quarta-feira, 30 de junho de 2010

A verdadeira via de eros

«Na verdade, a Torá deixa escapar uma palavra, e emerge um pouco do seu invólucro e depois torna a esconder-se. Mas procede assim somente com os que a conhecem e lhe obedecem. Pois a Torá parece-se com uma bela e formosa donzela, escondida numa câmara reclusa de seu palácio, e que tem um namorado secreto, desconhecido de todos. Por amor à donzela, ele vive passando à porta da casa dela, olhando para cá e para lá, à procura dela. Ela sabe que o bem-amado ronda o portão da sua casa. O que é que ela faz? Abre a porta da sua câmara reclusa, um pouquinho só, e por um momento revela o rosto ao bem-amado, porém logo o esconde de novo. Estivesse alguém com o amado, nada veria e nada perceberia. Só ele a vê e ele é atraído por ela com o coração e a alma e todo o seu ser, e ele sabe que por amor a ele, ela se lhe mostrou por um instante, ardendo de paixão por ele. Assim acontece com a palavra da Torá, que se revela somente aos que a amam. Assim a Torá se desvela e se esconde, e emerge em amor pelo seu amado e desperta o amor nele». (Zohar in Gershom Scholem, "A cabala e o seu simbolismo")
«O que interessa não é o que se dá - pérolas, santidade e amor - nem a quem se faz a oferenda; não é essa a questão. A questão é simplesmente dar. Quando tiver algo, dê.»

Osho

Resposta às calúnias e insultos de que sou alvo na página de Fernando Nobre no Facebook, por membros do MIL

Olhe, Pires, já que me ataca publicamente e sempre pelo mesmo motivo, tenho a dizer-lhe o seguinte, supondo que seja dos meus inimigos aquele que ainda tem alguma capacidade de escuta: certamente que tenho todos os defeitos de que me acusa e mais ainda, mas de uma coisa pode estar certo - como sabe quem me conhece, o que não é o seu caso, defendo apaixonadamente os meus ideais e as minhas causas, contra todas as conveniências pessoais, como se constata ao expor-me aqui publicamente. E no fundo de que me acusa? De me ter fartado de ser insultado por ser budista, vegetariano e defensor dos animais num blogue, o da Nova Águia, de que era um dos administradores e por um grupo de pessoas que estavam ali convidados? De ter usado um pseudónimo num blogue que era um autêntico baile de máscaras, usando-o para responder à altura a outros pseudónimos e para atacar a todos, incluindo a mim próprio? Se guardou tudo, pode ver que não me poupei num exercício de auto-ironia que considero muito salutar. É claro que fui injusto e errei muitas vezes, mas porque só fala de mim? Já não se lembra dos palavrões, insultos e enxovalhos com que o seu agora amigo "Bar do Ossian", sob o pseudónimo de Klatuu, desancava toda a gente que se atrevia a discordar dele? Já não se lembra como foi tratado o Rui Martins e a sua amiga Isabel, entre muitos outros? Já não se lembra do que então você próprio dizia sobre ele? E já não se lembra do que era aquele blogue, com elogios do Renato ao Marcelo Caetano, posts favoráveis ao Hitler (estes apagados pelo Renato, verdade seja dita) e insultos constantes a quem se atrevia a discordar dos amigos e amigas góticos do Klatuu / Bar do Ossian? E este, ingrato, já não se lembra de como no início o defendi contra todos os que na Comissão Coordenadora do MIL o queriam pura e simplesmente expulsar do MIL e do blogue? O Renato e o Rui Martins sabem que isto é verdade. Tudo em nome da concórdia num projecto em que sinceramente acreditei e a que dei o melhor de mim durante dois anos tentando ser equidistante das facções em conflito. Porque só fala então de mim? Porque me fartei, apaguei um post seu em que mais uma vez me insultava e expulsei do blogue um grupo que não respeitava o anfitrião? Ou é por eu ser budista, vegetariano e defensor dos animais, coisa que o meu amigo não suporta, tal como o Renato e o Klatuu/Bar do Ossian? Mas, já que se diz um homem de esquerda, deve saber que esta é uma opção legítima numa sociedade livre e que aumenta a cada dia o número dos que fazem a mesma opção, que tanto irrita os seus hábitos alimentares. Olhe, Pires, sinceramente não vos quero mal e ainda bem que agora são todos amigos. Unam-se, sejam felizes e digam o que quiserem de mim. Agora eu estou no meu direito de achar e dizer que o MIL se desviou do seu projecto inicial, que era bem mais amplo e generoso, como está consagrado na sua Declaração de Princípios e Objectivos, por mim redigida. Se vir com atenção, fala-se mesmo lá no respeito pelos direitos de todos os seres vivos. Mas isto, para vocês, é letra morta. E está muito enganado ao dizer que eu usei o MIL e a Nova Águia para me promover: o contrário é a verdade. Foi o MIL que, enquanto eu lá estive, sempre usou a minha imagem social e académica para se credibilizar: o Renato fazia questão de colocar em todos os comunicados que eu, professor na Universidade de Lisboa, era o presidente. O que vocês não suportam é que eu tenha colocado um projecto ecológico e de defesa dos animais acima de uma visão estreita de Portugal e da Lusofonia. Como não suportam que eu denuncie o oportunismo de uma colagem a esta candidatura. Pode não ser o seu caso, mas o que digo aplica-se a muita gente. Eu não preciso de me colar a nada. Partilho com o Dr. Fernando Nobre, desde há muito, uma comum admiração por Agostinho da Silva e pelo Dalai Lama, personagem para muitos de vocês execrável.
Passem bem.

-oferta-



Quero a fome de calar-me.
O silêncio. Único
Recado que repito para que me não esqueça.
Pedra,
Que trago para sentar-me no banquete.

A única glória no mundo - ouvir-te. Ver
Quando plantas a vinha,
Como abres a fonte, o curso caudaloso
da vergôntea -a sombra com que jorras do rochedo.

Quero o jorro da escrita verdadeira,
A dolorosa chaga do pastor,
Que abriu o redil no próprio corpo e sai
Ao encontro da ovelha separada. Cerco,
Os sentidos que dispersam o rebanho.
Estendo as direcções,
Estudo-lhes a flor -várias árvores cortadas
Continuam a altear os pássaros.
Os caminhos seguem a linha do canivete nos troncos

As mãos acima da cabeça adornam
As águas nocturnas -pequenos nenúfares celestes.
As estrelas como as pinhas fechadas caem - quero fechar-me e cair.
O silêncio Alveolar expira e eu,
Estendo-as sobre a mesa da aliança.

Daniel Faria, Quero a fome de calar-me

terça-feira, 29 de junho de 2010

Fonética, vocalização

É o fim,
do coro em uníssono da vuvuzela.
Nada é o bastante
-----
na matemática dos loucos 2 + 2 = Àrvore
-----
qualquer rio tem horas que é mar
-----
na cabeça o chapéu, na mão uma luva, no nariz os óculos, e na boca as palavras
-----
para quando homens a emergir da terra com o aspecto de uma acácia?
-----
quando pensas que pensas, um grito abre um caminho em dois
-----
deixa que o azul te condene
-----
para sempre filhos de pais que foram filhos de pais
-----
é inútil falar-se de utilidade em tempos de aves
-----
até quando o sol quiser
-----
pega num copo pela asa, e voa
-----
aclara a água nocturna com pequenos grandes poemas, opera o corpo com linhas musicais e torna-te Daniel Faria
-----
aqui andamos, aqui vamos nós ao nosso encontro
------
invísivel é a costela que nos pariu!
-----

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Parar

Parar é descobrir o que nos faz parar quando paramos.
Incendeia o Coração das Pedras
e arde como um Lírio numa extensa Sombra
Lembra-te que:
nunca uma geometria dará o Gosto ao Vinho!

sábado, 26 de junho de 2010

"Fazer amor sem verter o sémen"

Ao fazer amor sem verter o sémen, o homem fortalecerá o corpo. Se o fizer duas vezes, aumentará a acuidade visual e auditiva. Se três, desaparecerão todas as suas doenças. Se quatro, terá paz de alma. Se cinco, revitalizará o coração e a circulação. Se seis, os quadris tornar-se-ão mais fortes. Se sete, as nádegas e coxas torna-se-ão mais potentes. Se oito, a pele poderá ficar mais suave. Se nove, alcançará a longevidade. Se dez, será como se fosse imortal.

Su Nu ao Imperador Amarelo

ECOLOGIA? (para ANAEDERA)

ninguém pense
que espetar pregos
nos troncos das acácias
seja mais suave
do que
passear descalço
sobre brasas

sexta-feira, 25 de junho de 2010

"Fogos", por Isabel Rosete

O calor da lareira no frio do Inverno...
Uma dádiva de Prometeu
Que aos homens o fogo doou.

As árvores despidas pelos ventos do Norte
Acolhem as aves migratórias, que à Natureza doam
Os frutos de cada antemanhã,
De todas as auroras, ou de cada pôr-do-sol,
Que brilha em cada rosto puro ou
Em cada corpo despido dos véus da hipocrisia,
Ou em cada alma afagada pela ternura
De um olhar tão são, quanto transparente.

A Natureza abraça, no seu doce leito,
As tenras crias, que suspiram pela liberdade,
Numa tarde de imensa alegria.

Fogos, estilhaços de prazer, encantos,
Néctares... fervilham na aura do divino
Cheio da Graça recriadora, que do Nada faz Ser.

Vibrações de energias estonteantes
Mostram-se por todos os lugares, onde
O Fogo torna o frio, quente, e o gelado,
Abrasador. Esvaíram-se os corações de pedra.
A doçura retorna ao seu lugar natural, e a Paz
Perpetua-se por entre as tréguas da Guerra.
Já não há mais sangue derramado!
Já não há mais corpos mutilados!

Isabel Rosete
25/06/2010

Simples canções da terra

PRINCÍPIO E FIM

Nascem versos em nós como se de ervas
surgissem florestas.
Noite ou manhã, que importa, só
conta para a vida haver navios
cavando as suas ondas 'té ao fundo...

