Um espaço para expressar, conhecer e reflectir as mais altas, fundas e amplas experiências e possibilidades humanas, onde os limites se convertem em limiares. Sofrimento, mal e morte, iniciação, poesia e revolução, sexo, erotismo e amor, transe, êxtase e loucura, espiritualidade, mística e transcendência. Tudo o que altera, transmuta e liberta. Tudo o que desencobre um Esplendor nas cinzas opacas da vida falsa.
quarta-feira, 30 de junho de 2010
A verdadeira via de eros
Resposta às calúnias e insultos de que sou alvo na página de Fernando Nobre no Facebook, por membros do MIL
Passem bem.
-oferta-
Quero a fome de calar-me.
O silêncio. Único
Recado que repito para que me não esqueça.
Pedra,
Que trago para sentar-me no banquete.
A única glória no mundo - ouvir-te. Ver
Quando plantas a vinha,
Como abres a fonte, o curso caudaloso
da vergôntea -a sombra com que jorras do rochedo.
Quero o jorro da escrita verdadeira,
A dolorosa chaga do pastor,
Que abriu o redil no próprio corpo e sai
Ao encontro da ovelha separada. Cerco,
Os sentidos que dispersam o rebanho.
Estendo as direcções,
Estudo-lhes a flor -várias árvores cortadas
Continuam a altear os pássaros.
Os caminhos seguem a linha do canivete nos troncos
As mãos acima da cabeça adornam
As águas nocturnas -pequenos nenúfares celestes.
As estrelas como as pinhas fechadas caem - quero fechar-me e cair.
O silêncio Alveolar expira e eu,
Estendo-as sobre a mesa da aliança.
Daniel Faria, Quero a fome de calar-me
terça-feira, 29 de junho de 2010
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na matemática dos loucos 2 + 2 = Àrvore
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qualquer rio tem horas que é mar
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na cabeça o chapéu, na mão uma luva, no nariz os óculos, e na boca as palavras
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para quando homens a emergir da terra com o aspecto de uma acácia?
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quando pensas que pensas, um grito abre um caminho em dois
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deixa que o azul te condene
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para sempre filhos de pais que foram filhos de pais
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é inútil falar-se de utilidade em tempos de aves
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até quando o sol quiser
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pega num copo pela asa, e voa
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aclara a água nocturna com pequenos grandes poemas, opera o corpo com linhas musicais e torna-te Daniel Faria
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aqui andamos, aqui vamos nós ao nosso encontro
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invísivel é a costela que nos pariu!
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segunda-feira, 28 de junho de 2010
sábado, 26 de junho de 2010
"Fazer amor sem verter o sémen"
Su Nu ao Imperador Amarelo
ECOLOGIA? (para ANAEDERA)
sexta-feira, 25 de junho de 2010
"Fogos", por Isabel Rosete
Uma dádiva de Prometeu
Que aos homens o fogo doou.
As árvores despidas pelos ventos do Norte
Acolhem as aves migratórias, que à Natureza doam
Os frutos de cada antemanhã,
De todas as auroras, ou de cada pôr-do-sol,
Que brilha em cada rosto puro ou
Em cada corpo despido dos véus da hipocrisia,
Ou em cada alma afagada pela ternura
De um olhar tão são, quanto transparente.
A Natureza abraça, no seu doce leito,
As tenras crias, que suspiram pela liberdade,
Numa tarde de imensa alegria.
Fogos, estilhaços de prazer, encantos,
Néctares... fervilham na aura do divino
Cheio da Graça recriadora, que do Nada faz Ser.
Vibrações de energias estonteantes
Mostram-se por todos os lugares, onde
O Fogo torna o frio, quente, e o gelado,
Abrasador. Esvaíram-se os corações de pedra.
A doçura retorna ao seu lugar natural, e a Paz
Perpetua-se por entre as tréguas da Guerra.
Já não há mais sangue derramado!
Já não há mais corpos mutilados!
Isabel Rosete
25/06/2010
Simples canções da terra
Nascem versos em nós como se de ervas
surgissem florestas.
Noite ou manhã, que importa, só
conta para a vida haver navios
cavando as suas ondas 'té ao fundo...
Todas as horas são manhã para quem vai
consigo sem ir só
até ao fim do mundo.
Adolfo Casais Monteiro. Poesias completas. p.137
"O coração verdadeiro não tem guia"
Adolfo Casais Monteiro. Poesias completas. Excerto do Poema A vida Inteira, p.139
quinta-feira, 24 de junho de 2010
quarta-feira, 23 de junho de 2010
-vida-
Queria, queria
Ter a singeleza
Das vidas sem alma
E a lúcida calma
Da matéria presa.
Queria, queria
Ser igual ao peixe
Que livre nas águas
Se mexe;
Ser igual em som,
Ser igual em graça
Ao pássaro leve,
Que esvoaça...
Tudo isso eu queria!
(Ser fraco é ser forte).
Queria viver
E depois morrer
Sem nunca aprender
A gostar da morte.
Pedro Homem de Mello, Estrela Morta
terça-feira, 22 de junho de 2010
segunda-feira, 21 de junho de 2010
Poema para Saramago
Os cães de fila do Senhor
ainda uivam
sempre que alguém voa
acima da fé cega
e do amor à dor e ao sacrifício
o Santo Ofício que nunca foi santo
hoje tem blogues e jornais online
já não quebra ossos
nem rompe maxilares
para abrir os impenitentes
à verdade da confissão
para os que andam de pé
a fé é mais que moralismo inclemente
é poder ver sem barreiras
a grandeza dos humanos
para lá das fronteiras
e dos vários enganos com que se impede a vida
de ser perfeita
não precisa de absolvição
quem se recusa servir a Deus
com tanta criança a morrer de fome
quanto vale um cálice de ouro
trocado por leite e pão?
Quantos brocados e barretes doirados
poderiam ser trocados por vacinas
e preservativos?
Que a terra seja cada vez mais de homens e mulheres inteiros
uma terra de compaixão e de respeito por todos os que vivem
uma terra resgatada de prantos
aberta ao futuro
semeada de esperança
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P.S.: De cavaquices não falo no poema, porque mesmo em poesia pequena não cabe a imbecilidade.
domingo, 20 de junho de 2010
sobre as CINZAS - realidade dura
sábado, 19 de junho de 2010
SER AMARGO
Coisas de todos os dias. Limpar a casa
Na rua uma casca de banana perdida. Curvo-me para apanhá-la e coloco-a no lixo.
A dona Albertina deve estar a chegar. Vai deixar a minha casa toda limpa. Se eu não estivesse assim tão cansada...
Coisas de todos os dias. Carro do lixo
Caixote de lixo aberto é caixote liberto do entulho diário. O cheiro se espalha, corre em cada esquina pedindo juízo ao viajante distraído. Quem está na cama não abre a janela. Cerra as mãos no nariz e espera que o cheiro passe.
