Um espaço para expressar, conhecer e reflectir as mais altas, fundas e amplas experiências e possibilidades humanas, onde os limites se convertem em limiares. Sofrimento, mal e morte, iniciação, poesia e revolução, sexo, erotismo e amor, transe, êxtase e loucura, espiritualidade, mística e transcendência. Tudo o que altera, transmuta e liberta. Tudo o que desencobre um Esplendor nas cinzas opacas da vida falsa.
sexta-feira, 30 de abril de 2010
vou deixar a palavra ser assoprada devagarinho. se começar por uma vogal deixo que a lingua passeie pelo céu da boca até se cansar, quando for uma consoante a língua estará pousada à saída da minha boca. vou assoprar como se assobiasse uma canção devagar, tão devagar que me esqueço do sentido dela. assim a palavra cresce e morre entre o inspirar e expirar. liberta do pensamento a palavra voa sem destino. o silêncio mostra a face em cada intervalo desse meu jeito de estar. um dia quando eu crescer serei somente esse intervalo - um modo de ser sem ser.
quinta-feira, 29 de abril de 2010
A lusofonia não é lusófona, mas universal
(excerto)
A lusofonia não cobre um fundo cultural comum, mas é um espaço de eclosão cultural aberto. Não há uma cultura lusófona, nem as culturas que se encontram no espaço da lusofonia estão marcadas, de forma indelével, por uma mesma intencionalidade destinal. O que se pode dizer é que o espaço lusófono se apresenta ao mundo como a possibilidade de se romper com o regime logocêntrico que marca a vigência da metafísica ocidental enquanto configuração civilizacional criadora de uniformidade e instauradora dum fechamento onto-fenomenológico da experiência humana do mundo em relação ao horizonte grácil da emergência da vida espiritual veiculadora duma cultura eco-eudemoníaca, sem a anomalia sapiensial que separa o humano do animal, a sociedade da natureza, o terrestre do celeste.
A uniformização eurocêntrica leva à destruição das culturas ancestrais que eclodiram para lá dos constrangimentos do totalitarismo da mesmidade sem um avesso de si que a interpelasse à dissolução transmutadora. E aqui cabe uma chamada de atenção para algo que tem que ser atendido com seriedade: a instrumentalização da cultura portuguesa e do pensamento português, nascido à margem da metafísica sem um impulso interno para o outro de si, para os colocar ao serviço dum gesto totalitário análogo à totalitária imposição da mundividência eurocêntrica ao resto do mundo, não só se apresenta como um erro grotesco, como atraiçoa o sentido espiritual da expansividade da vida ética e do pensamento seminal para o ainda não pensado, para o preterido pela tradição metafísica ocidental, próprio do pensamento português e assumido por autores tão importantes quanto, por exemplo, Antero de Quental, Leonardo Coimbra, Teixeira de Pascoaes, Fernando Pessoa, José Marinho, Eudoro de Souza, ou Agostinho da Silva, para só referir estes e para não referir os que hoje seguem na sua senda .
E a Língua Portuguesa não é constringente em termos espirituais e existenciais, ou seja, não aparece como um obstáculo até mesmo à sua ultrapassagem – tem sido um útero aberto à emergência de outras vias de apropriação linguística do mundo, coisa própria de uma língua viva, capaz de dar à luz outras línguas.
Por isso, qualquer tentativa de domesticar a língua, de a contratualizar em nome de imperativos económicos e políticos, é um passo na destruição da lusofonia, do que ela tem de mais original e imperioso para o mundo, a sua não constringência em termos espirituais.
A Língua Portuguesa não conhece fronteiras, não se institui como um território mental instaurador de barbarismos. Desse centro de divergência coalescente, não se vê nem estrangeiros nem bárbaros. Ter a Língua Portuguesa como Pátria, indo para além do lugar comum pessoano que tem sido usado para tudo e para nada, é não ser mais do que cidadão do Universo, encarado como o que, a cada instante, em cada um dos existentes e a cada um engloba numa corrente de transcensão transmutadora e re-criadora. É no diverso que se dá a patência da conversão plenificante ao que a tudo excede e, nesse excesso, tudo abraça num amplexo oceânico, sem fundo e sem margens.
- Paulo Feitais, "A lusofonia não é lusófona, mas universal", Cultura ENTRE Culturas, nº1 (Lisboa, 2010), pp.20-21.
arevistaentre.blogspot.com
O negócio das culturas e o ócio do essencial: o olhar do eremita
- Carlos Silva, "Vocação eremítica e diálogo intercultural - do único e sua diferenciação", Cultura ENTRE Culturas, nº1 (Lisboa, 2010), p.47.
arevistaentre.blogspot.com
quarta-feira, 28 de abril de 2010
Do patriotismo como hábito de preferir o habitual ao estranho
"Sob análise estética verificamos que o habitual é vivenciado como "bonito". esta é a base do patriotismo: a pátria é mais bonita que qualquer outra situação, precisamente porque a sua estrutura fundante passa despercebida. Toda a irrupção que destrua o hábito, toda a "novidade radical", é vivenciada como "feia", horrível. Esta é a base da xenofobia: o estranho é horrível e deve resistir-se a ele"
- Vilém Flusser, in "Da migração dos povos", inédito publicado em Cultura ENTRE Culturas, nº1.
Colóquio Internacional "Do Diabólico ao Simbólico: a filosofia de Vilém Flusser", Anfiteatro IV da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 3 e 4 de Maio.
Um singular pensador checo, que escreveu algumas das suas obras maiores em português do Brasil. Consultem o programa e excertos no blog. A revista Cultura ENTRE Culturas publica um inédito seu e vai ser de novo apresentada no final do Colóquio, no dia 4, pelas 17.30.
vilem-flusser.blogspot.com
Contemplações
O mar é a Eternidade, a onda é a hora. A onda exalta-se no seu bailado, endoidece e suicida-se de encontro às penedias. E o seu cadáver de espuma, coberto de flores, bóia sobre as águas em que, por fim, se dissolve. A onda regressa à intimidade calma do mar. A hora funde-se, outra vez, na Eternidade.