Todas as horas são manhã para quem vai
consigo sem ir só
até ao fim do mundo.
Adolfo Casais Monteiro. Poesias completas. p.137

"O coração verdadeiro não tem guia"
Adolfo Casais Monteiro. Poesias completas. Excerto do Poema A vida Inteira, p.139

P ´RA PULAR

S. JOÃO

ó meu rico S.João
como tens um ar feliz

põe o borrego no chão
vem governar o país

quinta-feira, 24 de junho de 2010

condicionado

sinto-me

por não ter montado
ainda
Ar-Condicionado

PRIMAVERA


AMAR

anagrama de
rama

quem ama
não pode amar

pela rama

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Na casa do poeta o silêncio é a mulher-a-dias
e o poema é a Vida, a sempre e interna Vida

TEMPO

parado o pêndulo
de tão certo
regular

seu surdo
movimento

-vida-




Queria, queria
Ter a singeleza
Das vidas sem alma
E a lúcida calma
Da matéria presa.

Queria, queria
Ser igual ao peixe
Que livre nas águas
Se mexe;

Ser igual em som,
Ser igual em graça
Ao pássaro leve,
Que esvoaça...

Tudo isso eu queria!
(Ser fraco é ser forte).
Queria viver
E depois morrer
Sem nunca aprender
A gostar da morte.

Pedro Homem de Mello, Estrela Morta

terça-feira, 22 de junho de 2010

Só não prego o evangelho pelas portas por falta de tempo e honestidade. Cada um deve comer pelas suas próprias mãos e ninguém tem nada que ir levar deste género alimentício à boca dos outros. Além de que, tenho mau feitio.
Sou uma mistura de raiva com descontentamento.
Os caminhos foram feitos para caminhar, portanto, cada um que avance para o lado que quiser. Estou farto de que me venham com ideologias todo-o-terreno.

Só me deixo enganar pela verdade. A existência para mim é um pau de quatro bicos. Comer, beber, foder e depois escrever um poema é o meu lema. Acreditar é tornar-nos loucos e impacientes. Esperamos que a montanha cresça na mão de uma criança.

A Irene foi-se. Foi bom enquanto durou. Apaixonou-se por um cliente que lhe dava boas garantias futuras. E foi-se. E eu de novo à estaca zero. Aprecio os recomeços. Tenho a sensação de que a obscuridade se torna mais visível. Segundo a minha data de nascimento e hora, a astrologia diz tratar-se de uma ruindade.

Leio livros porque não há carne no frigorífico. Engana-se a fome e a porra da solidão. Há dias em que as noites são bem melhores. A sensação que tenho é que, se me cortarem as pernas, ainda assim eu corro, eu correrei para lá do que sou. As minhas qualidades são inqualificáveis.

Falo de mim porque à minha volta não existe ninguém. Eu só, neste quarto que fede a silêncio e sémen. Mesmo cá em baixo sinto-me no topo do mundo. A realidade é um sonho. E o sonho é uma história mal contada.

Acredito em sereias mas elas não acreditam em mim. É um dilema, este, o de acreditar em livros. Para felicidade tenho o wisky barato. Para tristeza basta-me a sede constante. Meto ambas num saco e tiro à sorte. Hoje calhou-me a felicidade. Estou safo só de pensar nessa possibilidade. Ter costas direitas não significa que seja gente séria. Ouvi dizer que sou surdo e mudo. É preciso ser-se necessário.

Do que falo só há provas no que escrevo.
Sim e não são talvez.
Coragem é pensar.
Pensar é fazer florir rosas brancas num tabuleiro de xadrez.
A guerra começa onde termina.
Não apostes tudo no sim. Deixa fluir o sol. Eu amo porque conheço-lhe a dor. Daqui ali faz-se um filho.
À parte de tudo somos nada. À parte do nada somos outro tanto.
Tenho deus algures no coração do coração.
Tecto e chão são os meus melhores amigos. Sou triste e isso alegra-me. A minha posição no mundo é de guarda-redes.
Só não vendo ideias porque não as tenho. Sou um presumível assassino da morte. Matei a morte.

Não pensar é ouvir-se. Fui Cristo e buda e não me lembro de mais nada e, a sensação que tenho é que ainda dói. Na fúria do mar alto o pensamento tem altos e baixos. Atrás de mim estou eu outra vez. Se o amor fosse digital, amaríamos em série? Felicidade é quando duas moscas batem palmas. Olhos nas orelhas não falta quem. Se a mentira desse subsídios, estávamos podres de ricos.

Juro que além da verdade só digo mentiras. Encontro-me perdido. Achei-me para me perder outra vez. A base de tudo é quem está lá em cima. Nada vezes nada é igual a política. O cigano rouba porque tem vergonha de pedir.
O homem é como a serpente, fabrica o seu próprio veneno. Grande é aquele que tem noção que há muito para crescer. A vida tem encontros imediatos com a morte.

Apesar de tudo foi só uma marca no joelho. Quem tem ferros sabe a tábua que isso é.
Deus alimenta-se de almas, logo, é guloso. No estreito de mim, alarga-se a dúvida. Se, só morre quem está vivo, então, só vive quem está morto. Alguém também é ninguém. Ninguém também é gente. Por vias das dúvidas estamos certos. O bicho come a carne do morto porque não há salgadinhos. É estranho eu não me estranhar.

É azul o verde pranto. A mentira é como a loiça, parte-se, e não foi ninguém. Sonha que ainda a luz não vem abaixo. A vida inteira, a morte incompleta. O que envelhece é a luz. O bom seria partir para o regresso.
Às vezes acontece não haver acontecimentos. O exacto nunca soube como nasceu. O cavalo corre, não pela sua felicidade, mas sim pela sua ignorância. Sejamos menos cavalos. O silêncio é o melhor remédio para a idiotice.

A Irene foi-se embora. Podíamos ter sido felizes. Mas faltava o melhor: a poesia.
Estamos perto de chegar a lado nenhum. Roubar o pão não significa matar a fome. O amor é doce mas sem sexo torna-se amargo. Se não tens para onde ir, desagua num livro. Eu sempre soube que não sabia. Ama primeiro num segundo. Dinheirinho faz dinheiro, e sangue faz sangue.

No circo não fui mais que um simples homem-bala. Em tempos pertenci a um gang de poetas mal inspirados. Agora faço dança de salão numa folha branca. Na verdade, em termos legais e logísticos, estou em ponto-morto. Se a vida tivesse pedais eu podia ir mais longe. Enfim, o fim.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Poema para Saramago















Os cães de fila do Senhor

ainda uivam

sempre que alguém voa

acima da fé cega

e do amor à dor e ao sacrifício

o Santo Ofício que nunca foi santo

hoje tem blogues e jornais online

já não quebra ossos

nem rompe maxilares

para abrir os impenitentes

à verdade da confissão

para os que andam de pé

a fé é mais que moralismo inclemente

é poder ver sem barreiras

a grandeza dos humanos

para lá das fronteiras

e dos vários enganos com que se impede a vida

de ser perfeita

não precisa de absolvição

quem se recusa servir a Deus

com tanta criança a morrer de fome

quanto vale um cálice de ouro

trocado por leite e pão?

Quantos brocados e barretes doirados

poderiam ser trocados por vacinas

e preservativos?

Que a terra seja cada vez mais de homens e mulheres inteiros

uma terra de compaixão e de respeito por todos os que vivem

uma terra resgatada de prantos

aberta ao futuro

semeada de esperança



__________
P.S.: De cavaquices não falo no poema, porque mesmo em poesia pequena não cabe a imbecilidade.

domingo, 20 de junho de 2010

sobre as CINZAS - realidade dura

muita gente que diz mal

recusou-se a ler
uma única página do autor
:
é gente mais virada
para a
LITRatura

sábado, 19 de junho de 2010

SER AMARGO

a marca que um ilustre anónimo
coloca
"a fogo"
na minha modesta criatura

foi posta a ti
por milhares de portugueses

:

"não sabia que o PLATERO
era comunista.
Fiquei agora a saber"

Coisas de todos os dias. Limpar a casa

As prateleiras escuras não ajudam a disfarçar as camadas de poeira que devagar se instalam. Não sei dizer se o ritmo é diário. Faz uma semana que acordo cansada. Sento-me junto à mesa da sala. Se meu olhar descansar no chão vejo o pó a pairar quase no ar. Inverto a viagem e tento o tecto, mas a cervical queixa-se da postura inadequada. Uma vassoura, uma pá, em seguida um balde encharcado de detergente e uma esfregona deixariam no ar o cheiro de uma casa asseada. Faz uma semana que acordo cansada. Saio de casa apressada, tanta coisa a limpar do lado de fora!

Na rua uma casca de banana perdida. Curvo-me para apanhá-la e coloco-a no lixo.

A dona Albertina deve estar a chegar. Vai deixar a minha casa toda limpa. Se eu não estivesse assim tão cansada...

Coisas de todos os dias. Carro do lixo

Onze da noite, o carro do lixo não me deixa dormir. Vivesse eu no campo e ouviria o som que amedronta a cidade. O vento calmo nas folhas das árvores, o canto dos pássaros quando anoitece. E se a chuva ameaça, um gemido quase silencioso ocupa o espaço.

Caixote de lixo aberto é caixote liberto do entulho diário. O cheiro se espalha, corre em cada esquina pedindo juízo ao viajante distraído. Quem está na cama não abre a janela. Cerra as mãos no nariz e espera que o cheiro passe.

Conto até dez, inspiro, expiro e volto a contar. Revejo meu corpo da cabeça aos pés. Nessa viagem silenciosa por fim adormeço.

Amanhã é domingo. Descansa o lixo em cada casa.