Conto até dez, inspiro, expiro e volto a contar. Revejo meu corpo da cabeça aos pés. Nessa viagem silenciosa por fim adormeço.
Amanhã é domingo. Descansa o lixo em cada casa.
Pensar a Filosofia para Crianças
Fundação Calouste Gulbenkian - Sala 1
Abertura - João Caraça - Director do Serviço de Ciência da Fundação Calouste Gulbenkian
Painel:
A Filosofia para Crianças - Dina Mendonça - Investigadora da Universidade Nova de Lisboa e Presidente da Associação Brincar a Pensar
A Experiência da Filosofia para Crianças no Valsassina - João Valsassina - Director Pedagógico do Colégio Valsassina
A visão da Pediatria e do Desenvolvimento - Paulo Oom - Clinica Gerações e Instituto de Ciências
da Saúde - Universidade Católica Portuguesa
O percurso da Filosofia para Crianças no Centro Cultural de Cascais -CCC
O encerramento estará a cargo de Ricardo Santos - Presidente da Sociedade Portuguesa de Filosofia
Participantes: Escolas, Educadores, Professores e Pais
Inscrição gratuita em www.brincarapensar.pt
sexta-feira, 18 de junho de 2010
"Se eu pudesse fecharia todos os Zoológicos do mundo" - Homenagem a José Saramago
Su último aldabonazo es en contra de los zoológicos y los espectáculos de circo con animales. Lo hace para defender algo tan aparentemente anecdótico como la vida de Susi, la pobre elefanta deprimida del zoológico de Barcelona de la que ya os hablé la semana pasada.
Os pongo a continuación el principio de su artículo Susi, publicado el paso 19 de febrero en su muy recomendable blog personal El cuaderno de Saramago, una dura crítica a estos centros de reclusión de animales que deberían cerrarse cuanto antes. Gracias maestro.
...
Si yo pudiera, cerraría todos los zoológicos del mundo. Si yo pudiera, prohibiría la utilización de animales en los espectáculos de circo. No debo ser el único que piensa así, pero me arriesgo a recibir la protesta, la indignación, la ira de la mayoría a los que les encanta ver animales detrás de verjas o en espacios donde apenas pueden moverse como les pide su naturaleza. Esto en lo que tiene que ver con los zoológicos. Más deprimentes que esos parques, son los espectáculos de circo que consiguen la proeza de hacer ridículos los patéticos perros vestidos con faldas, las focas aplaudiendo con las aletas, los caballos empenachados, los macacos en bicicleta, los leones saltando arcos, las mulas entrenadas para perseguir figurantes vestidos de negro, los elefantes haciendo equilibrio sobre esferas de metal móviles. Que es divertido, a los niños les encanta, dicen los padres, quienes, para completa educación de sus vástagos, deberían llevarlos también a las sesiones de entrenamiento (¿o de tortura?) suportadas hasta la agonía por los pobres animales, víctimas inermes de la crueldad humana. Los padres también dicen que las visitas al zoológico son altamente instructivas. Tal vez lo hayan sido en el pasado, e incluso así lo dudo, pero hoy, gracias a los innúmeros documentales sobre la vida animal que las televisiones pasan a todas horas, si es educación lo que se pretende, ahí está a la espera.
fraca tentiva de fazer um poema à Platero
escrevia, escrevia
Quanto mais escrevia
mais queria escrever
Foi para Espanha
Espanhar os ares
tendo como pilar
uma tal de Pilar
Por lá ficou
não sei bem se meses ou anos
ou talvez fosse apenas uma Caminhada de Elefante
Fez nascer um evangelho
e, Levantado do Chão, Caim surgiu,
reclamando direitos de autor
Quem não achou piada
foi Fátima
que mais tarde se veio revelar
mandando tiros para o ar
onde um deles acabou por acertar em alguém
O Homem partiu
não a perna nem o baço
mas partiu para as suas Intermitências
fugindo à estrada principal da Cova de Sta. Íria
Comunista de fé
viciado em palavras
nobel em palavras cruzadas
nunca soube o que era o Spam
O escritor morreu
levando consigo o homem
deixando a mulher com tudo
inclusive os Danacol
e os postais do Fidel na Serra Leoa
Precisam-se de novos talentos
de preferência de baixa estatura
e que ignorem que um tal Lobo Antunes existe
Enfim, o Sara\mago morreu
e agora,
quem manda aqui
SOU EU!
despedida
Seguindo até ao âmago do inteligível o gesto platónico, o belo em si não é belo, é a excessividade pura que torna a beleza sensível possível. Horrível a consciência aprofundada disto. A consciência levada à anulação de si. À sua superação.
O belo atira-nos de chofre no poço escuríssimo da perdição. Nas águas negras de nada ter sentido em si, para si e para além de si.
Nascidos para nos perdermos no tempo e do tempo, a tempo de nos vermos totais, perdemos o tempo com a ninharia de sermos uma cristaleira repleta de porcelanas e cristais que não usamos com medo que se partam. Guardamo-los para as visitas, se forem de cerimónia. O resto da plebe contenta-se com os copos de plástico e as canecas já quase sem estampado de tanto irem à máquina de lavar.
Todos os nossos actos deveriam ser sagrados, mas não é por isso que valerá a pena comprar papel higiénico colorido, hoje tanto na moda. A sacralidade da vida simples, a sacramentalidade de cada momento, isso deve bastar-nos. Não deveríamos precisar de mais nada para além da precisão que há em termos nascido quando nascemos. Ainda não há um pronto-a-nascer. Temos a vida que nos serve, muito mais larga que o XXL e com o tamanho pequeno que nos corresponde, se, em vez de crescer, pusermos todo o nosso empenho em minguar.
No dia de hoje, por exemplo, neste dia preciso (só na desatenção com que o vivemos poderemos achá-lo igual aos outros...) onde e quando nos visitou a beleza? E como a recebemos? E será que já percebemos que a beleza não tem que ser bonita? O feio muitas vezes é o não vermos a beleza no seu estado puro ou impuro, a própria pureza não tem que ser pura. A cristaleira é que gera a ideia errada de que a vida comum é sem cerimónia. O cerimonial é que muitas vezes é sem vida. Caiados por fora, os sepulcros têm uma forma bonita de apresentar o que é putrefacto.
Mas mesmo isso é acreditar na permanência do que é eterno.
