Universidade de Lisboa, Pedro é licenciado em Direito e técnico superior de Segurança e Higiene do Trabalho no desemprego e António é empresário da área da construção civil.
O que uniu esses quatro apaixonados pelos animais e pela natureza foram as petições. Pedro lançou uma em Janeiro de 2007 para salvar os golfinhos no Japão, a qual já juntou mais de 1.200.000 assinaturas. António, naquele mesmo ano, criou uma contra a estilista Fátima Lopes, que utilizava peles de animais nas roupas da sua criação. Paulo, em 2008, durante os Jogos Olímpicos de Pequim, realizou uma outra para condenar a repressão no Tibete. Fernando, por sua vez, sensibilizou-se com a causa do Pedro. Depois de inúmeras conversas, perceberam que poderiam juntar forças. Criaram, então, um partido voltado para a causa dos animais.
"Em Portugal, os animais são tratados como coisas pela Constituição. São tratados pelo Departamento de Resíduos Sólidos. Estamos no ponto zero, na Idade da Pedra", reclama António, que veste uma t-shirt com os dizeres "as peles são usadas por animais bonitos e pessoas feias".
O partido, por sua vez, não é monotemático, pois manifesta-se também "a favor da defesa da natureza e de todas as formas de vida. Isso inclui o próprio homem, cuja felicidade depende da sua relação harmoniosa com esses outros seres vivos", explica Paulo, presidente da União Budista Portuguesa.
Correr contra o tempo
Não há uma data limite para inscrição no Tribunal Constitucional para a candidatura do partido, mas os fundadores estão a correr contra o tempo para angariar assinaturas. Segundo eles, o processo só não está mais avançado porque as pessoas precisam preencher formulários manualmente, não podendo fazer isso pela Internet.
O grande trunfo, explicam os coordenadores, para conseguir arrecadar as outras 6500 assinaturas que ainda faltam para que se tornem um partido oficial, são as mil pessoas que já aderiram. A ideia é que, cada uma delas, arranje outras 20. Além disso, estão a contactar as associações de protecção de animais do país para conseguir apoio.
"Sendo um partido, podemos e devemos ser a voz das associações", esclarece Pedro. Já para conseguir conquistar cadeiras no Parlamento, apostam também no facto de a população portuguesa "estar desesperadamente desencantada, saturada do discurso vazio", afirma Fernando. Uma das propostas do partido, que já existe na Alemanha, Inglaterra, Holanda, Espanha e Itália, é a mudança na legislação - "os animais deixarem de ser considerados coisas".
http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1389180
O fim do homem neste mundo é libertar-se a si, libertando os outros seres
O fim do homem neste mundo é libertar-se a si, libertando os outros seres.[...]
A moral religiosa é falsa, porque é a moral do indivíduo. A moral filosófica, à maneira materialista, positivista, evolucionista, livre-pensante, é falsa, porque exclui os animais. A moral ascética é falsa, porque exclui as coisas.
O ascetismo e o abandono são falsos, porque importariam ou a salvação pessoal ou, tão só, a sectarista. A não resistência ao mal é falsa, porque, precisamente, eliminar o mal é o fim do homem, único e supremo.
Não foi Tolstoi. Quem encontrou a palavra do enigma foi o poeta alemão Novalis. Novalis escreveu que: - o fim do Homem é ajudar a evolução da Natureza. Esta palavra vai até o fundo do fundo do abismo. Nunca nenhuma assim sublime brotou de lábios inspirados. O fim do Homem é ajudar a evolução da Natureza.
Como? Trabalhando, para saber, a fim de poder. E, podendo, cumpre-lhe esquecer-se, não acreditando, como até aqui, que a decifração dos mistérios é para que sua curiosidade se satisfaça; para que, redundantemente, seus prazeres aumentem. O homem tem de dar contas do supremo dever que lhe incumbe, o dever para com a natureza inteira. Libertando-se a si, libertando os seus irmãos de espécie, ele contribuirá já para a grande libertação universal"
- Sampaio Bruno, A Ideia de Deus, Porto, Lello & Irmão, 1902, pp.468-470.
domingo, 28 de junho de 2009
execução
Um círculo de sangue
Ínfimo entre a noite e o dia.
Nem sombras
Nem sonhos:
Rumor de salitre
Laminando os olhos
(Microscópico alvitre)
Antes do silêncio.
Mas antes do silêncio.
A palavra com voz,
Um símbolo no termo
Da luz petrificando
A teia
No labor de aranha.
Um círculo de morte
Suspendendo o sangue.
sábado, 27 de junho de 2009
Lobos
William Blake: Auguries Of Innocence
And a heaven in a wild flower,
Hold infinity in the palm of your hand,
And eternity in an hour.