- Teixeira de Pascoaes
(...)
De tanto cantar
não resta da cigarra
senão a casca
- Matsuo Bashô
terça-feira, 27 de abril de 2010
"a oração mental"
paixão marítima dos PRs
segunda-feira, 26 de abril de 2010
civilização
“Falas de civilização,
e de não dever ser,
ou de não dever ser assim.
Dizes que todos sofrem,
ou a maioria de todos,
Com as coisas humanas postas desta maneira,
Dizes que se fossem diferentes,
sofreriam menos.
Dizes que se fossem como tu queres, seriam melhor.
Escuto sem te ouvir.
Para que te quereria eu ouvir?
Ouvindo-te nada ficaria sabendo.
Se as coisas fossem diferentes,
seriam diferentes: eis tudo.
Se as coisas fossem como tu queres,
seriam só como tu queres.
Ai de ti e de todos que levam a vida
a querer inventar a máquina de fazer felicidade!”
Alberto Caeiro
Lançamento do número 1 da Cultura ENTRE Culturas e de Uma Visão Armilar do Mundo - 3ª, 27, Largo do Alecrim, 70
Car@s Amig@s
Convido-vos para o lançamento do número 1 da revista Cultura ENTRE Culturas, por Frei Bento Domingues e Miguel Real, em conjunto com a apresentação do meu último livro Uma Visão Armilar do Mundo, por Paulo Teixeira Pinto. O Dr. Fernando Nobre associa-se ao evento, falando sobre o diálogo intercultural.
O acontecimento tem lugar no IADE Chiado Center - Rua do Alecrim, 70, na 3ª feira, 27, pelas 18.30
A revista Cultura ENTRE Culturas é uma revista internacional e intercultural por mim dirigida que publica ensaio, poesia e fotografia. A direcção artística é de Luiz Reys e a edição da Âncora Editora.
Comissão de Honra: François Jullien, Hans Küng, Jean-Yves Leloup, Raimon Pannikar, Matthieu Ricard e Agostinho da Silva (In Memoriam).
Publica neste número inéditos de Vilém Flusser, François Jullien, Hans Küng, Jean-Yves Leloup, Raimon Pannikar e Agostinho da Silva.
Ensaios e textos de Paulo Borges, Maria Sarmento, Paulo Feitais, Rui Lopo, Ricardo Ventura, Carlos Silva, Isabel Santiago, Amon Pinho, Miguel Real, Romana Valente Pinho e Inês Borges.
Poesia de Francisco Soares, Duarte Braga, Rui Fernandes, Luiza Dunas, Dirk Hennrich (aforismos), Francisco Soares e Donis de Frol Guilhade.
Fotografia de Beat Presser, Ilda Castro, Rui Fernandes, Francisco Soares e Adama.
O próximo número (Outubro de 2010) será dedicado a Fernando Pessoa e ao Diálogo Ocidente-Oriente, por ocasião dos 500 anos da chegada dos portugueses a Goa.
Propósitos:
1. Contribuir para o desenvolvimento de uma consciência-experiência integrais, multidimensionais, inter e trans-disciplinares do real e do que possa haver além-aquém do que como tal se designa, enriquecendo criativamente a vida e a existência mediante a compreensiva realização das suas supremas possibilidades.
2. Explorar antigas e novas possibilidades espirituais, mentais, éticas, artísticas, científicas, educativas, ecológicas, comunicacionais, sociais, políticas e económicas, alternativas à crise e declínio do paradigma civilizacional ainda dominante e que obedeçam ao soberano critério do melhor possível para todos os seres sencientes, humanos e não-humanos.
3. Promover o conhecimento e diálogo entre culturas, civilizações, religiões e espiritualidades, bem como entre estas, o ateísmo e o agnosticismo, no espírito da mais ampla imparcialidade e
universalismo.
4. Contribuir para a harmonia e a não-violência na relação do homem consigo, com a natureza e com todos os seres sencientes, capazes de sentir dor, prazer e emoções.
5. Despertar e orientar para estes fins a cultura e a sociedade portuguesas, bem como a comunidade lusófona, valorizando e promovendo as tendências que nelas mais apontem neste sentido
....
Será para mim uma honra a vossa presença.
Saudações
Paulo Borges
domingo, 25 de abril de 2010
falta fazer 25 de Abril de cada um
O Espírito
sábado, 24 de abril de 2010
"O fim do homem neste mundo é libertar-se a si, libertando os outros seres"
O fim do homem neste mundo é libertar-se a si, libertando os outros seres.[...]
A moral religiosa é falsa, porque é a moral do indivíduo. A moral filosófica, à maneira materialista, positivista, evolucionista, livre-pensante, é falsa, porque exclui os animais. A moral ascética é falsa, porque exclui as coisas.
O ascetismo e o abandono são falsos, porque importariam ou a salvação pessoal ou, tão só, a sectarista. A não resistência ao mal é falsa, porque, precisamente, eliminar o mal é o fim do homem, único e supremo.
Não foi Tolstoi. Quem encontrou a palavra do enigma foi o poeta alemão Novalis. Novalis escreveu que: - o fim do Homem é ajudar a evolução da Natureza. Esta palavra vai até o fundo do fundo do abismo. Nunca nenhuma assim sublime brotou de lábios inspirados. O fim do Homem é ajudar a evolução da Natureza.
Como? Trabalhando, para saber, a fim de poder. E, podendo, cumpre-lhe esquecer-se, não acreditando, como até aqui, que a decifração dos mistérios é para que sua curiosidade se satisfaça; para que, redundantemente, seus prazeres aumentem. O homem tem de dar contas do supremo dever que lhe incumbe, o dever para com a natureza inteira. Libertando-se a si, libertando os seus irmãos de espécie, ele contribuirá já para a grande libertação universal"
- Sampaio Bruno, A Ideia de Deus, Porto, Lello & Irmão, 1902, pp.468-470.