Hoje José Saramago partiu deste mundo. Penso que contribuiu para que mais pessoas possam ver a beleza. E isso não é pouco. Serviu com nobreza o ofício de escritor. E agora, sem o peso do ego, que a sua obra frutifique (não me refiro especificamente ao autor, mas a todos nós).
quinta-feira, 17 de junho de 2010
desporto
terça-feira, 15 de junho de 2010
Debate público com o Dr. Fernando Nobre sobre ecologia, direitos dos animais, consumo de carne e fome no mundo
O Dr. Fernando Nobre, enquanto candidato à Presidência da República, exporá as suas posições sobre a questão ecológica, os direitos dos animais, o consumo de carne e a fome no mundo, num debate público que terá lugar no dia 24 de Junho, 5ª feira, às 18.30, no Anfiteatro IV da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
O moderador será Paulo Borges e a organização é da revista Cultura ENTRE Culturas, com o apoio do Movimento Outro Portugal (Manifesto Refundar Portugal) e do Partido Pelos Animais. Serão dirigidos convites aos demais candidatos para debater as mesmas questões.
A revista Cultura ENTRE Culturas agradece ao Dr. Fernando Nobre haver aceitado o convite para debater publicamente estas questões, de crucial importância no momento actual.
A revista, dedicada ao diálogo intercultural e ao despertar da consciência cívica para as grandes questões mundiais, estará à venda no evento.
segunda-feira, 14 de junho de 2010
Ganhar o pão e transformá-lo em palavra poema
Ser água para humedecer as vozes conjuntas
E imaginação na lavoura da realidade
Há que ser buraco para inventar harmonias
Dizer que a noite é apenas uma pequena dor
Ser-se livro que termine num sossego de cal
Haver amor para a cura de alguém
Ter pássaros no pensamento do pensamento
Provar da terra nos vai guardar
Há que entornar música sobre os homens vazios,
Multiplicar rosas brancas com ciências humanas
Ter uma costela a sonhar com esplendor
Um rio sem margens de dúvidas
E haver uma criança que nos apavore, lembrando-nos:
Que toda a vida não é a vida toda
A pobreza de Deus (Maurice Zundel)
O artigo completo aqui.
vendilhões do TEMP(L)O
"Por isso, os poetas adivinham [...]"
- Guerra Junqueiro, "Raul Brandão (carta-prefácio aos "Pobres")", Prosas Dispersas, Porto, Lello & Irmão, 1978, p.39.
domingo, 13 de junho de 2010
A aberração da tourada à corda nas Festas do Espírito Santo
Expresso a minha profunda indignação por se reactivarem as Festas do Espírito Santo na aldeia do Penedo com uma tourada à corda, que da última vez terminou em maltratos tais que o animal foi para o matadouro já agonizante. Fui autor de uma peça de teatro, "Folia", que foi encenada durante dois anos na Quinta da Regaleira, onde se recriava o interessante simbolismo da Festa do Espírito Santo, que não necessita de qualquer sacrifício animal. Há que purificar as tradições da violência que as converte em factores de degradação do homem e do animal. Sem isso, Portugal não recupera do atraso mental, nestas questões, em relação à humanidade culta. E que absurda aberração, associar a invocação do Espírito divino ao gáudio perante a tortura de um ser indefeso!
Convido todos a escreverem em protesto ao presidente da Câmara Municipal de Sintra: geral@cm-sintra.pt
Versão integral da entrevista de Paulo Borges e Fernanda Roxo (PPA) ontem parcialmente publicada no "Jornal de Notícias"
1 - Como surgiu o Partido Pelos Animais?
A ideia surgiu da constatação de que a defesa dos direitos dos animais tem de passar por uma intervenção jurídica e política que terá mais força e visibilidade se for levada a cabo por um Partido com representação na Assembleia da República e que dê voz às aspirações das associações animalistas e ambientalistas. Surgiu da constatação de que vivemos num dos países mais atrasados da Europa no que respeita ao reconhecimento dos direitos dos animais e de que nenhuma força política existente tem feito alguma coisa pelos seres sencientes mais desprotegidos do planeta. Após vários meses de amadurecimento da ideia, decidimos avançar em Maio de 2009. A proposta de proibição de animais selvagens nos circos havia sido recentemente chumbada na Assembleia da República e, também por essa razão, sentimos que este projecto era necessário e urgente, pelo que não fazia sentido adiá-lo. O PPA assume-se como a grande novidade na política portuguesa desde o 25 de Abril de 1974, um Partido Inteiro, que luta pelo bem de tudo e todos, a natureza e os seres vivos, humanos e não humanos.
2 - Têm conseguido obter o apoio que precisam para formalizar a inscrição do partido junto do Tribunal Constitucional?
Sim, felizmente o projecto foi recebido, desde o primeiro momento, com um enorme entusiasmo. Com o apoio de centenas de voluntários que recolheram assinaturas por todo o país, continente e ilhas, e muitos cidadãos empenhados de forma espontânea e desinteressada na divulgação do partido, já entregámos cerca de 10000 assinaturas, mais do que as 7500 necessárias à formalização do PPA junto do Tribunal Constitucional, a qual aguardamos a todo o momento.
3 - O que pretendem fazer ou ver realizado depois de ser conhecidos como partido político?
O grande propósito do PPA é introduzir a questão animal na esfera política, recusando a habitual desculpa das "outras prioridades". Acreditamos firmemente que, se os políticos forem frequentemente confrontados com a necessidade de discutir e reflectir sobre esta questão, acabarão por constatar a triste realidade e compreender que não é preciso muito mais do que vontade política para a transformar completamente. A nossa grande bandeira é a luta pela consagração na Constituição da República Portuguesa do direito dos animais à vida e ao bem-estar, alterando depois o Código Civil, para que estes deixem de ser encarados como meros objectos. As nossas propostas serão muitas e inovadoras, e temos inclusivamente contado com o apoio de dezenas de associações de cariz animal e ambiental, que nos têm enviado a sua preciosa contribuição, resultante de anos e anos de experiência. A dedução das despesas com os animais de estimação no IRS, a remodelação do funcionamento dos canis municipais e o apoio à agro-pecuária extensiva são alguns exemplos das nossas ideias. Outro ainda é a promoção de alternativas ao consumo excessivo de carne praticado pela maioria da população portuguesa, que, para além do sofrimento animal, acarreta ainda sérios malefícios para a saúde e contribui de forma muito significativa para as alterações climáticas e a degradação do meio ambiente.
4 - Considera que os partidos existentes deixam um pouco de lado os direitos dos animais?
Sem qualquer dúvida. Aliás, foi precisamente por isso que sentimos a necessidade de avançar com este projecto. Dos 16 partidos e coligações que se apresentaram às últimas eleições legislativas, apenas um incluía no seu programa algumas medidas de promoção do bem-estar animal, numa iniciativa que naturalmente aplaudimos, apesar do conservadorismo das medidas propostas, na altura abordado pelo PPA no nosso website. É manifestamente pouco. E o desprezo pela temática animal assume particular gravidade se repararmos que alguns desses partidos propalam a sua suposta orientação ecologista. "Ecologia", como muitos saberão, deriva do grego "oikos", que significa "casa". Um ecologista é alguém que defende o ambiente em que vivemos, o nosso planeta, a nossa casa. Uma casa da qual, segundo os partidos políticos portugueses, os animais ficam à porta. A desculpa são sempre as "outras prioridades". É óbvio que há outras prioridades, sempre haverá. Mas é exactamente por haver tantas prioridades distintas que o Estado tem dezenas de ministros e secretários de estado e milhares de funcionários, para que possa tratar de vários temas ao mesmo tempo. E é isso que nós, enquanto cidadãos, temos o dever de exigir.