A robin redbreast in a cage
Puts all heaven in a rage.
A dove-house fill'd with doves and pigeons
Shudders hell thro' all its regions.
A dog starv'd at his master's gate
Predicts the ruin of the state.
A horse misused upon the road
Calls to heaven for human blood.
Each outcry of the hunted hare
A fibre from the brain does tear.
A skylark wounded in the wing,
A cherubim does cease to sing.
The game-cock clipt and arm'd for fight
Does the rising sun affright.
Every wolf's and lion's howl
Raises from hell a human soul.
The wild deer, wand'ring here and there,
Keeps the human soul from care.
The lamb misus'd breeds public strife,
And yet forgives the butcher's knife.
The bat that flits at close of eve
Has left the brain that won't believe.
The owl that calls upon the night
Speaks the unbeliever's fright.
He who shall hurt the little wren
Shall never be belov'd by men.
He who the ox to wrath has mov'd
Shall never be by woman lov'd.
The wanton boy that kills the fly
Shall feel the spider's enmity.
He who torments the chafer's sprite
Weaves a bower in endless night.
The caterpillar on the leaf
Repeats to thee thy mother's grief.
Kill not the moth nor butterfly,
For the last judgement draweth nigh.
He who shall train the horse to war
Shall never pass the polar bar.
The beggar's dog and widow's cat,
Feed them and thou wilt grow fat.
The gnat that sings his summer's song
Poison gets from slander's tongue.
The poison of the snake and newt
Is the sweat of envy's foot.
The poison of the honey bee
Is the artist's jealousy.
The prince's robes and beggar's rags
Are toadstools on the miser's bags.
A truth that's told with bad intent
Beats all the lies you can invent.
It is right it should be so;
Man was made for joy and woe;
And when this we rightly know,
Thro' the world we safely go.
Joy and woe are woven fine,
A clothing for the soul divine.
Under every grief and pine
Runs a joy with silken twine.
The babe is more than swaddling bands;
Every farmer understands.
Every tear from every eye
Becomes a babe in eternity;
This is caught by females bright,
And return'd to its own delight.
The bleat, the bark, bellow, and roar,
Are waves that beat on heaven's shore.
The babe that weeps the rod beneath
Writes revenge in realms of death.
The beggar's rags, fluttering in air,
Does to rags the heavens tear.
The soldier, arm'd with sword and gun,
Palsied strikes the summer's sun.
The poor man's farthing is worth more
Than all the gold on Afric's shore.
One mite wrung from the lab'rer's hands
Shall buy and sell the miser's lands;
Or, if protected from on high,
Does that whole nation sell and buy.
He who mocks the infant's faith
Shall be mock'd in age and death.
He who shall teach the child to doubt
The rotting grave shall ne'er get out.
He who respects the infant's faith
Triumphs over hell and death.
The child's toys and the old man's reasons
Are the fruits of the two seasons.
The questioner, who sits so sly,
Shall never know how to reply.
He who replies to words of doubt
Doth put the light of knowledge out.
The strongest poison ever known
Came from Caesar's laurel crown.
Nought can deform the human race
Like to the armour's iron brace.
When gold and gems adorn the plow,
To peaceful arts shall envy bow.
A riddle, or the cricket's cry,
Is to doubt a fit reply.
The emmet's inch and eagle's mile
Make lame philosophy to smile.
He who doubts from what he sees
Will ne'er believe, do what you please.
If the sun and moon should doubt,
They'd immediately go out.
To be in a passion you good may do,
But no good if a passion is in you.
The whore and gambler, by the state
Licensed, build that nation's fate.
The harlot's cry from street to street
Shall weave old England's winding-sheet.
The winner's shout, the loser's curse,
Dance before dead England's hearse.
Every night and every morn
Some to misery are born,
Every morn and every night
Some are born to sweet delight.
Some are born to sweet delight,
Some are born to endless night.
We are led to believe a lie
When we see not thro' the eye,
Which was born in a night to perish in a night,
When the soul slept in beams of light.
God appears, and God is light,
To those poor souls who dwell in night;
But does a human form display
To those who dwell in realms of day.
sexta-feira, 26 de junho de 2009
VITILIGO
ídolos negros
- antes mesmo de Tiger Wood
ou Barak Obama
lutou até à morte
por ser branco
paz à sua alma:
- branca ou
negra?
quinta-feira, 25 de junho de 2009
Somos um sonho a desvanecer-se sem deixar traços
– William Shakespeare, The Tempest, Acto IV, Cena I, linha 155.
somos símios
mais atletas
motorizados como as motas
que outra coisa não são
que desumanizadas
bicicletas
quarta-feira, 24 de junho de 2009
Earthlings (documentário)
Narrado pelo actor - e activista dos direitos dos animais - Joaquin Phoenix, que também é 'vegan' e membro da PETA (a maior organização de defesa dos direitos animais do mundo). A banda sonora foi composta exclusivamente para o documentário pelo músico Moby.