Pensar a Filosofia para Crianças

1 de Julho 2010, 5ª feira, 18h30

Fundação Calouste Gulbenkian - Sala 1

Abertura - João Caraça - Director do Serviço de Ciência da Fundação Calouste Gulbenkian

Painel:

A Filosofia para Crianças - Dina Mendonça - Investigadora da Universidade Nova de Lisboa e Presidente da Associação Brincar a Pensar
A Experiência da Filosofia para Crianças no Valsassina - João Valsassina - Director Pedagógico do Colégio Valsassina
A visão da Pediatria e do Desenvolvimento - Paulo Oom - Clinica Gerações e Instituto de Ciências

da Saúde - Universidade Católica Portuguesa
O percurso da Filosofia para Crianças no Centro Cultural de Cascais -CCC


O encerramento estará a cargo de Ricardo Santos - Presidente da Sociedade Portuguesa de Filosofia



Participantes: Escolas, Educadores, Professores e Pais
Inscrição gratuita em www.brincarapensar.pt

Organização: Associação Brincar a Pensar | Apoios: Fundação Calouste Gulbenkian

sexta-feira, 18 de junho de 2010

"Se eu pudesse fecharia todos os Zoológicos do mundo" - Homenagem a José Saramago

Otra vez el genial José Saramago, Premio Nobel de Literatura en 1998, vuelve a golpear en nuestras conciencias, soñando claro y fuerte con un mundo mejor al que se enfrenta tan sólo armado por la razón. Un mundo de respeto, más justo con las personas, pero también con los animales, el paisaje y todo lo que nos rodea.
Su último aldabonazo es en contra de los zoológicos y los espectáculos de circo con animales. Lo hace para defender algo tan aparentemente anecdótico como la vida de Susi, la pobre elefanta deprimida del zoológico de Barcelona de la que ya os hablé la semana pasada.
Os pongo a continuación el principio de su artículo Susi, publicado el paso 19 de febrero en su muy recomendable blog personal El cuaderno de Saramago, una dura crítica a estos centros de reclusión de animales que deberían cerrarse cuanto antes. Gracias maestro.
...

Si yo pudiera, cerraría todos los zoológicos del mundo. Si yo pudiera, prohibiría la utilización de animales en los espectáculos de circo. No debo ser el único que piensa así, pero me arriesgo a recibir la protesta, la indignación, la ira de la mayoría a los que les encanta ver animales detrás de verjas o en espacios donde apenas pueden moverse como les pide su naturaleza. Esto en lo que tiene que ver con los zoológicos. Más deprimentes que esos parques, son los espectáculos de circo que consiguen la proeza de hacer ridículos los patéticos perros vestidos con faldas, las focas aplaudiendo con las aletas, los caballos empenachados, los macacos en bicicleta, los leones saltando arcos, las mulas entrenadas para perseguir figurantes vestidos de negro, los elefantes haciendo equilibrio sobre esferas de metal móviles. Que es divertido, a los niños les encanta, dicen los padres, quienes, para completa educación de sus vástagos, deberían llevarlos también a las sesiones de entrenamiento (¿o de tortura?) suportadas hasta la agonía por los pobres animales, víctimas inermes de la crueldad humana. Los padres también dicen que las visitas al zoológico son altamente instructivas. Tal vez lo hayan sido en el pasado, e incluso así lo dudo, pero hoy, gracias a los innúmeros documentales sobre la vida animal que las televisiones pasan a todas horas, si es educación lo que se pretende, ahí está a la espera.

fraca tentiva de fazer um poema à Platero

Ele escrevia
escrevia, escrevia
Quanto mais escrevia
mais queria escrever

Foi para Espanha
Espanhar os ares
tendo como pilar
uma tal de Pilar

Por lá ficou
não sei bem se meses ou anos
ou talvez fosse apenas uma Caminhada de Elefante

Fez nascer um evangelho
e, Levantado do Chão, Caim surgiu,
reclamando direitos de autor

Quem não achou piada
foi Fátima
que mais tarde se veio revelar
mandando tiros para o ar
onde um deles acabou por acertar em alguém

O Homem partiu
não a perna nem o baço
mas partiu para as suas Intermitências
fugindo à estrada principal da Cova de Sta. Íria

Comunista de fé
viciado em palavras
nobel em palavras cruzadas
nunca soube o que era o Spam

O escritor morreu
levando consigo o homem
deixando a mulher com tudo
inclusive os Danacol
e os postais do Fidel na Serra Leoa

Precisam-se de novos talentos
de preferência de baixa estatura
e que ignorem que um tal Lobo Antunes existe

Enfim, o Sara\mago morreu
e agora,
quem manda aqui
SOU EU!

despedida




















Seguindo até ao âmago do inteligível o gesto platónico, o belo em si não é belo, é a excessividade pura que torna a beleza sensível possível. Horrível a consciência aprofundada disto. A consciência levada à anulação de si. À sua superação.

O belo atira-nos de chofre no poço escuríssimo da perdição. Nas águas negras de nada ter sentido em si, para si e para além de si.

Nascidos para nos perdermos no tempo e do tempo, a tempo de nos vermos totais, perdemos o tempo com a ninharia de sermos uma cristaleira repleta de porcelanas e cristais que não usamos com medo que se partam. Guardamo-los para as visitas, se forem de cerimónia. O resto da plebe contenta-se com os copos de plástico e as canecas já quase sem estampado de tanto irem à máquina de lavar.

Todos os nossos actos deveriam ser sagrados, mas não é por isso que valerá a pena comprar papel higiénico colorido, hoje tanto na moda. A sacralidade da vida simples, a sacramentalidade de cada momento, isso deve bastar-nos. Não deveríamos precisar de mais nada para além da precisão que há em termos nascido quando nascemos. Ainda não há um pronto-a-nascer. Temos a vida que nos serve, muito mais larga que o XXL e com o tamanho pequeno que nos corresponde, se, em vez de crescer, pusermos todo o nosso empenho em minguar.

No dia de hoje, por exemplo, neste dia preciso (só na desatenção com que o vivemos poderemos achá-lo igual aos outros...) onde e quando nos visitou a beleza? E como a recebemos? E será que já percebemos que a beleza não tem que ser bonita? O feio muitas vezes é o não vermos a beleza no seu estado puro ou impuro, a própria pureza não tem que ser pura. A cristaleira é que gera a ideia errada de que a vida comum é sem cerimónia. O cerimonial é que muitas vezes é sem vida. Caiados por fora, os sepulcros têm uma forma bonita de apresentar o que é putrefacto.

Mas mesmo isso é acreditar na permanência do que é eterno.

Hoje José Saramago partiu deste mundo. Penso que contribuiu para que mais pessoas possam ver a beleza. E isso não é pouco. Serviu com nobreza o ofício de escritor. E agora, sem o peso do ego, que a sua obra frutifique (não me refiro especificamente ao autor, mas a todos nós).


Só me deixo enganar pela verdade
“A criança é insciência mas não apenas em relação ao saber «experiente» do homem, em relação a outro saber e verdade que está infuso na Natureza e disperso na vida. Essa insciência é por nós herdada, pois nós homens e mulheres só geramos o filho segundo a carne, mas, segundo o espírito, é o filho que se torna pai e nos encerra nos limites que ignoramos. Por isso é, para mim, a filha, mãe, e já tive necessariamente duas mães mas quando tive a primeira era demasiado jovem, homenzinho, sábio, filósofo e político acabado, me ensina o meu limite e a minha obtusa ignorância. E o ensina no mesmo momento em que vejo na sua insciência transparecer a directa e cobiçada, a simples e pura sabedoria.” Obras de José Marinho, Vol. VIII, p.55.

desporto

na Vila a sueca é o desporto
que a gente mais pratica

dois contra dois
sobre uma mesa de madeira
e pano verde

não é permitido falar
nem fazer batota

só que toda a gente pratica
um inefável
jogo de sinais

como na sueca assim na vida
ganha
quem aldraba mais

terça-feira, 15 de junho de 2010

Debate público com o Dr. Fernando Nobre sobre ecologia, direitos dos animais, consumo de carne e fome no mundo



O Dr. Fernando Nobre, enquanto candidato à Presidência da República, exporá as suas posições sobre a questão ecológica, os direitos dos animais, o consumo de carne e a fome no mundo, num debate público que terá lugar no dia 24 de Junho, 5ª feira, às 18.30, no Anfiteatro IV da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

O moderador será Paulo Borges e a organização é da revista Cultura ENTRE Culturas, com o apoio do Movimento Outro Portugal (Manifesto Refundar Portugal) e do Partido Pelos Animais. Serão dirigidos convites aos demais candidatos para debater as mesmas questões.

A revista Cultura ENTRE Culturas agradece ao Dr. Fernando Nobre haver aceitado o convite para debater publicamente estas questões, de crucial importância no momento actual.

A revista, dedicada ao diálogo intercultural e ao despertar da consciência cívica para as grandes questões mundiais, estará à venda no evento.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Há que ser carne e espírito a alimentar um Deus imaterialista
Ganhar o pão e transformá-lo em palavra poema
Ser água para humedecer as vozes conjuntas
E imaginação na lavoura da realidade

Há que ser buraco para inventar harmonias
Dizer que a noite é apenas uma pequena dor
Ser-se livro que termine num sossego de cal
Haver amor para a cura de alguém
Ter pássaros no pensamento do pensamento
Provar da terra nos vai guardar

Há que entornar música sobre os homens vazios,
Multiplicar rosas brancas com ciências humanas
Ter uma costela a sonhar com esplendor
Um rio sem margens de dúvidas
E haver uma criança que nos apavore, lembrando-nos:
Que toda a vida não é a vida toda

A pobreza de Deus (Maurice Zundel)

«La vie de Dieu est une vie trinitaire: autrement dit, Dieu n'a prise sur son être et sur son acte qu'en le communiquant. Dieu ne se regarde pas. En Dieu, la connaissance, c'est le regarde: c'est l'élan du Père vers le Fils et le regard et l'élan du Fils vers le Père. La connaissance est un échange, un don consubstantiel, un don total, car ce qui constitue le Père, c'est uniquement cet élan, ce regard vers le Fils. Il n'a rien d'autre que d'être tout donné à ce Fils, qui n'a rien d'autre que d'être donné à ce père et ensemble, ils ne possèdent pas l'Amour, ils le donnent, ils le communiquent dans une aspiration vivante vers le Saint Esprit, qui est, une respiration vivante vers le Père et le Fils. En sorte qu'en Dieu, tout est éternellement donné, communiqué, dépouillé dans une pauvreté tellement absolue, qu'il faut dire que Dieu n'a rien, qu'il ne peut rien avoir, qu'il ne peut rien posséder, que la divinité n'est à personne, car elle n'est au Père que dans son élan vers le Fils et au Fils dans son élan vers le Père, et à l'Esprit Saint dans cette respiration d'amour vers le Père et le Fils (…). En Dieu, il n'y a pas d'adhérence à soi, parce qu'en Dieu, le moi est tout élan, toute communication, tout altruisme, tout don, toute communion, tout amour».