5 - Como tem sentido a evolução da sociedade perante os animais?
Não dispomos de números que nos indiquem essa evolução de forma objectiva, mas felizmente cremos que tem havido uma evolução positiva na forma como a sociedade portuguesa vê e trata os animais. Embora de forma lenta, são cada vez mais os portugueses que tomam consciência de que a forma como os animais em geral são tratados no nosso país não é aceitável e assumem a sua motivação para lutar contra essa situação. Mas ainda é muito pouco. Temos que unir-nos e continuar a lutar.
6 - Não acha que falta uma nova mentalidade capaz de permitir uma relação de respeito e proximidade com os animais e a natureza?
É interessante que falem em "nova" mentalidade. De facto temos a noção, e deixamos claro no nosso manifesto, que a visão do PPA vem introduzir um novo paradigma mental, ético e civilizacional na política nacional. Uma "nova" mentalidade, efectivamente, que torne a humanidade mais fraterna e solidária do universo em que vive e de todas as formas de vida com que convive. O ser humano deve compreender que não é dono e senhor dos animais e da natureza, que também tem o seu lugar no ecossistema e que o equilíbrio desse mesmo ecossistema é essencial à sua própria sobrevivência. Além disso, os animais, enquanto seres sencientes, têm dignidade intrínseca e merecem ser respeitados independentemente disso ser essencial à sustentabilidade do ecossistema e à sobrevivência do ser humano ou não. É urgente combater o especismo, que, tal como o racismo, o sexismo e tantas outras formas de discriminação, não é mais do que a crença, obviamente equivocada, de que se é superior e se tem o direito a maltratar, oprimir e explorar outros seres só por se ter mais poder, um diferente tipo de inteligência ou pertencer a uma raça, sexo ou espécie diferentes. É importante, sobretudo, que as pessoas reflictam sobre este tema, pois o mais provável é que nunca o tenham feito, acomodadas que estão à ideia estabelecida de que os animais são coisas, mercadoria, objectos decorativos, a sua carne é comida, a sua pele é tecido. É preciso encorajar as pessoas a questionar o estabelecido. É por essa razão que o PPA pretende ser, mais do que um simples partido político, uma força de intervenção, informação, sensibilização, consciencialização e mobilização dos portugueses na temática animal e não só.
7 - A preocupação em criar leis para defender os animais de todos os tipos de exploração é a única forma para demonstrar uma atitude equilibrada com o planeta?
Não é seguramente a única forma, mas é uma forma muito importante. Pessoalmente, cada um de nós deve demonstrar essa atitude equilibrada em cada dia, nas suas acções e nas suas escolhas. As empresas e outras entidades têm também diversas formas de demonstrar essa atitude equilibrada perante o planeta. Quanto aos Estados, as duas formas essenciais de fazê-lo são através da educação e da legislação. Se é verdade que a primeira tem muito poder e muito poderá e deverá ser feito nessa área, a segunda é também absolutamente fulcral. A melhor forma de um Estado mostrar que se preocupa com os animais e o ambiente é ter uma legislação justa e actualizada nesses âmbitos e assegurar-se do seu cumprimento. Se é o próprio Código Civil a considerar que os animais são meros objectos, dificilmente se poderá esperar que sejam tratados de outra forma. Por essa razão, como já foi mencionado, a nossa prioridade é consagrar na Constituição da República Portuguesa o direito dos animais à vida e ao bem-estar. A partir daí terá de se alterar o Código Civil, o que resultará na criminalização dos maus-tratos, abandonos, etc., que hoje são considerados meras contra-ordenações, raramente punidas. E daí virão todas as consequências, a nível social, económico e político, tornando-se possível introduzir progressivamente melhorias no modo como os animais são tratados, até à desejável abolição de todo o seu sofrimento.
8 - Qual a sua opinião em geral do voluntariado (aos animais) que é feito, um pouco por todo o pais?
Naturalmente acompanhamos de perto o trabalho desenvolvido pelas dezenas de associações e centenas de indivíduos em nome particular que dedicam tempo, dinheiro e muito esforço à causa animal. Aliás, muitas das pessoas envolvidas no PPA estão ligadas a associações de defesa dos animais. Reconhecemos a heróica dedicação desses voluntários, mas a realidade é que a sua função, no contexto actual, é a de tentar tapar um buraco sem fundo. Enquanto não houver transformações de fundo na temática animal, enquanto os animais forem coisas e maltratá-los ou abandoná-los não for crime, enquanto os canis municipais forem campos de concentração, enquanto não houver uma aposta séria na esterilização, nada mudará. Aplaudimos a dedicação de todas essas pessoas, e agradecemos-lhes em nome dos milhares de animais que vão salvando, mas os milhares que aparecem todos os dias a necessitar de salvação são a prova de que é preciso mais. É preciso melhor legislação, mais fiscalização e mais apoio do Estado às associações, além de uma forte estratégia de sensibilização da população. É preciso atacar a causa e não o efeito. Só assim poderemos solucionar o grave problema dos animais de companhia em Portugal.
9 - Com todos os avanços da ciência, pesquisas mostram que o convívio com os animais é considerado um dos melhores recursos terapêuticos. Qual é a sua opinião?
É muito bem-vinda essa validação científica da importância dos animais enquanto recursos terapêuticos. Além dos programas de terapia assistida com animais, sejam cães, cavalos, golfinhos ou outras espécies, qualquer pessoa que já tenha convivido com animais sabe, e a ciência também já o demonstrou, que o simples convívio com um animal de estimação tem efeitos muito positivos na vida quotidiana. Um animal é uma companhia, um amigo, até mesmo um factor de união entre as famílias, segundo alguns estudos. O convívio com animais de estimação é excelente para a saúde, pois reduz o stress, a ansiedade e a pressão arterial. Pessoas que moram com animais de estimação adoecem menos vezes, vão menos vezes ao médico e convalescem mais rapidamente. Ao contrário do que diz o senso comum, as crianças que crescem com animais de estimação são menos propensas a vários tipos de alergias. Crescer com um animal de companhia torna as crianças mais responsáveis e promove a sua auto-estima e empatia, inclusivamente para com outros seres humanos. Alguns estudos demonstram mesmo que as crianças que crescem com animais de estimação têm uma maior probabilidade de virem a ser adultos bem sucedidos. Para os idosos, ter um animal de estimação estimula o raciocínio e o sentido de responsabilidade e promove a actividade física e social. Segundo várias pesquisas, as pessoas que convivem com animais de estimação são mais produtivas no trabalho, e várias empresas estão a abrir as suas portas aos animais de estimação dos seus funcionários, pois acreditam que essa medida não só aumenta a produtividade, mas também reduz o absentismo e melhora o ambiente entre colegas. Em estabelecimentos prisionais, estudos demonstraram que os reclusos a quem foi concedida a possibilidade de cuidar de um animal de estimação se tornaram menos violentos e mais responsáveis. Tudo isto está documentado, e poderíamos falar de muitas outras questões, como a possibilidade de alguns cães serem capazes de detectar doenças, que a ciência se encontra ainda a investigar. Estas são apenas mais algumas das muitas razões pelas quais devemos respeitar e proteger os animais, como seres vivos e sencientes que são, que connosco partilham o planeta e com quem devemos viver em harmonia, para benefício de todos.