O documentário mostra como funcionam as grandes indústrias e corporações e relata a dependência da humanidade sobre os animais, para obter desde a alimentação, vestuário e calçado até objectos diversos, incluindo a diversão, não esquecendo o abuso em experiências científicas. Mostra como a espécie humana e as suas relações de dominação, como o racismo e o sexismo, a xenofobia, etc. tem tratado com a maior falta de ética, humanidade e compaixão a natureza, os animais e a si mesmo.
http://www.earthlings.com/
(contém imagens impressionantes "não recomendadas" a pessoas sensíveis)
terça-feira, 23 de junho de 2009
deixar de ser
ludwig feuerbach, princípio da filosofia do futuro, edições 70
Mar adentro,
mar adentro.
Y en la ingravidez del fondo
donde se cumplen los sueños
se juntan dos voluntades
para cumplir un deseo.
Un beso enciende la vida
con un relámpago y un trueno
y en una metamorfosis
mi cuerpo no es ya mi cuerpo,
es como penetrar al centro del universo.
El abrazo más pueril
y el más puro de los besos
hasta vernos reducidos
en un único deseo.
Tu mirada y mi mirada
como un eco repitiendo, sin palabras
‘más adentro’, ‘más adentro’
hasta el más allá del todo
por la sangre y por los huesos.
Pero me despierto siempre
y siempre quiero estar muerto,
para seguir con mi boca
enredada en tus cabellos.
Ramón Sampedro, Mar Adentro
Fotografia: Alejandro Amenábar, Mar Adentro
poema e fotografia encontrados neste cantinho
Sempre foi, por falha a nossa mente
E, se esforçando por criar, insiste,
Parindo o mesmo filho novamente!
Ou se a revolução nada reforma.
Estou certo que os sábios do passado
A alvo pior tenham louvado.
segunda-feira, 22 de junho de 2009
http://www.refugiodaspatinhas.org/
Descobri hoje o site acima.
Se puderem, ajudem por favor este trabalho tão dedicado. É "com o pouco de muitos" que as boas obras podem fluir melhor e dar mais. Neste caso, salvar mais.
Obrigada a todos.
Abraços tamborínicos
Sua Santidade o Dalai Lama apoia o Partido pelos Animais
Partilho com os leitores deste blogue a profunda Alegria por acabar de receber o apoio pessoal de Sua Santidade o Dalai Lama ao Partido Pelos Animais, acompanhado da seguinte declaração, que a seguir traduzo:
"Today, together with a growing appreciation of the importance of human rights there is a greater awareness worldwide of the need for the protection not only of the environment, but also of animals and their rights. Unfortunately, there continue to be those who feel it is not only acceptable, but also a pleasure, to hunt or fight with animals, resulting in the painful deaths of those animals. This seems to contradict the general spirit of egalitarianism growing in most societies today.
I deeply believe that human beings are basically gentle by nature and I feel that we should not only maintain gentle and peaceful relations with our fellow human beings but that it is also very important to extend the same kind of attitude towards the environment and the animals who naturally live in harmony with it. As a boy studying Buddhism in Tibet, I was taught the importance of a caring attitude towards others. Such a practice of non-violence applies to all sentient beings – any living thing that has a mind. Where there is a mind, there are feelings such as pain, pleasure and joy. No sentient beings want pain, instead all want happiness. Since we all share these feelings at some basic level, we as rational human beings have an obligation to contribute in whatever way we can to the happiness of other species and try our best to relieve their fears and sufferings"
"Hoje, em conjunto com um crescente apreço pela importância dos direitos humanos, há uma maior consciência em todo o mundo da necessidade de proteger não apenas o ambiente, mas também os animais e os seus direitos. Infelizmente, continuam a existir aqueles que sentem ser não apenas aceitável, mas também um prazer, caçar ou lutar com animais, resultando nas suas mortes dolorosas. Isto parece contradizer o geral espírito igualitário que hoje cresce na maioria das sociedades.