Um desenho nocturno
vestido de fogo
Esta paisagem nua: granito desfeito no ante-poema marmóreo
Lá em baixo: um marinheiro a pulsar inúmeros nortes
sonhando contrafeito (n)o espesso mar:
uma tela não autografada.
O mar
a casa
o milagre da nascente
os sítios onde morremos todas as noites:
nossos corpos irremediavelmente cansados pós- poema
sexta-feira, 23 de abril de 2010
Marcha contra a criação do Biotério da Azambuja - Hoje, 24 de Abril, 14.30 - Saldanha
A concretizar-se, esta “fábrica” de produção de animais será uma das maiores da Europa, cujos fins comerciais envolvem dinheiros públicos e cujo objectivo é a exportação de animais para todo o mundo, inclusive para países onde não existe qualquer legislação de protecção animal.
Vai realizar-se a 2ª Marcha contra a construção do Biotério da Azambuja, organizada pela Plataforma de Objecção ao Biotério - http://www.pob.pt.vu/
A concentração inicia-se pelas 14h30 do próximo Sábado, dia 24 de Abril, no Saldanha, em frente à Fundação Champalimaud (Atrium Saldanha) de onde sairá a marcha até à Fundação Calouste Gulbenkian - Lisboa.
A tua presença é fundamental e INSUBSTITUÍVEL!
VAMOS FAZER DE PORTUGAL UM MODELO DE CIÊNCIA SÉRIA E RESPONSÁVEL!
Estrelas
"Ora( direis )ouvir estrelas!
Certo, perdeste o senso!
E eu vos direi, no entanto
Que, para ouvi-las,
muitas vezes desperto
E abro as janelas, pálido de espanto
E conversamos toda a noite,
enquanto a Via-Láctea, como um pálio aberto,
Cintila.
E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas?
Que sentido tem o que dizem,
quando estão contigo? "
E eu vos direi:
"Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas."
Olavo Bilac
quinta-feira, 22 de abril de 2010
Fábricas...
- Agostinho da Silva, Pensamento à Solta, in Textos e Ensaios Filosóficos II, p. 169.
Uma forma de "expressar, conhecer e reflectir as mais altas, fundas e amplas experiências e possibilidades humanas, onde os limites se convertem em limiares. Sofrimento, mal e morte, iniciação, poesia e revolução, sexo, erotismo e amor, transe, êxtase e loucura, espiritualidade, mística e transcendência. Tudo o que altera, transmuta e liberta. Tudo o que desencobre um Esplendor nas cinzas opacas da vida falsa."
quarta-feira, 21 de abril de 2010
Viver
A União
Lançamento da revista Cultura ENTRE Culturas e do livro Uma Visão Armilar do Mundo, dia 27, 3ª feira, 18.30
O IADE CHIADO CENTER convida para o lançamento da revista Cultura ENTRE Culturas, apresentada por Frei Bento Domingues e Miguel Real, e do livro Uma Visão Armilar do Mundo, de Paulo Borges, apresentado por Paulo Teixeira Pinto, no próximo dia 27 de Abril, 3ª feira, pelas 18.30, na Rua do Alecrim, nº 70, em Lisboa.
Para mais lançamentos:
arevistaentre.blogspot.com
terça-feira, 20 de abril de 2010
quaresma permanente
Todas as coisas
segunda-feira, 19 de abril de 2010
domingo, 18 de abril de 2010
Curso livre "Uma Visão Armilar do Mundo"
Curso livre na Associação Agostinho da Silva, Rua do Jasmim, 11 - 2º.
21 e 28 de Abril, 5, 12 e 19 de Maio, das 18 às 20h.
Contribuição: 30 euros.
Inscrições: agostinhodasilva@mail.pt / 21 3422783 / 967 044 286 / 918 113 021
Uma Visão Armilar do Mundo
Reúno aqui um conjunto de estudos e ensaios dispersos, bem como um extenso texto inédito, que versam sobre um dos rumos maiores da minha actividade enquanto investigador e docente, a reflexão acerca de Portugal e do seu sentido no diálogo hermenêutico com alguns dos seus mais destacados poetas, profetas e pensadores: Luís de Camões, Padre António Vieira, Teixeira de Pascoaes, Fernando Pessoa e Agostinho da Silva.
[1] Cf. Paulo Borges, Do Finistérreo Pensar, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2001; Pensamento Atlântico. Estudos e ensaios de pensamento luso-brasileiro, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2002.
[2] Id., Tempos de Ser Deus. A espiritualidade ecuménica de Agostinho da Silva, Lisboa, Âncora Editora, 2006; Línguas de Fogo. Paixão, Morte e Iluminação de Agostinho da Silva, Lisboa, Ésquilo, 2006.
[3] Id., Princípio e Manifestação. Metafísica e Teologia da Origem em Teixeira de Pascoaes, 2 volumes, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2008; A cada instante estamos a tempo de nunca haver nascido (aforismos), Lisboa, Zéfiro, 2008; Da Saudade como Via de Libertação, Lisboa, Quidnovi, 2008; A Pedra, a Estátua e a Montanha. O Quinto Império no Padre António Vieira, Lisboa, Portugália Editora, 2008; O Jogo do Mundo. Ensaios sobre Teixeira de Pascoaes e Fernando Pessoa, Lisboa, Portugália Editora, 2008.
sábado, 17 de abril de 2010
meu amor camponês
sexta-feira, 16 de abril de 2010
FACTOGRAFIA
nuvem vulcânica
Tempo de Chuva
Durante o dia, noites a fio,
Pairando, suspensa, caindo como em sonhos,
Envolta num clamor eterno e sempre igual.
Assim me soou outrora no distante reino
Dos chineses a música deslizante,
Um cantar de grilo alto e sempiterno,
Mas encantador em todos os momentos.
