O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


domingo, 1 de novembro de 2009

Do Incaracterístico ou do Triunfo da Morte



- Felix Nussbaum, Triumph des Todes [Triunfo da Morte], 1944.

"173. A paz perpétua e a segurança sem limites (do capital) impostas pela Grande Absurdidade, coexistem com a guerra de todos contra todos com que sonhava Hobbes. À competição incansável das mercadorias, responde a competição implacável do Incaracterístico, ávido de alcançar os melhores postos na hierarquia político-burocrática da corrupção.

174. Supermercados, hipermercados, megamercados, katamercados, acromercados, cobrem em proporções crescentes a extensão da terra. A tecnosfera destina-se a ser um mercado labiríntico que reveste o planeta: galerias imensas, velocidades tremendas, trocas frenéticas, multidões excitadas pela sedução do irrisório, operando o Labirinto à escala do universo - sem riscos (Minotauro), sem rumo (ariânico fio), sem vontade individual (Teseu), sem desejo (Ariana), sem engenho desafiador (Dédalo).

175. A teia das fontes de energia e do mercado incessante envolvendo a Terra; a teia de submissões articuldas do Incaracterístico; e a rede ambígua das leis que abriga nos seus interstícios o emaranhamento da corrupção, formam um plexo imenso enovelado, esfera da Absurdidade.

176. A sistemática e premeditada anulação da biosfera conduzida pelo Incaracterístico no decurso dos últimos decénios - deflorestação, chuvas ácidas, acumulação de subprodutos tóxicos, derrame de desfoliantes, caça e pesca em escala industrial nos oceanos e continentes - serve o projecto titânico da construção da Tanatosfera, essa camada planetária sem vida, onde se movem "robots" sobre extensões vazias e o Incaracterístico celebra a grande orgia de ruído e destruição, sendo senhor absoluto da terra e figura derradeira do cenário teatralizado da História"

- António Vieira, Ensaio sobre o Termo da História. Trezentos e cinquenta e três aforismos contra o Incaracterístico, Lisboa, Hiena Editora, 1994, pp.68-69.

2 comentários:

Rasputine disse...

Onde a Morte triunfa é neste e em todos os blogs. Trocam a vida pelo virtual. Isso é a medusa do Incaracterístico.

Paulo Borges disse...

Morres da razão que tens.