Creio profundamente que os seres humanos são fundamentalmente amáveis por natureza e sinto que devemos não apenas manter relações gentis e pacíficas com os nossos companheiros seres humanos, mas ser também muito importante estender o mesmo tipo de atitude ao meio ambiente e aos animais que vivem naturalmente em harmonia com ele. Quando era um rapaz que estudava o Budismo no Tibete, foi-me ensinada a importância de uma atitude carinhosa para com os outros. Uma tal prática de não-violência aplica-se a todos os seres sensíveis - toda a criatura viva que tem uma mente. Onde existe uma mente, existem sentimentos como dor, prazer e alegria. Nenhum ser sensível deseja a dor, em vez disso todos desejam a felicidade. Visto que todos partilhamos estes sentimentos nalgum nível fundamental, nós, como seres humanos racionais, temos uma obrigação de contribuir, de todos os modos que pudermos, para a felicidade das outras espécies e dar o nosso melhor para aliviar os seus medos e sofrimentos"
- Sua Santidade o Dalai Lama
Unguento
Eu não aguento tanto sentimento
Eu não aqueço mais um Dezembro
Eu não acendo mais um ciúme
Não suporto mais nenhum ruído, nem um rumor
Nem este meu canto demente
Nem mais um recado de amor
Eu não aguento tanto sentimento
Eu não aguento tanto
Sem ti minto
Eu não aguento tanto sentimento
Eu não aguento
Tanto
Sem ti meto
Medo
Eu não aguento tanto
Sem ti
Naci En Alamo:"no tengo lugar/ y no tengo paisaje/ yo menos tengo patria"
Quem tiver pátria e lugar dela bastante, que escolha a paisagem... e "com seus dedos faça o fogo"...
(Minha gratidão a Saudades, por me ter dado a conhecer a voz de Yasmin Levy)
Naci En Alamo
no tengo lugar
y no tengo paisaje
yo menos tengo patria
con mis dedos hago el fuego
y con mi corazon te canto
las cuerdas de mi corazon lloran
naci en alamo
naci en alamo
no tengo lugar
y no tengo paisaje
yo menos tengo patria
naci en alamo
naci en alamo
ay cuando canta(s)
y con tus dolores
nuestras mujeres te chican
ay, ay
ay
ay, ay
ay
naci en alamo
naci en alamo
no tengo lugar
y no tengo paisaje
yo menos tengo patria
sábado, 20 de junho de 2009
Dos "Belamente Adornados"
"Trois regnes", desenho de José Roosevelt
Eis provido de um assento o esqueleto do bastão-insígnia!
Tu, designada para seres sua mãe,
Tu, designado para seres seu pai;
Isto acontece para que tenhais
Bela grandeza de coração.
Só assim haverá perfeita plenitude.
[recolha de Léon Cadogan, estudioso do povo Guarani]
Estas palavras, vindas de um deus e pronunciadas pelo sábio que as ouviu, anunciam que a mulher está grávida de um rapaz, metaforicamente chamado “esqueleto do bastão-insígnia”: este instrumento brandido pelos homens durante as danças rituais, é o sinal da masculinidade. Engendrar uma criança é uma das condições de acesso ao estado de aguyje, de perfeita plenitude, pois trata-se de tornar um espaço – o corpo que irá nascer – apto para receber uma pequena partícula da substância divina, uma Bela Palavra, uma alma. As crianças são assim uma mediação entre os adultos e os deuses.
Pierre Clastres
(in”O Grão-Falar, Mitos e Cantos Sagrados dos índios Guarani”
Editora Arcádia, Lisboa, 1977, pág. 101 e seg.
Tradução de Luísa Neto Jorge, aprovada pelo autor
Atrevo-me a acrescentar, na base de tão belas palavras.
Cada alma, cada Bela Palavra (como dizem os Guarani),”esses que belamente são adornados” brotam-nos do futuro, como flores do presente, dando sentido pleno e inteiro ao “Velho Álbum” que nos escreve e vê no “silêncio dos versos.”
Cada palavra e cada silêncio nela, reflectem-se mutuamente. Tal como os seres: reflexos, às miríades, d’O que não tem reflexo, pois neles mora e a todos adorna - adormecido, ainda que acordado; desperto, ainda quando saudosamente esquecido de si.
Desde o mar, espaço primordial de todos os estados e todo o estar...
(A Liliana Jasmim, que persevera no Belo Adornar de si...)
sexta-feira, 19 de junho de 2009
Relendo Céline com Pacheco
Fonte: imagem Google
Não há nada mais terrível dentro de nós e sobre a terra e, talvez até, nos céus, do que aquilo que ainda não foi dito.
Só ficaremos de todo tranquilos quando tudo tiver sido dito, dito duma vez para sempre; só então tudo estará em silêncio, ninguém mais terá medo de se calar.