sábado, 12 de junho de 2010
Itinerarium mentis in Deum
Filosofia e felicidade. O exercício filosófico apenas faz sentido se proporcionar a felicidade? É a felicidade ou o seu desejo que impulsiona a especulação? O pobre que especula no deserto. O deserto é um local inóspito, despido de vegetação, onde não há água, que causa sofrimento. Local de purgação, ascese, de confronto com os demónios que assolam a alma e que moram nela, lugar agónico. É também local de passagem. Para ir à paz é necessário passar pelo deserto (da razão?).
Em última instância, a felicidade deixa de ser o que move o homem a especular. Quando se dá o apercebimento de que não se necessita de nada para ser feliz e, ao mesmo tempo, que nada deste mundo pode fazer absolutamente feliz, a procura da felicidade deixa de ser o que preocupa e move. A especulação passa a ser fruto do amor. É o amor a Deus que move ao Anúncio. A paternidade e maternidade espiritual é, neste estado, a aspiração da alma. O amor a Deus e aos homens impele a alma a especular e a comunicar. Fazer gerar ideias nos outros. Ajudar a conceber ideias que reflictam a Bondade de Deus. A condução das almas para Deus é a dinâmica que anima a especulação filosófica. E isto é pobreza, na medida em que nada se possui, só o amor que anima a vontade e a vontade que anima o amor.
sexta-feira, 11 de junho de 2010
Entrevista dada a Gisela Martins, sobre a Filosofia, para um trabalho no Ensino Secundário
A filosofia, como o seu nome indica, é o “amor da sabedoria”, que entendo como conhecimento global dos vários aspectos da realidade e prática do melhor modo de viver, para o bem de todos os seres sencientes, humanos e não humanos. Isto inclui o respeito pela natureza e pelo equilíbrio ecológico. Creio ser importante recuperar a tradição da filosofia como “modo de vida”, como acontecia na Grécia antiga e hoje ainda acontece na Índia. A filosofia degenerou ao tornar-se um exercício meramente intelectual, escolar e livresco, que muitas vezes não transforma a vida de quem a supõe exercer.
2 - Pode afirmar-se a existência de uma filosofia portuguesa?
A filosofia, na sua essência e no seu exercício pelos filósofos, nunca será portuguesa, francesa, alemã ou chinesa, nunca será nacional, mas, na sua expressão histórico-cultural, é legítimo falar-se de tradições específicas e algo diferenciadas em cada nação, também devido ao modo como a língua condiciona até certo ponto o modo de pensar. É o que acontece em Portugal.
3 - Quais os filósofos portugueses que mais se notabilizaram na época moderna e contemporânea?
Sem esquecer o medieval Pedro Hispano e o renascentista Leão Hebreu, recordo Francisco Sanches, que pode ter influenciado Descartes, e depois Amorim Viana, Antero de Quental, Sampaio Bruno, Teixeira de Pascoaes, Leonardo Coimbra, Raul Brandão, António Sérgio, Raul Proença, Fernando Pessoa, Raul Leal, José Marinho, Álvaro Ribeiro, Delfim Santos, Agostinho da Silva, Eudoro de Sousa, Vergílio Ferreira, Vasco de Magalhães-Vilhena, Abel Salazar, Vieira de Almeida, António Quadros, Orlando Vitorino, Afonso Botelho e Fernando Gil. Isto entre muitos outros e não falando dos que estão vivos. Alguns expressaram o seu pensamento poeticamente, o que é frequente em Portugal.
4 - A filosofia tem uma utilidade em diversos contextos ou é redutível a um conjunto de especulações teóricas?
A filosofia tem a grande utilidade de questionar e indagar o que é útil nos diversos contextos e até de questionar se algo tem de ser útil para ser valioso. As especulações teóricas nunca são redutíveis a si próprias, pois o que pensamos traduz-se sempre no modo como vivemos e agimos. Uma especulação teórica já é uma acção, que não nos deixa mentalmente iguais e que tende a expressar-se no mundo.
5 - O que significa para si a dimensão da filosofia?
Não sei bem o que quer dizer com “dimensão da filosofia”, mas diria ser a da experiência da visão, do espanto, da interrogação perante o haver algo e da busca de compreender tudo isso.
6 - Qual é o melhor argumento para se seguir e ter gosto por filosofia?
Duvido que se siga e tenha gosto pela filosofia devido a argumentos. A filosofia é uma vocação com que se nasce ou algo que se pode cultivar na medida em que sejamos capazes de não nos conformar com opiniões, tradições e ideias feitas, ousando a experiência de pensar por si mesmo em diálogo com os grandes pensadores e, mais importante, com a experiência profunda da vida.
7 - Em que medida a lógica formal é importante no âmbito da actividade filosófica?
É um bom instrumento para pensar conceptualmente e expressar rigorosamente o que pensamos, mas devemos precaver-nos de reduzir a isso a filosofia, que deve abrir os conceitos e a sua lógica ao impensado que surge em múltiplas formas da experiência humana: religiosa, estética, ética, política.
8 - Que importância tem o budismo na sua vida?
O chamado budismo é a via que sinto mais adequada ao que busco, realizar plenamente as minhas potencialidades cognitivas e afectivas, aceder ao estado de Buda, pois é a que mais me exige: ver as coisas tal qual, para além de véus conceptuais e emocionais, e amar incondicional e imparcialmente todos os seres vivos. É a via para além de todas as vias e de todos os “ismos”, incluindo o “budismo”. É a via sem via para se ser o que no fundo desde sempre se é.
9 - Poderão os filósofos contribuir para a resolução dos problemas que actualmente a sociedade portuguesa atravessa?