O artigo completo aqui.

vendilhões do TEMP(L)O

esta gente não me inspira
mínima confiança

capazes são de nos vender
pondo 3 pratos
na balança

"Por isso, os poetas adivinham [...]"

"o homem, crisálida do anjo, foi monstro e planta e verme e rocha e onda; foi nebulosa, foi gás impalpável, foi éter invisível. Articulou todas as línguas, e delas, conserva, obscuramente, vagas memórias dormitando. Por isso, os poetas adivinham [...]"

- Guerra Junqueiro, "Raul Brandão (carta-prefácio aos "Pobres")", Prosas Dispersas, Porto, Lello & Irmão, 1978, p.39.

domingo, 13 de junho de 2010

A aberração da tourada à corda nas Festas do Espírito Santo



Expresso a minha profunda indignação por se reactivarem as Festas do Espírito Santo na aldeia do Penedo com uma tourada à corda, que da última vez terminou em maltratos tais que o animal foi para o matadouro já agonizante. Fui autor de uma peça de teatro, "Folia", que foi encenada durante dois anos na Quinta da Regaleira, onde se recriava o interessante simbolismo da Festa do Espírito Santo, que não necessita de qualquer sacrifício animal. Há que purificar as tradições da violência que as converte em factores de degradação do homem e do animal. Sem isso, Portugal não recupera do atraso mental, nestas questões, em relação à humanidade culta. E que absurda aberração, associar a invocação do Espírito divino ao gáudio perante a tortura de um ser indefeso!

Convido todos a escreverem em protesto ao presidente da Câmara Municipal de Sintra: geral@cm-sintra.pt

Versão integral da entrevista de Paulo Borges e Fernanda Roxo (PPA) ontem parcialmente publicada no "Jornal de Notícias"



1 - Como surgiu o Partido Pelos Animais?

A ideia surgiu da constatação de que a defesa dos direitos dos animais tem de passar por uma intervenção jurídica e política que terá mais força e visibilidade se for levada a cabo por um Partido com representação na Assembleia da República e que dê voz às aspirações das associações animalistas e ambientalistas. Surgiu da constatação de que vivemos num dos países mais atrasados da Europa no que respeita ao reconhecimento dos direitos dos animais e de que nenhuma força política existente tem feito alguma coisa pelos seres sencientes mais desprotegidos do planeta. Após vários meses de amadurecimento da ideia, decidimos avançar em Maio de 2009. A proposta de proibição de animais selvagens nos circos havia sido recentemente chumbada na Assembleia da República e, também por essa razão, sentimos que este projecto era necessário e urgente, pelo que não fazia sentido adiá-lo. O PPA assume-se como a grande novidade na política portuguesa desde o 25 de Abril de 1974, um Partido Inteiro, que luta pelo bem de tudo e todos, a natureza e os seres vivos, humanos e não humanos.

2 - Têm conseguido obter o apoio que precisam para formalizar a inscrição do partido junto do Tribunal Constitucional?

Sim, felizmente o projecto foi recebido, desde o primeiro momento, com um enorme entusiasmo. Com o apoio de centenas de voluntários que recolheram assinaturas por todo o país, continente e ilhas, e muitos cidadãos empenhados de forma espontânea e desinteressada na divulgação do partido, já entregámos cerca de 10000 assinaturas, mais do que as 7500 necessárias à formalização do PPA junto do Tribunal Constitucional, a qual aguardamos a todo o momento.

3 - O que pretendem fazer ou ver realizado depois de ser conhecidos como partido político?

O grande propósito do PPA é introduzir a questão animal na esfera política, recusando a habitual desculpa das "outras prioridades". Acreditamos firmemente que, se os políticos forem frequentemente confrontados com a necessidade de discutir e reflectir sobre esta questão, acabarão por constatar a triste realidade e compreender que não é preciso muito mais do que vontade política para a transformar completamente. A nossa grande bandeira é a luta pela consagração na Constituição da República Portuguesa do direito dos animais à vida e ao bem-estar, alterando depois o Código Civil, para que estes deixem de ser encarados como meros objectos. As nossas propostas serão muitas e inovadoras, e temos inclusivamente contado com o apoio de dezenas de associações de cariz animal e ambiental, que nos têm enviado a sua preciosa contribuição, resultante de anos e anos de experiência. A dedução das despesas com os animais de estimação no IRS, a remodelação do funcionamento dos canis municipais e o apoio à agro-pecuária extensiva são alguns exemplos das nossas ideias. Outro ainda é a promoção de alternativas ao consumo excessivo de carne praticado pela maioria da população portuguesa, que, para além do sofrimento animal, acarreta ainda sérios malefícios para a saúde e contribui de forma muito significativa para as alterações climáticas e a degradação do meio ambiente.

4 - Considera que os partidos existentes deixam um pouco de lado os direitos dos animais?

Sem qualquer dúvida. Aliás, foi precisamente por isso que sentimos a necessidade de avançar com este projecto. Dos 16 partidos e coligações que se apresentaram às últimas eleições legislativas, apenas um incluía no seu programa algumas medidas de promoção do bem-estar animal, numa iniciativa que naturalmente aplaudimos, apesar do conservadorismo das medidas propostas, na altura abordado pelo PPA no nosso website. É manifestamente pouco. E o desprezo pela temática animal assume particular gravidade se repararmos que alguns desses partidos propalam a sua suposta orientação ecologista. "Ecologia", como muitos saberão, deriva do grego "oikos", que significa "casa". Um ecologista é alguém que defende o ambiente em que vivemos, o nosso planeta, a nossa casa. Uma casa da qual, segundo os partidos políticos portugueses, os animais ficam à porta. A desculpa são sempre as "outras prioridades". É óbvio que há outras prioridades, sempre haverá. Mas é exactamente por haver tantas prioridades distintas que o Estado tem dezenas de ministros e secretários de estado e milhares de funcionários, para que possa tratar de vários temas ao mesmo tempo. E é isso que nós, enquanto cidadãos, temos o dever de exigir.

5 - Como tem sentido a evolução da sociedade perante os animais?

Não dispomos de números que nos indiquem essa evolução de forma objectiva, mas felizmente cremos que tem havido uma evolução positiva na forma como a sociedade portuguesa vê e trata os animais. Embora de forma lenta, são cada vez mais os portugueses que tomam consciência de que a forma como os animais em geral são tratados no nosso país não é aceitável e assumem a sua motivação para lutar contra essa situação. Mas ainda é muito pouco. Temos que unir-nos e continuar a lutar.

6 - Não acha que falta uma nova mentalidade capaz de permitir uma relação de respeito e proximidade com os animais e a natureza?

É interessante que falem em "nova" mentalidade. De facto temos a noção, e deixamos claro no nosso manifesto, que a visão do PPA vem introduzir um novo paradigma mental, ético e civilizacional na política nacional. Uma "nova" mentalidade, efectivamente, que torne a humanidade mais fraterna e solidária do universo em que vive e de todas as formas de vida com que convive. O ser humano deve compreender que não é dono e senhor dos animais e da natureza, que também tem o seu lugar no ecossistema e que o equilíbrio desse mesmo ecossistema é essencial à sua própria sobrevivência. Além disso, os animais, enquanto seres sencientes, têm dignidade intrínseca e merecem ser respeitados independentemente disso ser essencial à sustentabilidade do ecossistema e à sobrevivência do ser humano ou não. É urgente combater o especismo, que, tal como o racismo, o sexismo e tantas outras formas de discriminação, não é mais do que a crença, obviamente equivocada, de que se é superior e se tem o direito a maltratar, oprimir e explorar outros seres só por se ter mais poder, um diferente tipo de inteligência ou pertencer a uma raça, sexo ou espécie diferentes. É importante, sobretudo, que as pessoas reflictam sobre este tema, pois o mais provável é que nunca o tenham feito, acomodadas que estão à ideia estabelecida de que os animais são coisas, mercadoria, objectos decorativos, a sua carne é comida, a sua pele é tecido. É preciso encorajar as pessoas a questionar o estabelecido. É por essa razão que o PPA pretende ser, mais do que um simples partido político, uma força de intervenção, informação, sensibilização, consciencialização e mobilização dos portugueses na temática animal e não só.

7 - A preocupação em criar leis para defender os animais de todos os tipos de exploração é a única forma para demonstrar uma atitude equilibrada com o planeta?

Não é seguramente a única forma, mas é uma forma muito importante. Pessoalmente, cada um de nós deve demonstrar essa atitude equilibrada em cada dia, nas suas acções e nas suas escolhas. As empresas e outras entidades têm também diversas formas de demonstrar essa atitude equilibrada perante o planeta. Quanto aos Estados, as duas formas essenciais de fazê-lo são através da educação e da legislação. Se é verdade que a primeira tem muito poder e muito poderá e deverá ser feito nessa área, a segunda é também absolutamente fulcral. A melhor forma de um Estado mostrar que se preocupa com os animais e o ambiente é ter uma legislação justa e actualizada nesses âmbitos e assegurar-se do seu cumprimento. Se é o próprio Código Civil a considerar que os animais são meros objectos, dificilmente se poderá esperar que sejam tratados de outra forma. Por essa razão, como já foi mencionado, a nossa prioridade é consagrar na Constituição da República Portuguesa o direito dos animais à vida e ao bem-estar. A partir daí terá de se alterar o Código Civil, o que resultará na criminalização dos maus-tratos, abandonos, etc., que hoje são considerados meras contra-ordenações, raramente punidas. E daí virão todas as consequências, a nível social, económico e político, tornando-se possível introduzir progressivamente melhorias no modo como os animais são tratados, até à desejável abolição de todo o seu sofrimento.

8 - Qual a sua opinião em geral do voluntariado (aos animais) que é feito, um pouco por todo o pais?

Naturalmente acompanhamos de perto o trabalho desenvolvido pelas dezenas de associações e centenas de indivíduos em nome particular que dedicam tempo, dinheiro e muito esforço à causa animal. Aliás, muitas das pessoas envolvidas no PPA estão ligadas a associações de defesa dos animais. Reconhecemos a heróica dedicação desses voluntários, mas a realidade é que a sua função, no contexto actual, é a de tentar tapar um buraco sem fundo. Enquanto não houver transformações de fundo na temática animal, enquanto os animais forem coisas e maltratá-los ou abandoná-los não for crime, enquanto os canis municipais forem campos de concentração, enquanto não houver uma aposta séria na esterilização, nada mudará. Aplaudimos a dedicação de todas essas pessoas, e agradecemos-lhes em nome dos milhares de animais que vão salvando, mas os milhares que aparecem todos os dias a necessitar de salvação são a prova de que é preciso mais. É preciso melhor legislação, mais fiscalização e mais apoio do Estado às associações, além de uma forte estratégia de sensibilização da população. É preciso atacar a causa e não o efeito. Só assim poderemos solucionar o grave problema dos animais de companhia em Portugal.

9 - Com todos os avanços da ciência, pesquisas mostram que o convívio com os animais é considerado um dos melhores recursos terapêuticos. Qual é a sua opinião?

É muito bem-vinda essa validação científica da importância dos animais enquanto recursos terapêuticos. Além dos programas de terapia assistida com animais, sejam cães, cavalos, golfinhos ou outras espécies, qualquer pessoa que já tenha convivido com animais sabe, e a ciência também já o demonstrou, que o simples convívio com um animal de estimação tem efeitos muito positivos na vida quotidiana. Um animal é uma companhia, um amigo, até mesmo um factor de união entre as famílias, segundo alguns estudos. O convívio com animais de estimação é excelente para a saúde, pois reduz o stress, a ansiedade e a pressão arterial. Pessoas que moram com animais de estimação adoecem menos vezes, vão menos vezes ao médico e convalescem mais rapidamente. Ao contrário do que diz o senso comum, as crianças que crescem com animais de estimação são menos propensas a vários tipos de alergias. Crescer com um animal de companhia torna as crianças mais responsáveis e promove a sua auto-estima e empatia, inclusivamente para com outros seres humanos. Alguns estudos demonstram mesmo que as crianças que crescem com animais de estimação têm uma maior probabilidade de virem a ser adultos bem sucedidos. Para os idosos, ter um animal de estimação estimula o raciocínio e o sentido de responsabilidade e promove a actividade física e social. Segundo várias pesquisas, as pessoas que convivem com animais de estimação são mais produtivas no trabalho, e várias empresas estão a abrir as suas portas aos animais de estimação dos seus funcionários, pois acreditam que essa medida não só aumenta a produtividade, mas também reduz o absentismo e melhora o ambiente entre colegas. Em estabelecimentos prisionais, estudos demonstraram que os reclusos a quem foi concedida a possibilidade de cuidar de um animal de estimação se tornaram menos violentos e mais responsáveis. Tudo isto está documentado, e poderíamos falar de muitas outras questões, como a possibilidade de alguns cães serem capazes de detectar doenças, que a ciência se encontra ainda a investigar. Estas são apenas mais algumas das muitas razões pelas quais devemos respeitar e proteger os animais, como seres vivos e sencientes que são, que connosco partilham o planeta e com quem devemos viver em harmonia, para benefício de todos.

sábado, 12 de junho de 2010

Itinerarium mentis in Deum

O que move a mente no acto intelectivo? Para que fim se encaminha o pensamento? A investigação filosófica é uma busca pela Verdade? Ou a Verdade já está dada por revelação e a especulação é o iluminar desta Verdade que, por revelação, é obscura? Uma outra alternativa ainda é que não existe qualquer Verdade e a especulação avança a partir de si própria, isto é, existe uma dinâmica própria do pensamento, ele é o seu próprio motor (leis da lógica). Logo se segue a pergunta pelo fundamento da lógica. As suas leis têm o seu fundamento no mundo ou são os andaimes do pensamento, só a eles dizendo respeito? Se assim é, tudo acontece num mundo mental desprovido de relação com o exterior.
Filosofia e felicidade. O exercício filosófico apenas faz sentido se proporcionar a felicidade? É a felicidade ou o seu desejo que impulsiona a especulação? O pobre que especula no deserto. O deserto é um local inóspito, despido de vegetação, onde não há água, que causa sofrimento. Local de purgação, ascese, de confronto com os demónios que assolam a alma e que moram nela, lugar agónico. É também local de passagem. Para ir à paz é necessário passar pelo deserto (da razão?).
Em última instância, a felicidade deixa de ser o que move o homem a especular. Quando se dá o apercebimento de que não se necessita de nada para ser feliz e, ao mesmo tempo, que nada deste mundo pode fazer absolutamente feliz, a procura da felicidade deixa de ser o que preocupa e move. A especulação passa a ser fruto do amor. É o amor a Deus que move ao Anúncio. A paternidade e maternidade espiritual é, neste estado, a aspiração da alma. O amor a Deus e aos homens impele a alma a especular e a comunicar. Fazer gerar ideias nos outros. Ajudar a conceber ideias que reflictam a Bondade de Deus. A condução das almas para Deus é a dinâmica que anima a especulação filosófica. E isto é pobreza, na medida em que nada se possui, só o amor que anima a vontade e a vontade que anima o amor.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Entrevista dada a Gisela Martins, sobre a Filosofia, para um trabalho no Ensino Secundário

1 - Para si, como professor, como pessoa, como filósofo, o que significa a filosofia e qual é a sua grande utilidade?

A filosofia, como o seu nome indica, é o “amor da sabedoria”, que entendo como conhecimento global dos vários aspectos da realidade e prática do melhor modo de viver, para o bem de todos os seres sencientes, humanos e não humanos. Isto inclui o respeito pela natureza e pelo equilíbrio ecológico. Creio ser importante recuperar a tradição da filosofia como “modo de vida”, como acontecia na Grécia antiga e hoje ainda acontece na Índia. A filosofia degenerou ao tornar-se um exercício meramente intelectual, escolar e livresco, que muitas vezes não transforma a vida de quem a supõe exercer.

2 - Pode afirmar-se a existência de uma filosofia portuguesa?

A filosofia, na sua essência e no seu exercício pelos filósofos, nunca será portuguesa, francesa, alemã ou chinesa, nunca será nacional, mas, na sua expressão histórico-cultural, é legítimo falar-se de tradições específicas e algo diferenciadas em cada nação, também devido ao modo como a língua condiciona até certo ponto o modo de pensar. É o que acontece em Portugal.

3 - Quais os filósofos portugueses que mais se notabilizaram na época moderna e contemporânea?

Sem esquecer o medieval Pedro Hispano e o renascentista Leão Hebreu, recordo Francisco Sanches, que pode ter influenciado Descartes, e depois Amorim Viana, Antero de Quental, Sampaio Bruno, Teixeira de Pascoaes, Leonardo Coimbra, Raul Brandão, António Sérgio, Raul Proença, Fernando Pessoa, Raul Leal, José Marinho, Álvaro Ribeiro, Delfim Santos, Agostinho da Silva, Eudoro de Sousa, Vergílio Ferreira, Vasco de Magalhães-Vilhena, Abel Salazar, Vieira de Almeida, António Quadros, Orlando Vitorino, Afonso Botelho e Fernando Gil. Isto entre muitos outros e não falando dos que estão vivos. Alguns expressaram o seu pensamento poeticamente, o que é frequente em Portugal.

4 - A filosofia tem uma utilidade em diversos contextos ou é redutível a um conjunto de especulações teóricas?

A filosofia tem a grande utilidade de questionar e indagar o que é útil nos diversos contextos e até de questionar se algo tem de ser útil para ser valioso. As especulações teóricas nunca são redutíveis a si próprias, pois o que pensamos traduz-se sempre no modo como vivemos e agimos. Uma especulação teórica já é uma acção, que não nos deixa mentalmente iguais e que tende a expressar-se no mundo.

5 - O que significa para si a dimensão da filosofia?

Não sei bem o que quer dizer com “dimensão da filosofia”, mas diria ser a da experiência da visão, do espanto, da interrogação perante o haver algo e da busca de compreender tudo isso.

6 - Qual é o melhor argumento para se seguir e ter gosto por filosofia?

Duvido que se siga e tenha gosto pela filosofia devido a argumentos. A filosofia é uma vocação com que se nasce ou algo que se pode cultivar na medida em que sejamos capazes de não nos conformar com opiniões, tradições e ideias feitas, ousando a experiência de pensar por si mesmo em diálogo com os grandes pensadores e, mais importante, com a experiência profunda da vida.

7 - Em que medida a lógica formal é importante no âmbito da actividade filosófica?

É um bom instrumento para pensar conceptualmente e expressar rigorosamente o que pensamos, mas devemos precaver-nos de reduzir a isso a filosofia, que deve abrir os conceitos e a sua lógica ao impensado que surge em múltiplas formas da experiência humana: religiosa, estética, ética, política.

8 - Que importância tem o budismo na sua vida?

O chamado budismo é a via que sinto mais adequada ao que busco, realizar plenamente as minhas potencialidades cognitivas e afectivas, aceder ao estado de Buda, pois é a que mais me exige: ver as coisas tal qual, para além de véus conceptuais e emocionais, e amar incondicional e imparcialmente todos os seres vivos. É a via para além de todas as vias e de todos os “ismos”, incluindo o “budismo”. É a via sem via para se ser o que no fundo desde sempre se é.

9 - Poderão os filósofos contribuir para a resolução dos problemas que actualmente a sociedade portuguesa atravessa?