Céline,“A Viagem ao Fim da Noite”,
citado por Luiz Pacheco, in “Crítica de Circunstância”,
Editora Ulisseia, Lisboa, 1966, pág. 85
o homem disse
a propósito de Mercado
ser a situação actual
bastante introgessiva
nem o homem sabe
seguramente o que dizia
nem eu sei
nem nunca saberei
o que é
introgressivo
a palavra contudo
me parece clara
e me agrada
e a sinto perfeitamente adaptada
ao tempo que faz hoje:
mais de quarenta graus de temperatura
o sol a reluzir no céu
como no guiador cromado
de qualquer
nossa primeira bicicleta
os pássaros calaram-se nos galhos
sombreados dos freixos e dos choupos
nas oliveiras cinzentas
nem as cigarras cantam
como se o calor
lhes tivesse impiedosamente
derretido as asas
procuro nos poetas gregos:
Arquílogo de Paros
Ìbico de Régio
em Safos natural de Lesbos
a palavra exacta
que defina
este insuportável
desarranjo meteorológico
posso associá-lo
vagamente a Vulcano
ou à fusão do átomo
ao efeito de estufa
nada porém que me diga tanto
como o insuspeitado introgressivo
do homem
a propósito de
Mercado
sendo que
não poder sair à Rua
é um estado
indiscutívelmente introgressivo
não me resta outra saida
que não seja:
despir a alma
e pendurá-la num cabide
onde corra
um mínimo de aragem
deixá-la assim a abanar
inflada como vela de pequeno barco
T-shirt de Ulisses
que o conduzisse
de regresso
a Ítaca
é penosa
a estação e tudo
esmorece com o calor
disse Alceu de Mitilene
há pelo menos
dois mil
e setecentos anos
isto
pelo facto simples
de não ter sido ainda
a propósito de Mercado
criado o inefável
vocábulo
INTRO
GRESSIVO
Tenga Rinpoche em Lisboa - Conhecer a natureza da mente
É com enorme satisfação que vos informamos da presença em Lisboa de Kyabje Tenga Rinpoche.
Tenga Rinpoche nasceu em 1932 em Kham, no Tibete oriental. A sua educação decorreu inicialmente nos Mosteiros de Benchen e Palpung, sob orientação do 9º Sangye Nyempa Rinpoche (irmão de Kyabje Dilgo Khyentse Rinpoche), e dos anteriores Situ Rinpoche e de Jamgon Rinpoche. Posteriormente, estudou com muitos outros Mestres e completou os seus estudos com um retiro de 3 anos. Foi também discípulo de Kyabje Dilgo Khyentse Rinpoche e de Kyabje Dudjom Rinpoche.
Após deixar o Tibete, em 1959, instalou-se em Sikkim no Mosteiro de Rumtek. Aí, Tenga Rinpoche serviu durante 17 anos S. S. o XVI Karmapa. Desde 1976, Tenga Rinpoche vive no Nepal, onde estabeleceu o Mosteiro Benchen Phuntsok Dargyeling e um Centro de Retiros em Pharping (http://www.benchen.org/home). É também o fundador de Centros na Polónia, em Itália e na Alemanha.
Kyabje Tenga Rinpoche é um dos poucos Mestres detentores da linhagem não interrompida da tradição Karma Kagyu do Budismo Tibetano. A sua visita a Portugal constitui uma oportunidade rara e preciosa para contactar com um grande Mestre da actualidade.
Programa:
21 de Junho de 2009 (Domingo) – 16h00
Desenvolver a calma mental
22 de Junho de 2009 (2ª feira) – 17h00
Visão profunda da paz mental
23 de Junho de 2009 (3ª feira) – 17h00
Meios para transformar a mente e revelar a sua pureza original
Local: Hotel Marriott, Av. dos Combatentes, Lisboa
Custo de participação: 20 euros por dia; 50 euros os 3 dias
Esperamos vê-los !
Fundação Kangyur Rinpoche
"É tão difícil o silêncio" (Friedrich Nietzsche)
Ai, meus irmãos! Sabemos talvez um pouco demasiado sobre todos nós! E muitos há que se nos tornam transparentes, mas ainda assim não o suficiente para que os consigamos penetrar.
É difícil viver entre os homens: é tão difícil o silêncio.
E não é para com aquele que nos é mais ofensivo que somos mais injustos, mas para com o que nos é indiferente.
Se, contudo, ocorrer teres um amigo que sofra, sê um abrigo para o seu sofrimento, mas um leito duro, como uma cama de campanha; mais útil lhe serás desse modo.
E se um amigo te fizer mal, diz-lhe: "Perdoo-te o que me fizeste; mas houvesse-lo tu feito a ti mesmo, e como poderia eu perdoar-to?"
Assim fala todo o grande amor: ele sobrepuja o perdão, e até mesmo a piedade.
É preciso conter o coração: porque, se o deixamos à solta, bem depressa podemos perder a cabeça!
Ai! Onde encontramos nós na terra loucuras maiores que entre os compassivos? E que foi no mundo maior causa de sofrimento que as loucuras dos tais?
Pobres dos que amam, se não estão acima da sua piedade!
Assim me disse o diabo, um dia: "Até Deus tem o seu inferno: é o seu amor pelo homem".
Friedrich Nietzsche
“Assim Falou Zaratustra”, II, “Os compassivos”
(Versão com base na tradução inglesa de Thomas Common,
Dover Thrift Editions, 1999, pág. 58 e seg.)
quinta-feira, 18 de junho de 2009
NOVA PETIÇÃO MIL: “NÃO DESTRUAM OS LIVROS!”
Perante esta situação, o MIL apela a todos os cidadãos que assinem esta petição, exigindo que as editoras nacionais, e em particular a Imprensa Nacional - Casa da Moeda, não destruam as obras em questão, oferecendo-as antes às bibliotecas, escolas e centros culturais nacionais, aos leitorados de Português e departamentos onde se estude a Língua e a Cultura Portuguesas nas universidades estrangeiras, bem como às universidades e centros culturais dos países lusófonos. Para tanto, os Ministérios da Cultura, da Educação e dos Negócios Estrangeiros (este através do Instituto Camões), bem como a TAP AIR Portugal, devem-se articular com as Editoras na estratégia da distribuição e transporte dos livros a nível nacional e internacional.
Em vez de se destruir património precioso e insubstituível, esta é uma ótima oportunidade de se prestar um serviço à cultura e à educação nacionais, bem como de promover a cultura portuguesa no espaço lusófono e no mundo, tarefa por todos reconhecida como fundamental na qual o Estado não se tem empenhado devidamente.
PARA ASSINAR:
http://www.gopetition.com/online/28707.html
MIL: MOVIMENTO INTERNACIONAL LUSÓFONO
Comissão Coordenadora
Ani Chöying Drolma em Portugal - 6ª, 19 - 18.30
A monja nepalesa Ani Chöying Drolma, mundialmente conhecida pela comovente beleza da sua voz e enquanto defensora dos direitos das mulheres, estará entre nós para o lançamento do seu livro A Minha Voz pela Liberdade, na 6ª feira, dia 19, pelas 18.30, no Anf. III da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
A apresentação será feita pelo Dr. Rui Lopo (União Budista Portuguesa) e pela Drª Alexandra Correia (Grupo de Apoio ao Tibete/União Budista Portuguesa).
Organização: Editorial Presença / Projecto "Filosofia e Religião" do Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa (coordenado por Carlos João Correia) e do Curso "Filosofia e Estudos Orientais" / Departamento de Filosofia da Universidade de Lisboa (coordenado por Carlos João Correia e Paulo Borges)
Apoios: União Budista Portuguesa e Songtsen - Casa da Cultura do Tibete
Entrada Livre
Oração das mulheres bem resolvidas - Júlio Machado Vaz
tempos dificeis
8.
a vida social é essencialmente prática. todos os mistérios que empurram a teoria para o misticismo encontram a sua solução racional na práxis humana e no conceber desta práxis.
11.
os filósofos interpretam o mundo de diversas maneiras; a questão, porém, trata-se de o transformar.
karl marx,teses sobre feuerbach,1845
quarta-feira, 17 de junho de 2009
"Só a verdade nos mente..." (Suli-Andriéu Peyre)
Transpus
(Ai franqui)
Transpus o cume da minha vida
e desço pela outra encosta,
mas sou ainda um aprendiz,
e a alma às vezes ainda sonha.
As minhas mãos nunca estarão cheias;
só a verdade nos mente;
toda a agitação do mundo
não sacode as mãos engelhadas.
Talvez ao fundo daquele vale
aonde desço sempre com a tarde,
conheça melhor a minha solidão.
Sentar-me-ei ainda uma hora
para ver a comparação
do eterno e dos dias quebrados.
Suli-Andriéu Peyre (1890-1961)
in "Antologia da Poesia Provençal Moderna",
selecção e tradução de Louis Bayle e Manuel de Seabra,
Editorial Futura, Lisboa, 1972, pág. 44
Esfera Armilar - A grande questão e a grande encruzilhada
- Agostinho da Silva, "A Comédia Latina" [1952], Estudos sobre Cultura Clássica, organização e introdução de Paulo Borges, Lisboa, Âncora Editora, 2002, p.307.
Querendo dominar e avassalar o mundo, adoecemos e destruímo-nos, física, emocional e mentalmente. Pondo-nos ao serviço do bem do mundo e de todas as formas de vida, humanas e não-humanas, curamo-nos e libertamo-nos. Esta é hoje a grande questão e a grande encruzilhada.