Todos os problemas, agora e sempre, onde quer que surjam, apenas se devem à falta de sabedoria vivida e praticada, que não seja um mero conhecimento intelectual. Um filósofo que realmente o é, na medida em que viva filosoficamente, como foi o caso de um Agostinho da Silva, é o melhor conselheiro de uma sociedade, que deve tomá-lo como exemplo. O problema é que os homens dificilmente estão disponíveis para reconhecer e escutar os filósofos e ainda menos os sábios, pois estes nada prometem e antes tudo exigem, e o mais difícil, de cada um de nós. Os homens preferem dar ouvidos a todo o tipo de promessas dos comerciantes, dos publicitários e desses outros comerciantes e publicitários que são hoje os políticos, mesmo sabendo, lá bem no fundo, que são sempre falsas e que só visam enganá-los. Ou então preferem anestesiar-se com tóxicos, incluindo esses tóxicos lentos e invisíveis que são o consumismo e o futebol, entre outros. Esse é um dos grandes problemas da sociedade portuguesa actual e do mundo em geral, que caminha anestesiado para a catástrofe económica e ecológica. A sua solução implica uma profunda mudança, que será dolorosa pois implica a renúncia involuntária aos nossos hábitos mais enraizados.
10 - Caso possa, gostaria de deixar alguma mensagem para os jovens?
Tomem consciência de que não serão jovens para sempre e, antes que vocês próprios, a sociedade, a doença, a velhice e a morte vos corrompam, não vão atrás das propagandas oficiais familiares, escolares, sociais e políticas, despertem das ilusões que regem o mundo, antecipem em vocês a mudança que desejam, sejam felizes e tornem-se contagiantes! Nunca pensem a uma escala estreita: não queiram só o vosso bem, nem o dos vossos parentes, amigos, concidadãos ou membros da mesma espécie. Esforcem-se por um mundo melhor para todos os seres! É isso que abre a mente e o coração e torna a vida digna de ser vivida.
Trazer o Amor para a política
berlindos
quinta-feira, 10 de junho de 2010
troco a minha rua pela tua
Naquele dia trocámos algumas palavras, à conta de uma bola que veio parar aos meus pés.
- Senhor, a bola…?
- Aqui tens, desculpa. – Disse-lhe.
- Eu é que peço desculpas, distraí-me. Acho sempre que a rua é completamente minha.
- E não é? – Perguntei . O estranho aqui sou eu. Turista. De visita, de passagem.
- Eu acho que a rua é minha. E é aqui que vivo, passo os meus dias quando não estou na escola. Gosto de aprender as coisas da escola, mas na rua também se aprende muito. – Respondeu-me.
Eu já lhe tinha entregue a bola. E ele conversava comigo, lançando a bola de uma mão para outra. Um movimento pendular tão hipnotizante quando o brilho dos seus olhos.
- Diz-me uma coisa que tenhas aprendido na rua.
- Eu? Eu cá aprendi a crescer. A deixar de ser criança. Só quando brinco com os meus amigos – e virou-se para apontar o grupo que o esperava – é que consigo ser um bocado criança e brincar sem pensar muito nisso. De resto, viver na rua é coisa de gente grande. E eu tive que crescer. Não em altura, mas para sobreviver.
Sorriu. Disse-me adeus, acenando com a bola na mão. Voltou para o grupo de amigos e nem olhou para trás. Fiquei a observá-los durante algum tempo, a observar a magia de ser criança «sem pensar».
No dia seguinte, voltei ao mesmo sítio, na esperança que a bola o encaminhasse de novo para mim. Mas as férias acabaram sem que o voltasse a ver. Enfim, também eu tive que deixar de ser «criança» para voltar a pensar em muitas coisas, no meu regresso aos dias de todos os dias. Nesses dias, lembro-me daquele pequeno, para quem a rua era o palco do seu crescer. Aqui os meus palcos são outros.
Comprei uma bola igual ao do pequeno. Guardo-a na gaveta do meu escritório, que é a «minha rua», onde «aprendi a crescer».
texto de Joana Sousa | fotografia de João Sousa
projecto Olhar a Palavra [em olharapalavra.com]
10 de Junho
Luíz Vaz de Camões: Cá nesta Babilónia
Cá nesta Babilónia, donde mana
Matéria a quanto mal o mundo cria;
Cá, onde o puro Amor não tem valia,
Que a Mãe, que manda mais, tudo profana;
Cá, onde o mal se afina, o bem se dana,
E pode mais que a honra a tirania;
Cá, onde a errada e cega Monarquia
Cuida que um nome vão a Deus engana;
Cá, neste labirinto, onde a Nobreza,
O Valor e o Saber pedindo vão
Às portas da Cobiça e da Vileza;
Cá, neste escuro caos de confusão,
Cumprindo o curso estou da natureza.
Vê se me esquecerei de ti, Sião!
Luís Vaz de Camões, in Sonetos
quarta-feira, 9 de junho de 2010
"TODOS DIFERENTES TODOS ESPECIAIS"
. A ARTE NA ERA DO PORQUINHO BABE .
. JARDIM DE INVERNO DO TEATRO MUNICIPAL DE SÃO LUIZ . LISBOA .
. 7 DE JUNHO 2010 .
TODOS DIFERENTES TODOS ESPECIAIS
Mental Noise, 2010, 23´- filme de Ilsa D´Orzac
Em 1919, D.W.Griffith realizou Broken Blossoms (O Lírio Quebrado), filme que relata uma história de violência do “mais forte” sobre o “mais fraco”, de um “homem” sobre uma “mulher”, de um “pai” sobre uma “filha”. O século XVIII viu surgir três movimentos: o abolicionismo, o feminismo e a luta pela defesa dos direitos dos animais. Estes movimentos têm em comum a defesa dos direitos de seres que sentem e sobre os quais era, e em muitos casos ainda é, impunemente infligido sofrimento. A violência de um animal humano sobre outro animal humano, de um homem sobre uma mulher ou de um animal humano sobre um animal não humano, pertencem ao mesmo domínio mental. Mental Noise, de Ilsa D´Orzac, é sobre essa relação e dedicado a todos os seres sencientes. Por essa razão pede emprestado imagens de Broken Blossoms e toma Lilian Gish como representação dos seres sencientes maltratados, humanos e não humanos, que precisam de ser defendidos por todos nós. Em 1772, a ideóloga e intervencionista inglesa Mary Wollstonecraft, publicou o primeiro tratado reivindicativo de liberdade e igualdade, não apenas entre homens mas também para as mulheres e para os animais, contestando a violência nas suas várias formas de expressão: contra raças, sexo, condição económica, infância, animais e contra a Natureza. Passaram duzentos e trinta e oito anos e se olharmos à nossa volta… o que dizer dos vitelos torturados impiedosamente para que a sua carne permaneça tenra para os humanos? E de todos os outros casos, na alimentação, na experimentação, na moda, na vida quotidiana? Constatamos uma profunda regressão no que respeita a esta matéria.
