O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


quinta-feira, 3 de julho de 2008

Labirintos

Esta é a história de Ariadne, filha de Minos, a história de uma mulher apaixonada. Teseu, bravo herói, ouviu falar a pitonisa e partiu em direcção ao labirinto. Na manhã anterior, aurora antiga, de um passado de tributos , Teseu olhou o céu e viu, em futuras visões que só aos heróis é dado ver, a coroa de estrelas que no futuro firmamento lá brilhava. Não conhecia ainda a bela princesa.
No braço armado da coragem, a lança brilha no escuro e no peito o Amor de Ariadne indica-lhe o caminho. O homem segura o fio de lã da idade do cordeiro e entrega a mulher nos braços de Dionísio. Deixada na ilha, Ariadne vem a esposar Dionisos, seu consolador desses dias de tristeza e abandono. Foi aí, e só aí, que a coroa antevista por Teseu foi lançada em pedras de brilhar para a escritura do céu, onde ainda hoje permanece, encostada a Hércules e ao Homem que segura a Serpente. Mas, paras isso, Ariadne tivera que morrer. A Senhora dos Labirintos é a guardadora da janela dos tempos. A pastora do tempo dos cordeiros. Mulher dançante e extasiada, conhecedora do caminho dos chakras. Conheceu Sileno e as figuras do s mundos vedados, nos seus rituais de iniciação. Sempre deixando as vestes em cada descida e renascendo numa nova pele. Finalmente, recebe o cesto com a oferenda da viril virtude masculina. Depois, uma deusa alada sobre ela abate o chicote que Ariadne aceita humildemente. Por fim, a mãe recebe no seu colo de consolação a lágrima da mulher.
Agora, enfeitada e adornada, a mulher olha-se no espelho de Eros. É a esposa de Dionísio outra rainha, antes princesa de Teseu amada. Foi o Amor/iniciação que transformou Ariadne na mulher liberta em si da figura do herói, mas integrando nela a força criadora resultante dessa união. Estamos sempre a tempo de nunca entrar no labirinto. Mas só entrando nele, dele nos libertamos.

27 comentários:

Unknown disse...

Que labirinto é esse?

Anónimo disse...

Devolvo-lhe a pergunta, Anita.Que labirinto será esse?

Unknown disse...

:)
Do desencontro com a vida, consigo... que nos leva a conviver entre opostos, os quais imaginatoria-mente o homem separa sem dar conta...
O labirinto mental, de complicar o óbvio... para mim é o que se me apresenta mais.

Paulo Borges disse...

Muitas vezes o óbvio também é o que ob-via, o que, estando aí, presente diante de nós, nos detém e se converte num ob-stáculo na via, no caminho... impedindo-nos de seguir em frente ou de ir mais fundo... impedindo-nos de encontrar o fio de Ariadne e de sair do labirinto...

Unknown disse...

O óbvio, real, ou o que se pensa como óbvio?

Anónimo disse...

O labirinto...os labirintos só na aprência são obstáculos que se apresentam fora de nós. Os labirintos somos nós esquecidos que somos caminho. Se não entrarmos neles, nunca saberemos olhar o espelho e reconhecermos nele o Outro em nós.
Sem Teseu, Ariadne não saberia entregar-se a essa descoberta em si. Sem Ariadne, o minotauro teria vencido... Se Ariadne não ficasse na ilha, não teria amado o deus nem aprendido a dançar...
O labirinto tem inúmeras possibilidades, apresenta-se como o contrário do espelho,sendo um espelho. Assim falou o oráculo de Delfos da necessidade do Amor ou do coração puro...

Paulo Borges disse...

Qual a diferença entre o que é real e o que se pensa como tal, qual a diferença entre ser e pensar ? Estabelecê-la é a dualidade. "O mesmo há para ser e ser pensado", diz Parménides. Ser e pensar são dois modos, um só na comum ilusão, de experimentar o "mesmo", que não é ser nem pensar - assim o vejo/experimento eu.

O labirinto é pensar que há caminho e caminhante, origem, destino e sentido. Mas, enquanto o pensarmos, nele se jogam todos os possíveis. Incluindo o de abrir mão de tudo isso e (n)o(s) desvanecermos.

Unknown disse...

A diferença é que um se vê, e o outro não, um é real, o outro não...
Que temos um livro nas mãos a que chamamos vida: pensá-lo é lê-lo, senti-lo é vivê-lo.
O homem adulto coloca à frente de viver a vida, lê-la, por isso, fica num estado dormente, sério. Prefere ser leitor a personagem, escritor a actor, dormido a acordado, morto a vivo. Esqueceu-se que vive, porque se inicia lendo, sonhando; esqueceu-se que está a viver uma história já escrita, dentro da qual só outra, por ele criada, se pode ler.
(E logo vai o sermão sonhado...) ;)

Unknown disse...

(longo)
O adulto vive a brincar à vida, pois pensa-a - imagina-a. A criança vive a sério, sente-a.

Paulo Borges disse...

Nunca vi adulto algum
Nunca vi nenhuma criança
Apenas mentes em metamorfose
nos passos de eterna dança

Pois a criança já foi adulto
e mais velha que ele se torna
tal como o adulto criança será
quando de túmulo em berço se orna

Unknown disse...

Pensando a vida, consigo entender... sentindo, não. É esse o eterno defeito da minha criança: só me sou sentindo.

Unknown disse...

(só me faz sentido sentir - a ponte que deixa de ser de tédio entre mim e o Outro)

Paulo Borges disse...

Nunca pensei
Nunca senti
Cisão entre ambos
Jamais vi

Como pensar sem sentir ?
Como sentir sem pensar ?
Fazer de um dois
é esculpir estátuas no ar

Unknown disse...

De acordo. Mas um deles contém o outro; um é princípio e fim, outro é apenas meio.
Jamais viu cisão porque Viu, sentiu a união. ;)

Unknown disse...

(a união da luz, do Dia da sensação).

Unknown disse...

o sentir é, ele próprio, a síntese do tudo e do nada, do pensar e do sentir, do ser e do estar; une os antagónicos, superando-os.

Unknown disse...

(ou como o amor em relação a si mesmo)

Unknown disse...

Mãe e pai são opostos, mas é a mãe que contém, em si, o filho - como sentir e pensar são opostos.

Paulo Borges disse...

Nada que seja algo
uma coisa e outra supera
Nada que se pense e diga
o sabor dá da infinita esfera

Nada a unir e superar há
os contrários são bola de sabão
Conceitos e palavras conversa fiada
Dançar no abismo com os pés no chão

Unknown disse...

A mulher supera-se a si mesma quando mãe, o sentimento supera-se a si mesmo quando amor.

Anónimo disse...

É isso meso, Paulo, o labirinto, «dançar no abismo».

Anita:

Agarrar uma certeza
seja de sentir ou ser
é ilusão
ser
homem ou mulher
sentir ou ver
infante ou adulto
tudo é transformar
Nada fica
Tudo se dissolve
Até a afirmação
e a negação.

Unknown disse...

Querer agarrar uma certeza através do pensamento é ilusão, sim - já agarrar com a mão uma pedra não.
É isso que quero agarrar, o "agarrável". :) O sentir.

Paulo Borges disse...

Anita, Anita,
medito em Pali teu nome:
"Anicca", impermanente; "Anatta", não Si -
Como vês tudo se some !

Silva em Latim é "selva"
e também "multidão":
que queres tu haver
que não seja turbilhão ?

Desgarra-te de agarrar
solta o pé, abre a mão
Deixa lá o Caeiro
a sentir com a razão

Unknown disse...

eheh tudo é assim, deveras...
inconstante e diluída na multidão...
mas nunca senti tanto, como agora,
com o coração. Mesmo que seja escrevendo, escrevo-o inteiramente, eu.

Unknown disse...

a criança que era espreita-me por detrás destas letras... :)

Unknown disse...

O sentir engloba tanto a sensação física quanto o sentimento que une essa sensação ao pensamento: o sentimento é tanto a mãe quanto o filho, é a Aliança.

Unknown disse...

A sensação supera-se a si mesma quando sentimento - pelo amor.