terça-feira, 6 de abril de 2010

Serpente emplumada

I

A serpente emplumada
vive na caverna
e, no ar plúmbeo,
pulveriza com um silvo
a pulseira de silêncio

E compõe a jarra
num arranjo:
destaca uma pluma de
pavão no conjunto floral

II

Em plena noite cerrada
semi-cerrados os olhos
de serra em serra na sombra

Em plena montanha pétala
passo a passo até aos píncaros
perfeitamente perdida

Em plena nuvem ebúrnea
enrolada subterrânea
sombra a sombra entre címbalos

Em pleno, implementada
na planta dos pés fincados
n’água da cascata cúbica

III

Pertenço a uma espécie rastejante
mas o solo que raso é o mais limpo:
as asas recolhidas no meu dorso
marfilíneo, a marginar um ovo mágico

Pertenço a uma espécie delirante
com lírios nos cabelos de corsário
e livros de leitura muito bíblica
e laivos de lisérgica pesquisa

Pertenço a uma espécie de poeta
emplumada d’impulsos e de pedra

IV

Plumas de papel
escrito dos dois lados
com profundas rasuras
que atravessam os poros

Plumas que semeiam
um jardim de pombos
a florir planctôn
na flotilha dos teus ombros

Plumas perpétuas:
buganvílias
em antigas telefonias
a ecoar bigornas

Plumas, palácios
de causas de carvão
calculadas nos mínimos
pormenores de som

V

Pedra polida na
superfície branca
pela aresta viva
de faca almofadada

Pedra perfeita na
cavidade negra
completamente em
brasa estereofónica

Pedra de pranto, pedra
de precipício cristalino
aonde se amarinha
em caso d‘erro próprio

Ritual análogo / António Barahona; extratextos de Catarina Baleiras.
1.ª edição. Lisboa: Rolim, 1986. pp. 34-38

3 comentários:

  1. Belo poema do António Barahona, talhado para este espaço!

    Um abraço!

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  2. RUI

    grato pelo festival de poesia viva. Não entendi de quem: de António Barahona?
    Maravilha
    delirante/com lírios nos cabelos.
    Deliriante?

    Venha mais
    abraços

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  3. Para aumentar a minha confusão:

    Edição Rolim -1986. De Loy Rolim?
    Abraço a ti, Beijinho a LOY

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