Cair da chuva e música chinesa,
Cascata de música e bramir do mar,
Que poder é este? Que fascínio
Me arrasta pelo mundo fora?
A vossa alma é a nota eterna,
Que não conhece tempo nem mudança,
De cuja pátria há muito escapámos,
E cuja lembrança nos arde no coração.
- Hermann Hesse
"Vivo a vida infinita"
"Vivo a vida infinita,
eterna, esplendorosa.
Sou neblina, sou ave,
Estrela, Azul sem fim,
Só porque, um dia, tu,
Mulher misteriosa,
Por acaso, talvez,
Olhaste para mim"
- Teixeira de Pascoaes, "Elegia do Amor".
quinta-feira, 15 de abril de 2010
“Vê minha vida à luz da protecção,
que dás disposta a dar-se por amor
e quando a mãe te deu à luz com dor,
o espírito adensou-se nela então
o mesmo que em espigas pelo verão,
a negra fronte bela foi compor,
de Inverno em voz amarga acusador,
a cuja vista as lágrimas virão.
Meu amor em teu corpo se cinzela
e dele os outros seres recebem vida
perante ti criança os que da ferida,
sangram exposta ao mundo que flagela.
A mim foste mais bálsamo porém
do que as curas balsâmicas que tem.”
Walter Benjamin, Vê Minha Vida à Luz da Protecção
abdicar da procura (que fazer?)
a nossa luta é inglória. mas já que estamos aqui...
"Que há dentro deste ser, que não tem limites?"
- Raul Brandão, "Húmus".
"Nós outros todos"
- Bernardo Soares, "Livro do Desassossego".
quarta-feira, 14 de abril de 2010
Assaz
1.ª Edição. Lisboa. Publicações Dom Quixote
terça-feira, 13 de abril de 2010
linguística
segunda-feira, 12 de abril de 2010
questões sem razão
sem barbárie quem nos defende?
fazemos manifestações para impor a verdade?
todos vegetarianos não será um desequilibrio?
as organizações e religiões são contra a liberdade?
os animais sofrem mais do que nós no regime capitalista?
centenas não são milhares (+ de dez)?
o pescador a recolher memórias das brumas,
na equitação das aves sobre o tempo doutro tempo
Penso-te com as duas mãos a começar o amor,
na respiração dos vulcões que sonham os dias pela calada,
nos pedaços de trigo que levo à boca
Penso-te em abril junho e dezembro,
na casa com a lua cheia por cima,
ao nascer da ninhada de gatos
Penso-te de pulso firme à tatuador
neste primeiro andar do beliche
neste pouco que sou
mas que não faz mal
porque penso-te como pensa o cego
a ler o rosto de uma mulher cega
Terceira sessão de apresentação do livro VOZES DO PENSAMENTO, de Isabel Rosete, 18/04/2010 (Domingo), a partir das 21.30h, no DECANTE-BAR, em AVEIRO
Aguardo a vossa presença e participação, que muito me honrará, para mais uma encenação da Poesia, ao som do piano de Rui Pereira, num acolhedor porto de honra. Este convite é extensível a todos os vossos familiares e amigos.
Para mais informações: http://isabelrosetevozes.blogspot.com
Bem-hajam,
Isabel Rosete
domingo, 11 de abril de 2010
Carta ao Director do "Público" sobre a mentira acerca da Marcha pelos Animais de 10 de Abril
Exmº Sr. Director
Tinha 14 anos em 25 de Abril de 1974 e saí à rua com o mesmo entusiasmo de milhões de portugueses para saudar a restauração das liberdades fundamentais dos cidadãos, entre as quais a liberdade de imprensa. Depois disso desiludi-me com a política convencional, a meu ver demasiado estreita, e dediquei-me sobretudo à docência universitária. Há cerca de um ano faço parte da Comissão Coordenadora do Partido Pelos Animais e foi nessa qualidade que apoiei a Marcha pelos Animais, em 10 de Abril, e que fui entrevistado pelo vosso jornal. Lendo a afirmação do jornalista de que "centenas" de pessoas estiveram presentes, não posso reprimir a minha indignação: como podem "centenas" de pessoas, em filas de cerca de dez, encher completamente o percurso do Saldanha ao Marquês de Pombal, dar a volta a esta Praça e entrar ainda na Rua Braancamp, como muitas fotos e videos documentam? Como pode alguém reduzir a "centenas" as 3000 pessoas que, no mínimo, estiveram presentes?
A minha indignação é tanto maior quando vejo o "Público", cuja qualidade prezo, fazer coro com outros jornais de qualidade muito inferior e ficar atrás dos canais televisivos, que deturparam ligeiramente menos a realidade, falando de "mil" pessoas...
Compreende-se que os órgãos de comunicação social não estejam interessados nos animais, que felizmente não lêem jornais nem vêem televisão, como se compreende que o poder e as forças políticas não se interessem por quem não vota e é apenas vítima passiva e silenciosa de todo o tipo de maus-tratos e abusos. Não se compreende é que os media tenham o despudor de insultar com tamanha mentira o crescente número de cidadãos que se erguem para dar voz a quem não a tem e que colocam a defesa dos direitos dos animais como condição para uma sociedade humana melhor e mais evoluída. Assim o comprova, além dos milhares de pessoas que saíram à rua no dia 10 de Abril, a recente entrega de uma petição contra a criação de uma secção de tauromaquia no Conselho Nacional de Cultura, de que sou primeiro subscritor, e que obteve 8200 assinaturas em menos de dois meses.
Sinceramente, Sr. Director, não foi para isto que a liberdade de imprensa foi restaurada em Portugal! Tenho hoje 50 anos e sinto o meu entusiasmo adolescente traído por ver a liberdade de imprensa convertida em liberdade de manipular a opinião pública. Não esperava era ver o "Público" ir tão despudoradamente neste rumo...