Todos os problemas, agora e sempre, onde quer que surjam, apenas se devem à falta de sabedoria vivida e praticada, que não seja um mero conhecimento intelectual. Um filósofo que realmente o é, na medida em que viva filosoficamente, como foi o caso de um Agostinho da Silva, é o melhor conselheiro de uma sociedade, que deve tomá-lo como exemplo. O problema é que os homens dificilmente estão disponíveis para reconhecer e escutar os filósofos e ainda menos os sábios, pois estes nada prometem e antes tudo exigem, e o mais difícil, de cada um de nós. Os homens preferem dar ouvidos a todo o tipo de promessas dos comerciantes, dos publicitários e desses outros comerciantes e publicitários que são hoje os políticos, mesmo sabendo, lá bem no fundo, que são sempre falsas e que só visam enganá-los. Ou então preferem anestesiar-se com tóxicos, incluindo esses tóxicos lentos e invisíveis que são o consumismo e o futebol, entre outros. Esse é um dos grandes problemas da sociedade portuguesa actual e do mundo em geral, que caminha anestesiado para a catástrofe económica e ecológica. A sua solução implica uma profunda mudança, que será dolorosa pois implica a renúncia involuntária aos nossos hábitos mais enraizados.

10 - Caso possa, gostaria de deixar alguma mensagem para os jovens?

Tomem consciência de que não serão jovens para sempre e, antes que vocês próprios, a sociedade, a doença, a velhice e a morte vos corrompam, não vão atrás das propagandas oficiais familiares, escolares, sociais e políticas, despertem das ilusões que regem o mundo, antecipem em vocês a mudança que desejam, sejam felizes e tornem-se contagiantes! Nunca pensem a uma escala estreita: não queiram só o vosso bem, nem o dos vossos parentes, amigos, concidadãos ou membros da mesma espécie. Esforcem-se por um mundo melhor para todos os seres! É isso que abre a mente e o coração e torna a vida digna de ser vivida.

Trazer o Amor para a política

Trazer o Amor para a política, não o amor a este ou àquele, a isto ou àquilo, mas o Amor a tudo e todos, será a grande Revolução, a única digna desse nome. E isso será o bem-aventurado fim da política, que surgiu e vive da diminuição e escassez desse Amor. A única política verdadeira é aquela que, por Amor, vise tornar-se desnecessária.

berlindos

I

concorrer concorrer
julgo que só uma vez

mas aí a sério
:
em espermatozóide

II

a mulher gorda
reivindicou para seu e-mail

Kilo
em vez
de Arroba

p



“Atraí assim, sobre a vossa pátria, a paz.”


imagem: Almada Negreiros

quinta-feira, 10 de junho de 2010

troco a minha rua pela tua


Era um sonho daqueles de menino pequeno. Menino que brinca na rua como se esta fosse a sua casa desde sempre. E era.

A rua era a sua casa. E o seu sonho o de ter uma casa a sério.

Naquele dia trocámos algumas palavras, à conta de uma bola que veio parar aos meus pés.

- Senhor, a bola…?

- Aqui tens, desculpa. – Disse-lhe.

- Eu é que peço desculpas, distraí-me. Acho sempre que a rua é completamente minha.

- E não é? – Perguntei . O estranho aqui sou eu. Turista. De visita, de passagem.

- Eu acho que a rua é minha. E é aqui que vivo, passo os meus dias quando não estou na escola. Gosto de aprender as coisas da escola, mas na rua também se aprende muito. – Respondeu-me.

Eu já lhe tinha entregue a bola. E ele conversava comigo, lançando a bola de uma mão para outra. Um movimento pendular tão hipnotizante quando o brilho dos seus olhos.

- Diz-me uma coisa que tenhas aprendido na rua.

- Eu? Eu cá aprendi a crescer. A deixar de ser criança. Só quando brinco com os meus amigos – e virou-se para apontar o grupo que o esperava – é que consigo ser um bocado criança e brincar sem pensar muito nisso. De resto, viver na rua é coisa de gente grande. E eu tive que crescer. Não em altura, mas para sobreviver.

Sorriu. Disse-me adeus, acenando com a bola na mão. Voltou para o grupo de amigos e nem olhou para trás. Fiquei a observá-los durante algum tempo, a observar a magia de ser criança «sem pensar».

No dia seguinte, voltei ao mesmo sítio, na esperança que a bola o encaminhasse de novo para mim. Mas as férias acabaram sem que o voltasse a ver. Enfim, também eu tive que deixar de ser «criança» para voltar a pensar em muitas coisas, no meu regresso aos dias de todos os dias. Nesses dias, lembro-me daquele pequeno, para quem a rua era o palco do seu crescer. Aqui os meus palcos são outros.

Comprei uma bola igual ao do pequeno. Guardo-a na gaveta do meu escritório, que é a «minha rua», onde «aprendi a crescer».




texto de Joana Sousa | fotografia de João Sousa
projecto Olhar a Palavra [em olharapalavra.com]

10 de Junho

10 de Junho: Portugal e a Lusofonia fazem hoje sentido se, na linha de Camões, Vieira, Pascoaes, Pessoa e Agostinho da Silva, forem mediadores de um novo paradigma mental, ético e cultural, alternativo ao ciclo civilizacional que hoje finda: uma solidariedade universal, no respeito integral pela natureza, bem como pelos direitos dos seres humanos e de todos os seres vivos. O que chamo uma Visão Armilar do Mundo. Fora disso, seremos apenas mais do mesmo e morreremos na mesma "apagada e vil tristeza" em que se afunda a civilização actual.

Luíz Vaz de Camões: Cá nesta Babilónia

Fotografia de Carlos Silva


Cá nesta Babilónia, donde mana
Matéria a quanto mal o mundo cria;
Cá, onde o puro Amor não tem valia,
Que a Mãe, que manda mais, tudo profana;

Cá, onde o mal se afina, o bem se dana,
E pode mais que a honra a tirania;
Cá, onde a errada e cega Monarquia
Cuida que um nome vão a Deus engana;

Cá, neste labirinto, onde a Nobreza,
O Valor e o Saber pedindo vão
Às portas da Cobiça e da Vileza;

Cá, neste escuro caos de confusão,
Cumprindo o curso estou da natureza.
Vê se me esquecerei de ti, Sião!

Luís Vaz de Camões, in Sonetos

quarta-feira, 9 de junho de 2010

"TODOS DIFERENTES TODOS ESPECIAIS"



. A ARTE NA ERA DO PORQUINHO BABE .
. JARDIM DE INVERNO DO TEATRO MUNICIPAL DE SÃO LUIZ . LISBOA .
. 7 DE JUNHO 2010 .

TODOS DIFERENTES TODOS ESPECIAIS

Mental Noise, 2010, 23´- filme de Ilsa D´Orzac

Em 1919, D.W.Griffith realizou Broken Blossoms (O Lírio Quebrado), filme que relata uma história de violência do “mais forte” sobre o “mais fraco”, de um “homem” sobre uma “mulher”, de um “pai” sobre uma “filha”. O século XVIII viu surgir três movimentos: o abolicionismo, o feminismo e a luta pela defesa dos direitos dos animais. Estes movimentos têm em comum a defesa dos direitos de seres que sentem e sobre os quais era, e em muitos casos ainda é, impunemente infligido sofrimento. A violência de um animal humano sobre outro animal humano, de um homem sobre uma mulher ou de um animal humano sobre um animal não humano, pertencem ao mesmo domínio mental. Mental Noise, de Ilsa D´Orzac, é sobre essa relação e dedicado a todos os seres sencientes. Por essa razão pede emprestado imagens de Broken Blossoms e toma Lilian Gish como representação dos seres sencientes maltratados, humanos e não humanos, que precisam de ser defendidos por todos nós. Em 1772, a ideóloga e intervencionista inglesa Mary Wollstonecraft, publicou o primeiro tratado reivindicativo de liberdade e igualdade, não apenas entre homens mas também para as mulheres e para os animais, contestando a violência nas suas várias formas de expressão: contra raças, sexo, condição económica, infância, animais e contra a Natureza. Passaram duzentos e trinta e oito anos e se olharmos à nossa volta… o que dizer dos vitelos torturados impiedosamente para que a sua carne permaneça tenra para os humanos? E de todos os outros casos, na alimentação, na experimentação, na moda, na vida quotidiana? Constatamos uma profunda regressão no que respeita a esta matéria.

Mas a defesa dos direitos dos animais não humanos não significa que os que a praticam sejam apaixonados por esses animais como quem é apaixonado por Ferrari´s ou pelos novos gadjets informáticos, ou similares. Podem ser ou não ser. Mas são, isso sim, conscientes de que o lugar que ocupam na existência e no planeta é partilhado em condições idênticas e não em arrogante supremacia atribuída pela razão. O que essa defesa manifesta é respeito pelo Vivo e reconhecimento da ignorância apensa às prerrogativas da superioridade mecanicista. Daí resulta que os que defendem os direitos dos animais também defendem os direitos dos vegetais e os direitos dos minerais. Defendem a Natureza e a natureza cosmobiológica de todos os seres, a sua incluída.

O respeito pelos outros animais é assim o primeiro grau e o ponto de partida para uma mudança de paradigma tendente a um novo entendimento e prática da Vida. Quando mais essa percepção for na sua abrangência assimilada, maior será o desenvolvimento de outras percepções sobre a existência no planeta Terra e a sua inter-relação cosmobiológica. Percepções que os sistemas orientados pelos interesses económicos e pelo lucro pretenderam e com sucesso, ilidir.