O que escolhes? E que escolha gostarias que fosse a de Portugal e dos países lusófonos?
Qual a escolha digna de uma Esfera Armilar, de um Abraço ao Universo, de um Coração do tamanho do Universo?
terça-feira, 16 de junho de 2009
Não fazer nada
Catharose De Petri
Deixem-me dizer-vos neste momento que não fazer nada é a coisa mais difícil do mundo, a mais difícil e a mais intelectual.
Oscar Wilde
Saudade do Presente
Se ao meu encontro fores
Passarás pelos vários sítios onde estive
Lembrar-te-ás onde estou.
polir a lente
henry miller, citado em 'spinoza, philosophie pratique', gilles deleuze
tentativa,verdadeiramente tentativa, de tradução
Para mim,vejam bem, os artistas, os sábios, os filósofos aparentam estar muito ocupados a polir as lentes. fazem preparativos para algo que não se produz. um dia a lente será perfeita por si; e nesse dia apreenderemos a estonteante, a extraordinária beleza deste mundo.
Comunhão
Um poema
que se dissolvesse
em silêncio na boca
como uma hóstia
Um poema de quem se dissesse
como se diz de Jesus:
“Eu sou a Verdade e a Vida.”
Nesse poema me faria atar
como Cristo
pelos pés e pelas mãos
e pela boca
ao Silêncio que me nasceu
Como rosa no mar.
Boca de espuma.
Rosa em ondas levada
Ofélia de mim
Amor lavado em sal
Purificado, Amor de Marear
de mareado: de (A)marar
exaltado de vinho e de jejum.
Rosa de Sharon
Amor divino,
brilho, Luz, beleza
Rosa de morrer
Viventes penas
De luzente mar
De me dissolver:
em ardente rosar.
Um poema silente
como um beijo
de Amado,
Ó meu Amigo sonhado.
O sonho e a erecção
De dia, desde que há erecção, é o sinal de um sonho"
- Pascal Quignard, Le nom sur le bout de la langue, p.76.
segunda-feira, 15 de junho de 2009
versinhos de quando era proibido não sonhar
Versinhos sobre a Reforma Agrária
R. A.
Duas palavras apenas
Pra escrever Reforma Agrária
É das palavras pequenas
Aquela que mais abarca:
Charnecas de urze olivais
Campos de milho ervilhaca
É das palavras que mais
De ser pequena me encanta
Suor e pó sobre o rosto
Espigas de trigo na cara
Chapéus queimados de Agosto
Esperança força de seara
Frescura de barro – cântaro
De sombra e de prata fria
Mundo melhor alavanca
Bolota glande alegria
Ai Alentejo ai motor
Reforma Agrária poesia
Casa de velho senhor
Virada pra outro dia
"Este Verão, queres ser sereia ou baleia?"
Trans-Pátria - Um Portugal que padece do problema de se ver como problema
Com efeito, e embora se constate que isso tende e provavelmente tenderá a diminuir nas gerações mais jovens, é um facto que um dos temas mais destacados da cultura portuguesa é o da própria identidade nacional. Portugal como Problema, título de uma antologia de Pedro Calafate, designa aquilo em que a nação se tem convertido para os portugueses em geral: um problema, decerto sem solução, porque carente de real fundamento.
Do mesmo modo que não parece razoável considerar que todos ou a maior parte dos nossos males e bens se relacionem com Portugal, também não se afigura razoável esperar que Portugal venha a ser a solução ou parte da solução de todos os nossos problemas. Isto pela simples razão de que, antes de sermos portugueses, somos homens, seres vivos conscientes e sensíveis, cuja existência e presença no mundo antecede e excede os limites da história, da língua e da cultura que recebemos pela educação e pela imersão no mundo social que nos acolhe. Considerar a nação, enquanto organismo cultural, social e político, o factor determinante da existência e da solução dos nossos problemas existenciais, éticos e intelectuais, individuais e colectivos, é condenar-nos a reproduzir o que tem sido a nossa constante relação de amor-ódio com ela e a sua inevitável frustração contínua: esperando da nação o que ela não pode dar e alienando na identificação com ela o fundo mais íntimo e responsável do nosso ser, julgamo-la de acordo com expectativas irreais e tornamos dependente das suas vicissitudes a nossa felicidade ou infelicidade. Em particular, por essa compenetração entre indivíduo e nacionalidade, o nosso egocentrismo assume dimensão nacional e precipitamo-nos no constante e pendular complexo de inferioridade-superioridade que nos faz sentir ora os piores, ora os melhores do mundo, no círculo vicioso do autocentramento umbilical que caracteriza a hipertrofia do sentimento de identidade, neste caso individual-nacional. Daqui resultam as nossas anedóticas e contrapolares tendências, grosseiramente irrealistas, para nos vermos no centro do mundo ou na sua periferia, como a sua cabeça ou a sua cauda, como os eleitos ou os danados da sua história. Daqui resulta o gosto mórbido de nos maldizermos e depreciarmos constantemente, frustrado reverso do apego onírico e onanista a uma delirante auto-imagem de sucesso e glória planetários – fruto do apogeu dos Descobrimentos - , a qual, sempre desiludida pela natural indiferença da história e da realidade, se compraz na expectativa de sermos pelo menos campeões mundiais ou europeus em futebol ou no facto de termos o melhor jogador do mundo, a maior ponte, o maior ou segundo maior centro comercial, a maior feijoada (ao longo de toda a Ponte Vasco da Gama), etc…
