terça-feira, 6 de abril de 2010

Vinde a mim com coragem, atirai-me toda a vossa cólera,
fome, desgraças, doenças raras e outras negações
Atirem-me para o lado mais negro da vida
e soltem os caninos a sorrir
Atirem-me à cara a Língua Portuguesa,
a gramática inteira, enciclopédias, S. Ciprianos,
e que o poema me saia num vómito
e a minha alma se magnifique com o estrondo!

Ó palavras minhas, como vos hei-de entender
se eu próprio me perdi na origem?

Ó palavras humanas, tão cheias de carne,
como pegar na caneta sem me aterrorizar?

Sempre ouvi dizer que o poema tem de sofrer
que em cada verso o chão treme e sisma em enlouquecer
por isso abram portas às colmeias quando eu por lá passar!

Fazer um poema como se faz um filho à mulher amada
diante do altar não é pecado; já muitos me vieram contar
...mas a mim falta-me o à-vontade.

A inspiração é um redemoinho sempre ligado à cabeça,
torna-nos loucos,
a ganhar ramagem entre os dentes e os dedos.

Pergunto: como fazer um poema sem perder a erecção?
Como dizer ao mundo que sou poeta se nunca chupei a teta à poesia?

Ó palavras altas, tesas, ardentes, vinde com trinta olhos,
trinta sóis apontados,
tenho o compromisso de terminar este poema
a minha morte é já acolá
E ainda tenho uma estrela para devorar
Preciso de escurecer,
tenho pássaros e peixes algures entre os rins e o coração,
que, se lhes faltar o pasto, ó meu deus,
se lhes faltar o pasto,
ficarei entregue e exposto ao mundo das coisas,
apostando tudo numa última reza.

3 comentários: