O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


terça-feira, 23 de agosto de 2011

A onda, a água e o fundo do ser



“Olhemos para uma onda na superfície do oceano. Uma onda é uma onda. Tem um princípio e um fim. Pode ser alta ou baixa, mais ou menos bela do que outras ondas. Mas uma onda é, ao mesmo tempo, água. Água é o fundo do ser da onda. É importante que uma onda saiba que é água e não apenas uma onda. Nós, também, vivemos a nossa vida como um indivíduo. Cremos ter um princípio e um fim, cremos estar separados dos outros seres vivos. É por isso que o Buda nos aconselhou a olhar mais profundamente a fim de tocarmos o fundo do nosso ser, que é o nirvana. Tudo leva profundamente a natureza do nirvana. Tudo foi “nirvanizado”. Esse é o ensinamento do “Sutra do Lótus”. Olhamos profundamente e tocamos o tal qual da realidade. Olhando profundamente o íntimo de um seixo, de uma flor ou da nossa própria alegria, paz, aflição ou medo, tocamos a dimensão última do nosso ser e essa dimensão revelar-nos-á que o fundo do nosso ser tem a natureza do não-nascimento e da não-morte.

Não temos de “atingir” o nirvana, porque nós mesmos residimos sempre no nirvana. A onda não tem de procurar água. Ela já é água. Somos um com o fundo do nosso ser. Uma vez que a onda reconheça ser água, todo o seu medo se desvanece. Uma vez que toquemos o fundo do nosso ser, uma vez que toquemos Deus ou o nirvana, também recebemos o dom do não-medo. O não-medo é a base da verdadeira felicidade. O maior dom que podemos oferecer aos outros é o nosso não-medo. Viver profundamente cada instante da nossa vida, tocar a mais funda dimensão do nosso ser, é a prática de prajña paramita. Prajña paramita é ir para além pela compreensão, pela visão profunda”

- Thich Naht Hanh, “The heart of the buddha’s teaching”, Londres, Rider, 1998, pp.211-212.

1 comentário:

rmf disse...

'temos de', 'temos que', 'temos', por certo expressões que de alguma limitam a acção, concomitantemente.
No fundo, quando as proferimos, estamos a adiar essa mesma concretização, e por vezes o que frequentemente pode ocorrer, é a não realização do que se projecta ou idealiza, do que se pretende quando se deseja.

Essa ideia, creio, ressalta e de que forma deste belíssimo ensinamento. E tudo o mais em que ele se espelha.

Só hoje li esta passagem, "A onda, a água e o fundo do ser". Em boa hora!

Abraços, grato