Disto resulta o facto grave de muitos portugueses continuarem a fazer da nação e do seu sentido a principal questão da sua existência, para além do nível relativo em que legitimamente se coloca, relativizando a ela as grandes questões eternas e actuais com que se defronta universalmente a humanidade, como as do sentido da existência, da vida e da morte, a natureza e possibilidades da mente, a relação ética do homem com a natureza, o ambiente e os seres vivos, humanos e não-humanos. Isto configura, quase um século e meio após as Conferências do Casino, um Portugal ainda adormecido, alheio e marginal, pelos piores motivos, às encruzilhadas e dilemas da civilização contemporânea. Um Portugal que padece do problema de se ver como problema e que, assim, não pode ter solução.
"A imensidão é o movimento do homem imóvel" (Gaston Bachelard)
Poderíamos dizer que a imensidão é uma categoria filosófica do devaneio. Sem dúvida, o devaneio alimenta-se de espectáculos variados; mas por uma espécie de inclinação inerente, ele contempla a grandeza. E a contemplação da grandeza determina uma atitude tão especial, um estado de alma tão particular que o devaneio coloca o sonhador fora do mundo próximo, diante de um mundo que traz o signo do infinito.
Pela simples lembrança, longe das imensidões do mar e da planície, podemos, na meditação, renovar em nós mesmos as ressonâncias dessa contemplação da grandeza. Mas trata-se realmente de uma lembrança? A imaginação, por si só, não poderá aumentar ilimitadamente as imagens da imensidão? A imaginação já não será activa desde a primeira contemplação? De facto, o devaneio é um estado inteiramente constituído desde o instante inicial. Não o vemos começar; e no entanto ele começa sempre da mesma maneira. Ele foge do objecto próximo e imediatamente está longe, além, no espaço do além (1).
Quando esse além é natural, quando não se aloja nas casas do passado, ele é imenso. E o devaneio é, poderíamos dizer, contemplação primordial.
Se pudéssemos analisar as impressões de imensidão, as imagens da imensidão ou o que a imensidade traz a uma imagem, entraríamos imediatamente numa região da mais pura fenomenologia – uma fenomenologia sem fenómenos ou, para falar menos paradoxalmente, uma fenomenologia que não precisa esperar que os fenómenos da imaginação se constituam e se estabilizem em imagens completas para conhecer o fluxo de produção das imagens. Noutras palavras, como o imenso não é um objecto, uma fenomenologia do imenso remeter-nos-ia sem rodeios à nossa consciência imaginante. Nesse caminho do devaneio de imensidão construiríamos em nós o ser puro da imaginação pura. Ficaria então claro que as obras de arte são os subprodutos desse existencialismo de ser imaginante. Nesse caminho do devaneio de imensidão, o verdadeiro produto é a consciência dessa ampliação. Sentimo-nos promovidos à dignidade do ser que admira.
Por conseguinte nessa meditação não somos “lançados no mundo”, já que de certa forma abrimos o mundo numa superação do mundo visto tal como ele é, tal como ele era antes que sonhássemos. Mesmo se estivermos conscientes do nosso ser mirrado – pela própria acção de uma dialéctica brutal - , tomamos consciência da grandeza. Somos então entregues a uma actividade natural do nosso ser imensificante.
A imensidão está em nós. Está ligada a uma espécie de expansão de ser que a vida refreia, que a prudência detém, mas que retorna na solidão. Quando estamos imóveis, estamos algures; sonhamos num mundo imenso. A imensidão é o movimento do homem imóvel. A imensidão é uma das características dinâmicas do devaneio tranquilo.
Gaston Bachelard
A Poética do Espaço
trad. António de Paula Danesi
Livraria Martins Fontes
S. Paulo, 1989
(1) “A distância arrasta-me no seu exílio móvel”, Supervielle,L´escalier
Fonte(imagem): http://www.pianolessons.net/img/lessons/bluespiano.jpg