Mas a defesa dos direitos dos animais não humanos não significa que os que a praticam sejam apaixonados por esses animais como quem é apaixonado por Ferrari´s ou pelos novos gadjets informáticos, ou similares. Podem ser ou não ser. Mas são, isso sim, conscientes de que o lugar que ocupam na existência e no planeta é partilhado em condições idênticas e não em arrogante supremacia atribuída pela razão. O que essa defesa manifesta é respeito pelo Vivo e reconhecimento da ignorância apensa às prerrogativas da superioridade mecanicista. Daí resulta que os que defendem os direitos dos animais também defendem os direitos dos vegetais e os direitos dos minerais. Defendem a Natureza e a natureza cosmobiológica de todos os seres, a sua incluída.
O respeito pelos outros animais é assim o primeiro grau e o ponto de partida para uma mudança de paradigma tendente a um novo entendimento e prática da Vida. Quando mais essa percepção for na sua abrangência assimilada, maior será o desenvolvimento de outras percepções sobre a existência no planeta Terra e a sua inter-relação cosmobiológica. Percepções que os sistemas orientados pelos interesses económicos e pelo lucro pretenderam e com sucesso, ilidir.
Inúmeros mal-entendidos emergem acerca do sofrimento imposto a estes seres sencientes. Por exemplo, a ideia de que é necessário comer diariamente proteínas animais. Incrível pretensão, não só porque do ponto de vista nutricional tanto funcionam as proteínas animais como as vegetais, mas também porque intenta fazer crer que ao longo da história da espécie humana os sujeitos sempre tiveram essa prática e – de não somenos importância – essa possibilidade. Obviamente é falso. Essa possibilidade passou a existir apenas desde que a produção agro-pecária em massa foi instituída, ou seja, recentemente. Outro mal-entendido é a ideia de que os animais não humanos sempre existiram para o prazer e gáudio dos humanos, qualquer que seja a forma que esse gáudio e prazer assumam. Ora, também é falso. O paradigma mecanicista assim o advoga mas o cartesianismo surgiu no século XVII, há apenas trezentos anos portanto. O que a documentação histórica confirma é que sempre existiu a defesa do entendimento oposto. Já Pitágoras (552-496 a.C.) recusava consumir carne de animais ou estar sequer próximo dos que os caçavam e matavam, e o imperador indiano Asoka (274-232 a.C.) instituiu explicitamente no seu longo e feliz reinado, a não realização de sacrifícios de sangue e a provisão de tratamentos médicos, de poços e de árvores para benefício de humanos e de animais não humanos! Outro forte mal-entendido é o famoso repto de que é integrante da natureza humana a necessidade de domínio e subjugação da Natureza e dos mais fracos, nomeadamente os outros humanos. Ainda hoje, e apesar de todas as démarches para que tal não seja possível, existem comunidades onde esse princípio não só não é praticado como é repudiado. Mas sobretudo, deveria ser do conhecimento público que a ideia generalizada de competição no universo provém de Herbert Spencer (1820-1903), autor da expressão "sobrevivência do mais apto", que pura e simplesmente a retirou do discurso económico e a implantou como prótese, no pensamento darwinista. E infelizmente graças a interesses de uns e desatenções de outros, instituiu-se como verdade o que verdadeiro não é.
Alguns pensam que esta vontade de respeito pelos animais e pela natureza é uma moda ou aberração de alguns sujeitos pós-modernos. Quanto estão enganados! Ao longo da história e em todas as épocas sucedem-se os exemplos na filosofia, na legislação, nas artes, na ciência, nas academias, de mulheres e homens que se manifestaram no espaço público e privado na luta pela defesa dos seres sencientes, incluso os animais não humanos. Em 1789, quando em Portugal (e suas colónias na Índia) e em França, os escravos negros estavam a ser libertados, nos territórios britânicos e colónias portuguesas na América e Àfrica continuavam a ser escravizados, Jeremy Bentham afirmou sobre as outras espécies animais “a questão não é saber se podem pensar ou falar, mas saber se podem sofrer!”. Atestando quanto temos sido e estamos também enganados em relação às práticas da Idade Média, é bom partilhar algo já publicado mas muito pouco assimilado. Durante a Idade Média, entre o século XIII e o século XVIII, os cinco séculos mais recentes na confluência com a instituição do pensamento mecanicista e capitalista, realizaram-se na Europa os Processos dos Animais. Em que consistiam esses processos? Consistiam na outorgação de representação jurídica legal aos interesses de animais não humanos, inconvenientes, que interferiam com o lucro e a economia das práticas agrícolas. Porque nesses tempos, os humanos não se arrogavam o direito de simplesmente abusar ou aniquilar os outros animais e sabiam que
“Tudo o que existe, existe em Deus, e sem Deus nada pode existir nem ser concebido” Espinosa
Respeitemos a Vida e o que nela Vive.
Ilda Teresa Castro
(investigadora)
POR UMA MUDANÇA DE PARADIGMA, TODOS DIFERENTES TODOS ESPECIAIS
Não deite fora este texto, guarde-o, leia-o e passe-o a outra pessoa. Todos somos especiais.
Isabel Rosete
Assumir, convictamente, a Identidade… Seguramente, o maior esforço de todo o ser humano, neste Mundo de falsas identidades ou de identidades camufladas, fundeadas no espaço camaliónico das diferenças não aceites, da imposição de um padrão comum, do estereotipado, onde não há lugar para o ser-si-mesmo, nesta sociedade do “parecer-ser”, em nome de um tal “bem-estar” comum que, na generalidade, não passa de uma mera utopia demagógica.
Vigora a mais deslavada hipocrisia anulativa das dissemelhanças, da diversidade, que faz a singela Beleza intrínseca à essência do universo físico e humano, a que já não pertencemos mais.
Adulterámos as Leis da Natureza. Instaurámos o caos cósmico. A isso, chamamos progresso! Que progresso? O da rarefacção da camada de ozono? O do efeito de estufa? O do degelo dos oceanos? O do des-equilíbrio dos ecossistemas? O da miséria das crianças sub-nutridas? O dos Povos famintos? O da infelicidade dos Homens que clamam o Paraíso perdido?
O “progresso” da irracionalidade, das mentes inconscientes, dos pensamentos corroídos pelo ódio, instaurou-se, lamentavelmente, no seio desta massa humana, indefesa, des-norteada, que hoje somos.
Coitados dos homens! Tão potentes e tão frágeis, ao mesmo tempo! Meras peças soltas do grande puzzle, do puzzle universal, onde já não se encaixam mais.
Somos mero pó, cinzas dispersas, em incandescência dissonante. Somos o brilho opaco dos restos do lixo cósmico, em degeneração total.
Corremos pelos leitos de todos os rios, que, no mar, não desaguam mais. Perdemo-nos de nós mesmos. Não nos encontramos mais. Rodopiamos num círculo imperfeito de esferas desencontradas, de espaços sem intersecção, indefinidos, incertos, indeterminados, mas, ao mesmo tempo, “extra-ordinários”, libidinais, irascíveis e concupiscentes.