Inúmeros mal-entendidos emergem acerca do sofrimento imposto a estes seres sencientes. Por exemplo, a ideia de que é necessário comer diariamente proteínas animais. Incrível pretensão, não só porque do ponto de vista nutricional tanto funcionam as proteínas animais como as vegetais, mas também porque intenta fazer crer que ao longo da história da espécie humana os sujeitos sempre tiveram essa prática e – de não somenos importância – essa possibilidade. Obviamente é falso. Essa possibilidade passou a existir apenas desde que a produção agro-pecária em massa foi instituída, ou seja, recentemente. Outro mal-entendido é a ideia de que os animais não humanos sempre existiram para o prazer e gáudio dos humanos, qualquer que seja a forma que esse gáudio e prazer assumam. Ora, também é falso. O paradigma mecanicista assim o advoga mas o cartesianismo surgiu no século XVII, há apenas trezentos anos portanto. O que a documentação histórica confirma é que sempre existiu a defesa do entendimento oposto. Já Pitágoras (552-496 a.C.) recusava consumir carne de animais ou estar sequer próximo dos que os caçavam e matavam, e o imperador indiano Asoka (274-232 a.C.) instituiu explicitamente no seu longo e feliz reinado, a não realização de sacrifícios de sangue e a provisão de tratamentos médicos, de poços e de árvores para benefício de humanos e de animais não humanos! Outro forte mal-entendido é o famoso repto de que é integrante da natureza humana a necessidade de domínio e subjugação da Natureza e dos mais fracos, nomeadamente os outros humanos. Ainda hoje, e apesar de todas as démarches para que tal não seja possível, existem comunidades onde esse princípio não só não é praticado como é repudiado. Mas sobretudo, deveria ser do conhecimento público que a ideia generalizada de competição no universo provém de Herbert Spencer (1820-1903), autor da expressão "sobrevivência do mais apto", que pura e simplesmente a retirou do discurso económico e a implantou como prótese, no pensamento darwinista. E infelizmente graças a interesses de uns e desatenções de outros, instituiu-se como verdade o que verdadeiro não é.

Alguns pensam que esta vontade de respeito pelos animais e pela natureza é uma moda ou aberração de alguns sujeitos pós-modernos. Quanto estão enganados! Ao longo da história e em todas as épocas sucedem-se os exemplos na filosofia, na legislação, nas artes, na ciência, nas academias, de mulheres e homens que se manifestaram no espaço público e privado na luta pela defesa dos seres sencientes, incluso os animais não humanos. Em 1789, quando em Portugal (e suas colónias na Índia) e em França, os escravos negros estavam a ser libertados, nos territórios britânicos e colónias portuguesas na América e Àfrica continuavam a ser escravizados, Jeremy Bentham afirmou sobre as outras espécies animais “a questão não é saber se podem pensar ou falar, mas saber se podem sofrer!”. Atestando quanto temos sido e estamos também enganados em relação às práticas da Idade Média, é bom partilhar algo já publicado mas muito pouco assimilado. Durante a Idade Média, entre o século XIII e o século XVIII, os cinco séculos mais recentes na confluência com a instituição do pensamento mecanicista e capitalista, realizaram-se na Europa os Processos dos Animais. Em que consistiam esses processos? Consistiam na outorgação de representação jurídica legal aos interesses de animais não humanos, inconvenientes, que interferiam com o lucro e a economia das práticas agrícolas. Porque nesses tempos, os humanos não se arrogavam o direito de simplesmente abusar ou aniquilar os outros animais e sabiam que

“Tudo o que existe, existe em Deus, e sem Deus nada pode existir nem ser concebido” Espinosa

Respeitemos a Vida e o que nela Vive.

Ilda Teresa Castro
(investigadora)

POR UMA MUDANÇA DE PARADIGMA, TODOS DIFERENTES TODOS ESPECIAIS

Não deite fora este texto, guarde-o, leia-o e passe-o a outra pessoa. Todos somos especiais.
IDENTIDADE
Isabel Rosete



Assumir, convictamente, a Identidade… Seguramente, o maior esforço de todo o ser humano, neste Mundo de falsas identidades ou de identidades camufladas, fundeadas no espaço camaliónico das diferenças não aceites, da imposição de um padrão comum, do estereotipado, onde não há lugar para o ser-si-mesmo, nesta sociedade do “parecer-ser”, em nome de um tal “bem-estar” comum que, na generalidade, não passa de uma mera utopia demagógica.

Vigora a mais deslavada hipocrisia anulativa das dissemelhanças, da diversidade, que faz a singela Beleza intrínseca à essência do universo físico e humano, a que já não pertencemos mais.

Adulterámos as Leis da Natureza. Instaurámos o caos cósmico. A isso, chamamos progresso! Que progresso? O da rarefacção da camada de ozono? O do efeito de estufa? O do degelo dos oceanos? O do des-equilíbrio dos ecossistemas? O da miséria das crianças sub-nutridas? O dos Povos famintos? O da infelicidade dos Homens que clamam o Paraíso perdido?

O “progresso” da irracionalidade, das mentes inconscientes, dos pensamentos corroídos pelo ódio, instaurou-se, lamentavelmente, no seio desta massa humana, indefesa, des-norteada, que hoje somos.

Coitados dos homens! Tão potentes e tão frágeis, ao mesmo tempo! Meras peças soltas do grande puzzle, do puzzle universal, onde já não se encaixam mais.

Somos mero pó, cinzas dispersas, em incandescência dissonante. Somos o brilho opaco dos restos do lixo cósmico, em degeneração total.

Corremos pelos leitos de todos os rios, que, no mar, não desaguam mais. Perdemo-nos de nós mesmos. Não nos encontramos mais. Rodopiamos num círculo imperfeito de esferas desencontradas, de espaços sem intersecção, indefinidos, incertos, indeterminados, mas, ao mesmo tempo, “extra-ordinários”, libidinais, irascíveis e concupiscentes.

Erramos, navegamos pelos espaços infindos da imaginação. Buscamos o Infinito, o Eterno, o Imutável. Projectamos um futuro outro, apenas existente no mundo ficcional de todos os nossos sonhos que, do “princípio da realidade” se afastam, para erguerem, sempre, o “princípio do prazer”.

Velejamos por todos os mares. Pairamos por todos os espaços siderais. Percorremos todos os caminhos da Floresta, sempre paralelos, sempre descontínuos! A escolha não é mais possível!

Esmagamos um Ego desesperado, descentrado de si mesmo, tão narcísico quanto paradoxal. E, no entanto, ainda somos aves de rapina, predadores universais, dominadores de todas as possíveis presas, dissimulados num habitat, que já não é mais natural.

Percorremos todos os atalhos. Edificamos uma nova ordem. A da caoticidade mundial. E, no entanto, ainda somos apelidados de “animais racionais”.

Que racionalidade é esta, criadora de um tempo de infortúnio? Que racionalidade é essa, geradora de todas as misérias? Que racionalidade é esta re-veladora da massa indigente das gentes vagueantes, bicéfalas?

E a salvação? Ainda é possível? É, sem dúvida! Porém, apenas se nela depositarmos, convictamente, a força geradora da nossa vontade-de-poder.

Isabel Rosete

terça-feira, 8 de junho de 2010

Das revoluções como "travão de emergência"

"Marx havia dito que as revoluções são a locomotiva da história mundial. Mas talvez as coisas se apresentem de um modo completamente diferente. Pode ser que as revoluções sejam o acto pelo qual a humanidade que viaja nesse comboio puxa o travão de emergência" - Walter Benjamin

10 de Junho - Colóquio "A Missão de Portugal no Mundo": Portugal, que Futuro? (últimas inscrições abertas)



Programa

9H – ACREDITAÇÃO

10H – ABERTURA E BOAS VINDAS AOS COLÓQUIOS 2010 – LUIS RESINA

10H30 – 11h20 - PAULO BORGES – “UMA VISÃO ARMILAR DO MUNDO: A VOCAÇÃO UNIVERSAL DE PORTUGAL E DA LUSOFONIA “

11h20 - 12h10 - FERNANDO ALBUQUERQUE - “A FUNDAÇÃO DO REINO” “suas implicações no Ciclo 1917 – 2012”

12h10 – 13h00 – MARIA FLÁVIA DE MONSARAZ- “ Portugal Astrológico-O Mito e o Destino “

13H30 – 15H – ALMOÇO

15H – 15H50 - JOSÉ MANUEL ANES – “ Portugal e o Império do Espírito Santo “

15H50 – 16H40 – MIGUEL REAL - "A Europa de Hoje e o Portugal de Amanhã“

16H40 – 17H20 – LUIS RESINA – “ Os Grandes Ciclos da Alma Portuguesa “

17H20 – 17H50 – COFFEE BREAK

17H50 – 18H40 – MARCO RODRIGUES – “ Movimento Evolucionário, Frente Evolucionária, Aglutinação dos potenciais evolucionistas e revolucionários da Alma Portuguesa”

18H50 – 19H20 – QUESTÕES EM PLENÁRIO (resposta a perguntas postas por escrito ao longo do dia e sorteadas )

19H20 FECHO COM CONCERTO DO CORO RICERCARE EM HOMENAGEM A PORTUGAL

Porquê falar hoje da Missão de Portugal no Mundo? Haverá ainda uma Alma genuinamente Portuguesa? Se sim, quais as suas características e a sua missão? Qual será a Mensagem que a Alma Lusíada tem de manifestar para que Portugal possa cumprir o seu desígnio? Para dar resposta a estas questões, resolvemos lançar um repto aos intelectuais, pensadores e espiritualistas deste país para sabermos se ainda temos valores fundamentais com os quais nos identifiquemos verdadeiramente de corpo e alma. Em caso afirmativo o que podemos fazer com isso? Caso contrário, iremos continuar a ser vítimas de nós próprios, subjugados a um sistema social e político maioritariamente assente nas leis do capital, na competição e no desrespeito pelos valores humanos e pelas leis da natureza? Este é o convite lançado a todos os oradores, escritores e pessoas interessadas nesta temática de toda a comunidade lusófona, que sob a forma presencial ou escrita, queiram participar e colaborar neste evento.
Para quem queira enviar artigos para publicação, estes deverão ser dirigidos ao Jornal Milénio jornalmilenio@sapo.pt Este endereço de e-mail está protegido de spam bots, pelo que necessita do Javascript activado para o visualizar ou a Luís Resina lresina@sapo.pt

Data e Local:

10 Junho quinta-feira Lisboa - Auditório da Estação de Metro do Alto dos Moinhos (Benfica)

Inscrições: 35 euros para o NIB - 003601069910004607297 (Ana Proença) / Estudantes: 10 euros

"Conhece-te a ti mesmo"

