O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


sábado, 26 de julho de 2008

Poema para Eugénio

Os poetas também morrem,
Mas morrem mais devagar do que nós.
A voz que foi a deles fica como uma baba, um cuspo,
Ou uma seiva que ainda anda a ser folha
Em qualquer parte,
Para além do bicho e da seda.

A morte dos poetas
É qualquer coisa que continua a ser árvore
Mesmo depois da raiz ou para além dela.
É uma forma que continua a ser corpo
Em qualquer espaço
Onde o vento se mova;

Onde haja musgo ou água
Ou fruto que se trinque
Para além do sabor e da semente,
Para além da boca que a morde
E continua sabor para além dela
Para além da mesma morte

A morte do poeta começa muito antes
Da noite e do dia da nossa mesma morte.
Agora morre o Eugénio
Amanhã haverá menos verde
Na relva que há amanhã.

A morte dos poetas é uma ficção nossa
Como a vida é uma ficção de poetas.


13-06-05

2 comentários:

Semente disse...

Poema maravilhoso!
Adorei!

A verdade das palavaras que os poetas nos deixam e amentira e a ilusão e arealidade ilusionada, muito para além da morte e da vida. Muito para além dos que lhes sucede, a essas palavras a esses sentimentos.

Obrigada pelas lindas palavras escolhidas.

Anónimo disse...

Sereia,

Agradeço os cantos e as imagens que nos aproximam do seu mundo... Os lugares, os afectos. Escuto a sua voz, mesmo sem a ter ainda comentado, ela já se inscreveu na memória do grande texto para escutar. Obrigada pela partilha. Dê saudades ao mar, quando mergulhar, saúde os peixes, as plantas e as grutas do seu mundo, por mim, diga-lhes que não tardo.

Saudades