Paulo Borges
(Professor na Universidade de Lisboa)
Sucesso absoluto! 10 de Abril: um dia histórico para a causa animal em Portugal
Sucesso absoluto! 3 a 4000 pessoas na rua em defesa dos direitos dos animais! Antero de Quental, Sampaio Bruno, Guerra Junqueiro, Teixeira de Pascoaes e Agostinho da Silva teriam estado lá. Surge em Portugal um novo dinamismo social e uma alternativa que coloca os direitos dos animais e o equilíbrio ecológico no centro da construção de uma sociedade humana melhor e mais evoluída. 80% de jovens: a causa do presente e do futuro!
Antes que eu tivesse tempo de apagar e reescrever o sentimento, a verdade mostrou-me que todo o verso estava no avesso. Quem não conhece não sofre.
Faz um par de anos que estou à porta do Paraíso.
Dizia-se que uns merecem mais, outros que quase não merecem nada e por fim existem uns outros tantos que não deveriam merecer mesmo nada, mas o universo é generoso e fá-los acreditar que até a miséria é um bem a ser apreciado.
Estes últimos fazem-me lembrar aquelas meninas nos bailes de escola, que ficam sempre sentadas sabendo desde o primeiro momento que nunca serão convidadas para dançar.
Ainda agora cedi o meu lugar a dois amigos que mostraram pressa em entrar. Assustei-me com a voracidade dos dois. Esse querer tão claro contrasta com a ausência do meu.
Sou como as meninas do baile que passam a noite sentadas.
Na sala há suor. Na cadeira a vontade de suar.
sábado, 10 de abril de 2010
O PPA entrega na Assembleia da República a petição contra a criação de uma secção de tauromaquia no Conselho Nacional de Cultura
O Partido Pelos Animais entrega a petição contra a criação de uma secção de tauromaquia no Conselho Nacional de Cultura, com mais de 8200 assinaturas em menos de 2 meses. Um novo paradigma surge na política nacional: não é pensável uma sociedade humana evoluída sem respeito pelo meio ambiente e por todas as formas de vida senciente. A petição continua aberta para que assinem e divulguem. E Hoje é o grande dia: 14 h, Campo Pequeno, Marcha-Protesto pelos Animais.
sexta-feira, 9 de abril de 2010
um parto eterno
Para quando?
Não sei se a clarividência (todas as formas de cegueira mental se querem as mais excelsas formas de clarividência).
Mas para quando o reconhecimento do que há aquém e além do egotismo?
Ou seja: até quando andaremos a desgraçar o que sem Graça não chegaria a existir?
Por todo o lado, poluição mental. Para quando a chegada à vida?
«Vindos de longe chegámos à vida! Vindos de aqui, chegámos cá!»
Um «aqui» não exclusivista, onde não se entra, nem de onde se sai.
Mas é imperioso contarmos os botões de quem chega, de quem parte, de quem está. A brancura da camisa não é maculada pelo negrume que há dentro das frestas de invejar que se abrem do lado de cá dos olhos das gentes.
E depois?
Depois… morrem as vacas e nem cá ficam os bois.
A coisa demoniocósmica vem apetrechada com autoclismo de sifão. Ou de cifrão, tanto faz.
«Com a agência Pinheiro desfaz-se de si por pouco dinheiro, a diferença está no caixão»
“É de cor que hoje como outrora os filósofos pensam segundo o preceito platónico: «com a alma inteira». Simplesmente como as almas estão acanhadas pelas espessas paredes dos corpos mais densos, pensar com a alma inteira tem pouco resultado.” (José Marinho, Aforismos sobre o que mais importa).
Os sapateiros de outrora sabiam que até os sapatos tinham alma. Coisa difícil de apreender na era dos sneekers.
E se, à semelhança dos antigos sapateiros, víssemos os problemas a partir de dentro? Primeiro, os sapatos eram feitos a partir das características dos pés do cliente. Depois eram obrigados a adaptarem-se aos pés.
«Quem quer casar com a Carochinha?!»
E se a nossa alma não agradar ao João Ratão? Ou não puder aceitar a ideia de o ver no caldeirão? Todos os João Ratão acabarão no caldeirão. Rima e com razão.
E quem é que se cura dos devaneios da Razão Pura?
O melhor é deixar em paz a Razão. Tudo o que vem com ‘R’ grande é estranho.
Deus, por exemplo.
O melhor é vivê-lo com ‘r’ pequeno - «ratus sum ratus es ratus est ratī sumus ratī estis ratī sunt»
Mas o rateio da dívida da Grécia parece que será sempre com ‘R’ grande.
O caro leitor fica esclarecido: fique-se pelo vídeo da Chavela Vargas.
A BAUDELAIRE
O Estrangeiro
"Quem amas mais, homem enigmático, anda? Teu pai, tua mãe, tua irmã ou teu irmão?
- Não tenho pai, nem mãe, nem irmã, nem irmão.
- Teus amigos?
- Utilizas uma palavra cujo sentido me é até hoje desconhecido.
- Tua pátria?
- Ignoro em que latitude ela se situa.
- A beleza?
- Eu a amaria de bom grado, deusa e imortal.
- O ouro?
- Odeio-o como odeias Deus.
- Ora! Que amas então, extraordinário estrangeiro?
- Amo as nuvens... as nuvens que passam... lá longe... lá longe... as maravilhosas nuvens!"
FIGURAS DE ESTILO
quinta-feira, 8 de abril de 2010
Cursos Livres na Associação Agostinho da Silva
Sempre ao fim da tarde, na Rua do Jasmim, 11, ao Princípe Real, em Lisboa.