"Assim, "conhece-te a ti mesmo" tem, para lá do seu sentido psicológico mais acessível, outro mais difícil, mas essencial: "conhece-te a ti mesmo" não é tão somente uma expressão da advertência que o espírito dirige ao homem, mas a expressão da advertência solene que o espírito dirige a si próprio, é um renovar-se do espírito a si próprio, um regressar a si, um revelar-se a si mesmo. "Conhece-te a ti mesmo" significa, pois, conhece-te a ti como espírito, ou ser do ser, conhece em ti que a tua singular verdade é uno [sic] e a mesma com a verdade absoluta"

- José Marinho, Teoria do Ser e da Verdade, I, edição de Jorge Croce Rivera, Lisboa, INCM, 2009, p.197.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Ressurreição II

(nova versão do poema "Ressurreição" que lerei hoje, com a música de Vítor Rua e o video de Ilsa D'Orzac, no espectáculo "A Arte na era do porquinho Babe", às 23 h, no Jardim de Inverno do Teatro São Luiz, em Lisboa)

Gemem nos infernos da terra desolada
corações oprimidos negros esmagados
Revolvem-se no circo de dor do mundo
vidas escravizadas esfoladas torturadas devoradas
Natureza viventes esventrados e abatidos
Para gáudio da humana desmesura

Murmuram suspiram gemem gritam
Assim gememos e gritamos nós
pois tudo nos é íntimo
e somos afinal nós mesmos
que ignaros e ávidos atormentamos e abatemos

Defuntos infantes de uma Terra Pura
erramos no limbo da matriz que violamos
e são nossas próprias formas que vorazes e ledos devoramos

Nossos o abrir fechar de todos os olhos bocas
a fome sede de todas as gargantas
a volúpia de todos os sexos
o pulsar de todos os corações
a cega ânsia dos viventes
por algo apenas obscuramente entrevisto e pressentido

Suas raízes as nossas
febris veias sinuosas
afundando-se e serpenteando silenciosas
nas auroras negras que há por dentro das coisas
a revolver o âmago de tudo em insónias e espantos
espectros lentos que sobem à tona
chamas surdas que crepitam e crescem
a lavrar o íntimo da imensidão
que tarda em amanhecer

Ó turba que adias o despertar
da rumorejante e dolorosa noite do haver!

Sepultos no âmago dos mundos
alucinados assomamos aos berços aos afagos aos rostos
ao riso às lágrimas aos gritos
à faminta aurora do existir
aos sepulcros caiados do que parece
ao delírio do nascer e morrer
e assim rondamos na roda do desejo
que a própria boca sempre outra beija
e o alucinado devir sem fim fecunda e renova

Mas o que sempre agora e instante, ó Irmãos, vem
por entre este murmurante e tépido renovar do mundo
por entre este amoroso halo que às coisas nimba
por entre estas ridentes e floridas núpcias de tudo
por entre estas danças cantos coroas grinaldas
é outra coisa
É a vera verdade prima
Primavera do despertar que nunca conheceu sono
o eterno vivente na orla sem margens do existir
que ressuma da ânsia da terra queimada
e do silente sufocado gemido das vidas e das coisas
O que cresce do fundo de o não haver
e em cada um de nós se faz visão alento corpo
no súbito estremecer de tudo

O que agora se celebra e canta, ó Irmãos
é mistério maior que o haver mundo
mistério maior que o haver
tal qual maior que todo o mistério
É o jamais termos sido reais ou possíveis
o jamais ter havido alguma coisa
e sequer a ideia de haver

O que agora se celebra e canta, ó Irmãos
a trespassar toda a ilusão dor e morte
é a eterna e instante Ressurreição
de nada jamais ter início, duração e fim
e assim, mas de outro modo
oblíquo, fulgurante e maravilhoso
tudo ser afinal e sempre possível

O que agora se celebra e canta é este prodígio natural
de nada ser um e só
esta revoada de fauces bocas mãos asas patas pêlos escamas
que, ígneas pombas bravas, do imo de cada poro
em adamantinos ímpetos se nos elevam
e súbito se transmudam em miríades de vidas outras ignotas loucas impossíveis
a multiplicarem-se ébrias das infinitas possibilidades que há nas infinitas possibilidades que há nas infinitas possibilidades que há no esplendoroso vazio de tudo
Ó turbamulta cascata vertigem abismo
de tudo quanto passado presente futuro
viveu vive viverá
e aqui agora simultaneamente vive imagina pensa sente
Ó multiforme turbilhão de tudo quanto sem acontecer acontece
de tudo o que se agita raiva revolve
em dor júbilo medo esperança
no fundo sem fundo
da terrível e fantástica inconsciência disso

É esse o grande tumulto que aqui agora
neste e em todos os cantos
neste e em todos os poemas
dos fundos da terra queimada
e da tortura dos viventes desponta
O grande clamor das árvores mirradas retorcidas sedentas
o grande clamor dos vivos mortos desatentos esquecidos
rompendo eras mundos paraísos infernos
em rebentos viços e seivas novas
Das árvores nossos corpos amotinados insubmissos amantes
estendendo grandes ramos
vigorosos braços pulsantes
em filigrana ao espaço cingidos
Nossos corpos uns aos outros abraçados enxertados fundidos
humanos animais divinos
multiplicados em folhas flores frutos
espontaneamente jovens e maduros
explosivos de tão plenos tão frementes tão puros

E neles todos os sonhos alucinações delírios
todas as vidas todas as mortes
todas as lágrimas todas as fezes todo o sangue
todo o furor toda a impotência
toda a fome toda a sede todo o cio
todos os encontros todas as perdas todas as despedidas
todo o ranger de dentes todo o tactear às escuras
todas as alegrias todos os pasmos todos os júbilos
todas as esperanças todos os desenganos
todo o vício toda a virtude
todos os crimes todas as expiações
todos os infernos todos os mundos todos os céus todos os paraísos
Tudo isso e o seu rotundo nada
o seu imenso vazio a sua prodigiosa evanescência
em cada fruto brilhante e pleno que da miríade de nossos ramos pende
imperioso e súbito se avoluma até eclipsar o espaço
e neste mesmo instante em torrencial vertigem de luz explode

Branco

Vermelho

Negro

.........................................


Agora pode enfim haver mundo
sonho eternamente livre de o ser
Todos os vivos fluxos infantes sem nome pais pátria morada
Todos os fenómenos danças cantos hinos jogos
Todos os sons poesia muda
Todos os pensamentos invisíveis asas
omnipresentes no infinito espaço que não há
Todas as coisas
Ressurreição de as haver

Todas as coisas

Ressurreição

de a haver

domingo, 6 de junho de 2010

Eu queria morrer para perceber todos os caminhos,
fazer contas à dor como faz o taberneiro
e subtrair solidão às horas que passam por dentro do Rossio

Contar aos meus irmãos que a morte canta como gente grande,
e tem árvores para subir, e um penedo barrigudo,
cavalos para evitar monólogos,
e refrescos para os dias mais quentes do ano

Quem diz que morrer é um caso de vertigem?
Que ao olhar lá de cima o coração inventa desculpas
Quem disse que para lá chegar é preciso ir num atrelado,
Ter uma tristeza a não passar fome,
Ou autorização para assistir a comédias dramáticas?

Será a morte uma casa aberta por cima, sem pássaros na gaiola?
Uma mulher que não dá à luz, mas que nos adopta lumemente?

Será a morte uma fogueira ou um poema em que nele se afoga?

Quero saber se por lá a moda também existe,
Se o vento constipa os sonhos à varanda

Ai se pudesse desamarrar-me da vida por umas horas,
Montar um barco a pedais e ir,
Ao encontro do desencontro, achar o que nunca se perdeu
Ser livre como um pássaro nas Américas
Levado pelas mãos de cinquenta mil homens

Olhar o mundo sem ser olhado
Nadar em espelhos, voar sobre rios
E cair no vazio tão cheio de homens nascidos como flores,
vindos da terra perfumada,
de cabeça fria, a morder todos os insectos.

Entrar nessa gigante solidão de mãos cheias,
De nariz empinado, alimentado para sete dias
Como um peregrino a apagar distâncias a suor, cânticos, lamentos,
Levando aos ombros a montanha possível
As pedras para espremer em vinho
E um poema a servir de pão e abrigo

Queria viver ao contrário daquilo que foi e voltará
Nascer velho e morrer criança
Conhecer a minha mãe solteira
Vê-la grávida de mim
Dizer: olá como estou
Ver a dor que foi entrar na vida com a ajuda de ferros
Chorar por não saber mais do que o mínimo
Pensar que choro e riso sonham para o mesmo lado

Quero da morte o seu sorriso de alicate
O seu cinismo a dizer que ainda vive
A sua paisagem nua e crua
A sua tristeza que para muitos é uma alegria
O seu soro amnésico e cristalino

Quero com a morte aprender como se vive
Respirar com uma flor entre os dentes,
sem sangrar,
feito animal que desconhece que morrer existe

Haver a possibilidade infinita de andar reptilmente sobre o seu pescoço
Escrever-lhe com letras vivas e reluzentes
Redondilhas maiores para cantar até dizer chega
E cair de cansaço sobre a palha do seu umbigo

Não sei se a morte é uma mulher de cabelos pelos ombros
Ou se tem longas tranças para que se possa subir
Sei lá se nela os poetas atiram-se das janelas para viverem
Ou se a queda é para o ar mais denso

Ó morte, onde andas tu? Mostra ao menos o teu colar de ossos
Ou a tua saia que mandaste fazer no cabo do mundo
Ó morte, ri-te! Mostra os teus dentes verdadeiros
Quero ser em ti um turista, pôr-me ao lado das estátuas,
Tirar retratos coloridos, dizer-te:
- Entre os homens o teu nome para sempre viverá!

Pudesse hoje ou amanhã morrer por um bocado
O tempo de chorar todas as pedras preciosas
Mas que não valem nada
Não servem nem rei nem pajem
Haver os dias assim, um silêncio sempre à espreita
Olhar todas as ruas que vão dar à minha casa
sabedor que as maçãs também nascem das laranjeiras
E assim louco e destemido, poder regressar à vida e tornar a morrer
Como uma oxálida nas mãos de umas outras mãos
A nomearem o amor como único fio no tear dos Homens