Caso queiram participar convém fazerem desde já a inscrição. Podem obter todas as informações na página da AAS: www.agostinhodasilva.pt
Saudações agostinianas
Paulo Borges
terça-feira, 6 de abril de 2010
Serpente emplumada
A serpente emplumada
vive na caverna
e, no ar plúmbeo,
pulveriza com um silvo
a pulseira de silêncio
E compõe a jarra
num arranjo:
destaca uma pluma de
pavão no conjunto floral
II
Em plena noite cerrada
semi-cerrados os olhos
de serra em serra na sombra
Em plena montanha pétala
passo a passo até aos píncaros
perfeitamente perdida
Em plena nuvem ebúrnea
enrolada subterrânea
sombra a sombra entre címbalos
Em pleno, implementada
na planta dos pés fincados
n’água da cascata cúbica
III
Pertenço a uma espécie rastejante
mas o solo que raso é o mais limpo:
as asas recolhidas no meu dorso
marfilíneo, a marginar um ovo mágico
Pertenço a uma espécie delirante
com lírios nos cabelos de corsário
e livros de leitura muito bíblica
e laivos de lisérgica pesquisa
Pertenço a uma espécie de poeta
emplumada d’impulsos e de pedra
IV
Plumas de papel
escrito dos dois lados
com profundas rasuras
que atravessam os poros
Plumas que semeiam
um jardim de pombos
a florir planctôn
na flotilha dos teus ombros
Plumas perpétuas:
buganvílias
em antigas telefonias
a ecoar bigornas
Plumas, palácios
de causas de carvão
calculadas nos mínimos
pormenores de som
V
Pedra polida na
superfície branca
pela aresta viva
de faca almofadada
Pedra perfeita na
cavidade negra
completamente em
brasa estereofónica
Pedra de pranto, pedra
de precipício cristalino
aonde se amarinha
em caso d‘erro próprio
Ritual análogo / António Barahona; extratextos de Catarina Baleiras.
1.ª edição. Lisboa: Rolim, 1986. pp. 34-38
CURSO DE INTRODUÇÃO ÀS GRANDES RELIGIÕES (entrada livre)
7 de Abril - Hinduismo
Saroj Parshotam
14 de Abril - Budismo
Paulo Borges
28 de Abril - Judaismo
Alan Hyat
5 de Maio - Cristianismo
Fr. Bento Domingues
12 de Maio - Islamismo
Sheik David Munir
19 de Maio - Fé Bahá’i
Ivone Félix Correia
Das 18,30 às 20,00h
Contactos: Manuel Lancastre: 91.450.5775 / luisa.lancastre@gmail.com
Centro Nacional de Cultura
Rua António Maria Cardoso, 68, ao Chiado (Lisboa)
ENTRADA LIVRE
...
O diálogo entre culturas e religiões é reconhecidamente um dos grandes desafios do mundo actual e das nossas sociedades multiculturais e multi-religiosas, dependendo dele que a globalização económica e tecnocientífica se acompanhe da promoção de uma cultura da compreensão, da paz e da fraternidade à escala planetária.
Verifica-se, todavia, que tradicionalmente as grandes tradições religiosas não privilegiaram o conhecimento mútuo e o diálogo entre si, não acompanhando as mutações sociais e mentais nem os progressos de disciplinas como a História, a Filosofia e as Ciências das Religiões, que parecem mostrar que as religiões não surgem e não existem como entidades independentes e separadas, participando antes de uma profunda interacção que faz com que o aprofundamento do conhecimento de uma implique o conhecimento de outras.
Esta situação reflecte-se nos encontros inter-religiosos, onde – apesar da boa vontade dos intervenientes, que dão o passo extremamente positivo de se juntarem para se ouvirem – se sente que há ainda um grande desconhecimento da religião que cada um professa e pratica, o que torna difícil aprofundar o diálogo e a compreensão mútua. Isto torna-se particularmente sensível em Portugal, onde, por vários motivos e em contraste com a nossa experiência histórica, não tem havido um grande investimento no conhecimento da diversidade cultural e religiosa do mundo.
Por estas razões tomámos a iniciativa de realizar um Curso de Introdução às Grandes Religiões, onde responsáveis e praticantes das seis grandes tradições religiosas exponham os fundamentos históricos, espirituais e doutrinais das vias religiosas que seguem e as suas singularidades mais salientes. Pretende-se com isto dar a conhecer as grandes religiões, não só naquilo que as faz convergir, mas também naquilo que as diferencia, sem que as separe.
Cremos ser urgente ultrapassar o medo e o incómodo de nos confrontarmos com a diferença no plano religioso e ser apenas o conhecimento das diferenças que permite compreender, aceitar e respeitar plenamente o outro como outro, além de nos permitir esclarecer e aprofundar mais o sentido das nossas próprias experiências e opções espirituais e religiosas. Cremos ser a partir de um sólido conhecimento dos fundamentos da diversidade religiosa que se torna possível estabelecer a base de um verdadeiro diálogo inter-religioso e reconhecer o que afinal não deixa de unir as religiões e fazer delas os ingredientes da maravilhosa polifonia do humano na busca e no encontro do divino ou inefável.
A Comissão Organizadora
Saroj Parshotam (Comunidade Hindu de Portugal)
Paulo Borges (União Budista Portuguesa)
José Carp (Comunidade Israelita de Lisboa)
Manuel Lancastre (Comunidade Mundial de Meditação Cristã)
Sheik David Munir (Comunidade Islâmica de Lisboa)
Ivone Félix Correia (Comunidade Bahá’i de Portugal)
Uma iniciativa com o apoio da revista Cultura ENTRE Culturas:
arevistaentre.blogspot.com
fome, desgraças, doenças raras e outras negações
Atirem-me para o lado mais negro da vida
e soltem os caninos a sorrir
Atirem-me à cara a Língua Portuguesa,
a gramática inteira, enciclopédias, S. Ciprianos,
e que o poema me saia num vómito
e a minha alma se magnifique com o estrondo!
Ó palavras minhas, como vos hei-de entender
se eu próprio me perdi na origem?
Ó palavras humanas, tão cheias de carne,
como pegar na caneta sem me aterrorizar?
Sempre ouvi dizer que o poema tem de sofrer
que em cada verso o chão treme e sisma em enlouquecer
por isso abram portas às colmeias quando eu por lá passar!
Fazer um poema como se faz um filho à mulher amada
diante do altar não é pecado; já muitos me vieram contar
...mas a mim falta-me o à-vontade.
A inspiração é um redemoinho sempre ligado à cabeça,
torna-nos loucos,
a ganhar ramagem entre os dentes e os dedos.
Pergunto: como fazer um poema sem perder a erecção?
Como dizer ao mundo que sou poeta se nunca chupei a teta à poesia?
Ó palavras altas, tesas, ardentes, vinde com trinta olhos,
trinta sóis apontados,
tenho o compromisso de terminar este poema
a minha morte é já acolá
E ainda tenho uma estrela para devorar
Preciso de escurecer,
tenho pássaros e peixes algures entre os rins e o coração,
que, se lhes faltar o pasto, ó meu deus,
se lhes faltar o pasto,
ficarei entregue e exposto ao mundo das coisas,
apostando tudo numa última reza.
segunda-feira, 5 de abril de 2010
domingo, 4 de abril de 2010
Não se entenderia com a linguagem dos Homens,
Cegos e surdos,
Em veredas (des)amparados.
Pedaços de mim lançam-se por esse Mundo incógnito,
Soltos,
Completamente soltos
Como se o puzzle a que um dia pertenceram
Se tivesse desfeito, para sempre,
Na anarquia caótica dessas gentes que escondem
Os sorrisos de gratidão,
As lágrimas de felicidade,
Os aplausos, a um só ritmo,
Que não soam mais nos timbres da harmonia
Dos tambores da Paz e da Justiça
Que, outrora, me consolavam a Alma,
Viandante,
Que parte e fica num mesmo lugar,
Num outro e mesmo lugar qualquer,
Algures perdido na imensidão do Universo.
Ah, se encontrasse, um dia, esse meu topos,
Esse lugar natural que me foi destinado,
Esse espaço só do Tempo e só do Espaço,
Apenas para mim guardo,
Só para mim colhido e não para mais ninguém!
Mas a podridão dos sentires putrefactos
Sempre se eleva,
Sempre fala mais alto
Pelas aquelas vozes ignóbeis
Da maledicência propositada.
Isabel Rosete
PÁSCOA
"Minha aldeia na Páscoa...
Infância, mês de Abril!
Manhã primaveril!
A velha igreja.
Entre as árvores alveja,
Alegre e rumorosa
De povo, luzes, flores...
E, na penumbra dos altares cor-de-rosa .
Rasgados pelo sol os negros véus.
Parece até sorrir a Virgem-Mãe das Dores.
Ressurreição de Deus!
Em pleno azul, erguida
Entre a verde folhagem das uveiras.
Rebrilha a cruz de prata florescida...
Na igreja antiga a rir seu branco riso de cal.
Ébrias de cor, tremulam as bandeiras...
Vede! Jesus lá vai, ao sol de Portugal!
Ei-lo que entra contente nos casais;
E, com amor, visita as rústicas choupanas.
É ele, esse que trouxe aos míseros mortais
As grandes alegrias sobre-humanas.
Lá vai, lá vai, por íngremes caminhos!
Linda manhã, canções de passarinhos!
A campainha toca: Aleluia! Aleluia!
Velhos trabalhadores, por quem sofreu Jesus.
E mães, acalentando os filhos no regaço.
Esperam o COMPASSO...
E, ajoelhando com séria devoção.
Beijam os pés da Cruz."
Teixeira de Pascoaes
sábado, 3 de abril de 2010
LÍNGUAS
12 Razões pelas quais vou à Marcha-Protesto contra a tauromaquia e todos os maus-tratos aos animais, 10 de Abril, às 14h, no Campo Pequeno
12 Razões pelas quais vou participar na Marcha-Protesto contra a tauromaquia e todos os maus-tratos aos animais, no próximo dia 10 de Abril, pelas 14 h, com início no Campo Pequeno
No dia 10 de Abril vou sair à rua porque:
1. Sinto ser fundamental dever de todo o ser humano ser solidário com todos os seres sencientes, em especial os que mais sofrem e os mais indefesos, humanos ou não-humanos.
2. Considero o especismo - a discriminação, opressão e instrumentalização de seres de espécie diferente - tão repugnante e injustificável como o racismo, o esclavagismo e o sexismo. E estou farto de viver num mundo onde se considera normal que um número imenso de seres, iguais a mim na capacidade de sentirem dor, prazer e emoções, seja quotidiana, sistemática e desnecessariamente sacrificado para a alimentação, o vestuário e o divertimento cruel dos humanos. Estou farto de viver num mundo de holocausto encoberto e silenciado.
3. Considero que a luta pela libertação dos animais é inseparável da luta pela libertação dos homens de todas as formas de opressão e exploração e que podem e devem ser travadas em simultâneo.
4. Considero que lutar pelos direitos dos animais torna os homens melhores, mais conscientes, sensíveis e generosos, individual e colectivamente.
5. Considero que maltratar os animais ofende não só as vítimas mas também os agressores, no mínimo degradando-os enquanto seres humanos. Conforme vários estudos demonstram, violentar os animais predispõe para violentar os humanos. Saio portanto à rua pelo bem de todos, vítimas e agressores, num espírito não-violento.
6. Quero melhorar o meu país e o mundo e lutar para que em Portugal os animais deixem de ser considerados objectos pelo Código Civil. Quero que o seu direito à vida e ao bem-estar seja reconhecido pela lei e que os atentados contra eles sejam efectivamente punidos.
7. Estou farto de viver num país onde, havendo tantas causas nobres e urgentes pelas quais lutar, humanitárias, animalistas e ecológicas, só vejo as multidões moverem-se para encher centros comerciais, estádios de futebol e ouvirem candidatos políticos que, mal eleitos, fazem precisamente o contrário do que prometeram. E estou farto de ver outras multidões aparvalharem-se em frente a programas de televisão medíocres ou distraírem-se das necessidades alheias com prazeres egoístas.
8. Estou farto de viver num país onde todos criticam tudo, mas poucos tomam a iniciativa de serem a diferença que desejam para o mundo. E respeito mas não aceito justificações espirituais e intelectuais para não se agir também no exterior, como se interior e exterior, ou conhecimento e acção, estivessem separados.
9. Acho inadmissível, enquanto cidadão, professor, escritor e agente cultural, que a tauromaquia seja promovida no Conselho Nacional de Cultura, com o dinheiro dos contribuintes, só porque a actual ministra é uma aficionada e leva os seus perniciosos gostos pessoais, bem como os interesses de um lobby minoritário, contrários à sensibilidade da maioria da população, para o exercício de um alto cargo público. Acho escandaloso e um autêntico insulto que a arte de torturar seres pacíficos e indefesos seja equiparada à actividade de todos aqueles que promovem a evolução das mentalidades criando beleza e aumentando a inteligibilidade do mundo.
10. Aprendi com Buda, São Francisco de Assis, Antero de Quental, Gandhi, Agostinho da Silva e o XIV Dalai Lama, entre muitos outros, que todos os seres são igualmente dignos de amor e compaixão e, também como membro e representante da União Budista Portuguesa, da Associação Agostinho da Silva, do Movimento Outro Portugal e do Partido pelos Animais, quero ser fiel ao que tão ilustres mestres e professores me ensinaram.
11. Reconheço a minha imperfeição e quero tornar-me um ser humano melhor, sabendo que não basta vir um dia para a rua, mas que isso é um testemunho fundamental para que o poder político, os órgãos de comunicação social e a opinião pública saibam que há quem não se conforme e que as vítimas mudas e indefesas têm uma voz que as defende.
12. Saio à rua no dia 10 de Abril porque estou farto de viver num país e num mundo dominados por todos os tipos de lobbies, à excepção de um, que quero ajudar a criar: o lobby da consciência ética, da sensibilidade, do amor e da compaixão, que nos faça decidir sempre em prol do bem comum de todos os seres e do equilíbrio ecológico. E saio à rua no dia 10 de Abril porque sei que estas e/ou outras são as tuas razões, amiga/amigo leitor(a), e que lá te encontrarei para caminharmos lado a lado por um mundo melhor para todos, humanos e não-humanos.
Paulo Borges
Lisboa, 3 de Abril de 2010
Boa Páscoa/Passagem! Boa Morte-Ressurreição!
Uma questão de cultura (ainda a tauromaquia)
Mas estes desfasamentos não sucedem só em agrupamentos humanos que, por qualquer motivo, foram marginalizados do processo histórico. No interior da era coabitam outras eras. No tempo presente coexistem tempos passados. Certos rituais, tradições e comportamentos primitivos, apesar de claramente anacrónicos, persistem nas nossas sociedades desenvolvidas. É o caso exemplar das touradas.
Só na aparência se trata de um tema polémico. Na verdade, não há nenhuma polémica, nem nada digno de debate. O assunto é claro e evidente para toda a gente. Trata-se de um ritual retrógrado que não faz qualquer sentido, nem tem nenhuma justificação, na sociedade contemporânea. Recorde-se que já D. Maria II, em meados do século XIX, decretou a sua proibição por considerar "que as corridas de touros são um divertimento bárbaro impróprio de Nações civilizadas". Pelo menos há dois séculos que as touradas são um sinal de atraso e incivilização.
Todas as pseudo discussões sobre a preservação dos touros, se estes sentem dor ou não, a importância económica da atividade, a defesa da tradição, etc., nada acrescentam ao essencial e cristalino. A tourada é um espetáculo selvagem e criminoso. Ponto final parágrafo.
Muitas outras tradições têm sido abandonadas por serem indignas da condição do homem atual. Caminhamos para o reconhecimento dos direitos dos animais. Caminhamos para uma maior consciência da partilha do planeta com outras formas de vida. Caminhamos até para um sentido de cooperação e não de exploração e extermínio das outras espécies e da própria natureza. Os anacronismos que ainda persistem combatem-se com leis civilizadoras assentes, precisamente, na evolução e consenso cultural. Ou seja, a cultura, em sentido lato e específico nas suas várias vertentes humanizadoras, tem nestes assuntos um papel decisivo. É através dela que se promove o esclarecimento, a educação e uma visão mais avançada sobre o tempo em que nos foi dado viver. A cultura não é isenta, nem irresponsável. Estamos todos implicados.
Ora essa responsabilidade não pode deixar de estar presente a nível governativo. Do Ministério da Cultura espera-se um claro empenhamento na modernização geral do País e dos cidadãos. A par do desenvolvimento das novas tecnologias e novas aptidões, com grande incidência nos planos tecnológicos e nos programas dos Ministérios da Ciência e da Economia, seria de esperar uma participação não menos ativa do Ministério da Cultura na qualificação civilizacional dos portugueses. Ora, infelizmente, não é isso que se passa. Portugal não tem tido nenhuma sorte com os sucessivos ministros da cultura.
Ao incluir uma secção especializada dedicada à tauromaquia no recém criado e pomposo Conselho Nacional da Cultura, a Ministra Gabriela Canavilhas mostra, desgraçadamente, que ainda não é desta que temos à frente do ministério alguém que já viva no século XXI. Em vez de contribuir para a evolução positiva do País, com este gesto incongruente a ministra envia sinais de atavismo e tradicionalismo que só podem reforçar ainda mais o nosso atraso.
Não cabe exigir demissões. Esta gente passa e só deixa um rasto de irrelevância. Mas fica claro que continuamos a nada poder esperar de um ministério que devia dar o exemplo e ajudar a melhorar o nível cultural dos portugueses. A cultura, a verdadeira, continuará a ser desenvolvida noutros lugares.
- Leonel Moura, Jornal de Negócios Online, 26 de Março de 2010