Erramos, navegamos pelos espaços infindos da imaginação. Buscamos o Infinito, o Eterno, o Imutável. Projectamos um futuro outro, apenas existente no mundo ficcional de todos os nossos sonhos que, do “princípio da realidade” se afastam, para erguerem, sempre, o “princípio do prazer”.
Velejamos por todos os mares. Pairamos por todos os espaços siderais. Percorremos todos os caminhos da Floresta, sempre paralelos, sempre descontínuos! A escolha não é mais possível!
Esmagamos um Ego desesperado, descentrado de si mesmo, tão narcísico quanto paradoxal. E, no entanto, ainda somos aves de rapina, predadores universais, dominadores de todas as possíveis presas, dissimulados num habitat, que já não é mais natural.
Percorremos todos os atalhos. Edificamos uma nova ordem. A da caoticidade mundial. E, no entanto, ainda somos apelidados de “animais racionais”.
Que racionalidade é esta, criadora de um tempo de infortúnio? Que racionalidade é essa, geradora de todas as misérias? Que racionalidade é esta re-veladora da massa indigente das gentes vagueantes, bicéfalas?
E a salvação? Ainda é possível? É, sem dúvida! Porém, apenas se nela depositarmos, convictamente, a força geradora da nossa vontade-de-poder.
Isabel Rosete
terça-feira, 8 de junho de 2010
Das revoluções como "travão de emergência"
10 de Junho - Colóquio "A Missão de Portugal no Mundo": Portugal, que Futuro? (últimas inscrições abertas)
Programa
9H – ACREDITAÇÃO
10H – ABERTURA E BOAS VINDAS AOS COLÓQUIOS 2010 – LUIS RESINA
10H30 – 11h20 - PAULO BORGES – “UMA VISÃO ARMILAR DO MUNDO: A VOCAÇÃO UNIVERSAL DE PORTUGAL E DA LUSOFONIA “
11h20 - 12h10 - FERNANDO ALBUQUERQUE - “A FUNDAÇÃO DO REINO” “suas implicações no Ciclo 1917 – 2012”
12h10 – 13h00 – MARIA FLÁVIA DE MONSARAZ- “ Portugal Astrológico-O Mito e o Destino “
13H30 – 15H – ALMOÇO
15H – 15H50 - JOSÉ MANUEL ANES – “ Portugal e o Império do Espírito Santo “
15H50 – 16H40 – MIGUEL REAL - "A Europa de Hoje e o Portugal de Amanhã“
16H40 – 17H20 – LUIS RESINA – “ Os Grandes Ciclos da Alma Portuguesa “
17H20 – 17H50 – COFFEE BREAK
17H50 – 18H40 – MARCO RODRIGUES – “ Movimento Evolucionário, Frente Evolucionária, Aglutinação dos potenciais evolucionistas e revolucionários da Alma Portuguesa”
18H50 – 19H20 – QUESTÕES EM PLENÁRIO (resposta a perguntas postas por escrito ao longo do dia e sorteadas )
19H20 FECHO COM CONCERTO DO CORO RICERCARE EM HOMENAGEM A PORTUGAL
Porquê falar hoje da Missão de Portugal no Mundo? Haverá ainda uma Alma genuinamente Portuguesa? Se sim, quais as suas características e a sua missão? Qual será a Mensagem que a Alma Lusíada tem de manifestar para que Portugal possa cumprir o seu desígnio? Para dar resposta a estas questões, resolvemos lançar um repto aos intelectuais, pensadores e espiritualistas deste país para sabermos se ainda temos valores fundamentais com os quais nos identifiquemos verdadeiramente de corpo e alma. Em caso afirmativo o que podemos fazer com isso? Caso contrário, iremos continuar a ser vítimas de nós próprios, subjugados a um sistema social e político maioritariamente assente nas leis do capital, na competição e no desrespeito pelos valores humanos e pelas leis da natureza? Este é o convite lançado a todos os oradores, escritores e pessoas interessadas nesta temática de toda a comunidade lusófona, que sob a forma presencial ou escrita, queiram participar e colaborar neste evento.
Para quem queira enviar artigos para publicação, estes deverão ser dirigidos ao Jornal Milénio jornalmilenio@sapo.pt Este endereço de e-mail está protegido de spam bots, pelo que necessita do Javascript activado para o visualizar ou a Luís Resina lresina@sapo.pt
Data e Local:
10 Junho quinta-feira Lisboa - Auditório da Estação de Metro do Alto dos Moinhos (Benfica)
Inscrições: 35 euros para o NIB - 003601069910004607297 (Ana Proença) / Estudantes: 10 euros
"Conhece-te a ti mesmo"
- José Marinho, Teoria do Ser e da Verdade, I, edição de Jorge Croce Rivera, Lisboa, INCM, 2009, p.197.
segunda-feira, 7 de junho de 2010
Ressurreição II
Gemem nos infernos da terra desolada
corações oprimidos negros esmagados
Revolvem-se no circo de dor do mundo
vidas escravizadas esfoladas torturadas devoradas
Natureza viventes esventrados e abatidos
Para gáudio da humana desmesura
Murmuram suspiram gemem gritam
Assim gememos e gritamos nós
pois tudo nos é íntimo
e somos afinal nós mesmos
que ignaros e ávidos atormentamos e abatemos
Defuntos infantes de uma Terra Pura
erramos no limbo da matriz que violamos
e são nossas próprias formas que vorazes e ledos devoramos
Nossos o abrir fechar de todos os olhos bocas
a fome sede de todas as gargantas
a volúpia de todos os sexos
o pulsar de todos os corações
a cega ânsia dos viventes
por algo apenas obscuramente entrevisto e pressentido
Suas raízes as nossas
febris veias sinuosas
afundando-se e serpenteando silenciosas
nas auroras negras que há por dentro das coisas
a revolver o âmago de tudo em insónias e espantos
espectros lentos que sobem à tona
chamas surdas que crepitam e crescem
a lavrar o íntimo da imensidão
que tarda em amanhecer
Ó turba que adias o despertar
da rumorejante e dolorosa noite do haver!
Sepultos no âmago dos mundos
alucinados assomamos aos berços aos afagos aos rostos
ao riso às lágrimas aos gritos
à faminta aurora do existir
aos sepulcros caiados do que parece
ao delírio do nascer e morrer
e assim rondamos na roda do desejo
que a própria boca sempre outra beija
e o alucinado devir sem fim fecunda e renova
Mas o que sempre agora e instante, ó Irmãos, vem
por entre este murmurante e tépido renovar do mundo
por entre este amoroso halo que às coisas nimba
por entre estas ridentes e floridas núpcias de tudo
por entre estas danças cantos coroas grinaldas
é outra coisa
É a vera verdade prima
Primavera do despertar que nunca conheceu sono
o eterno vivente na orla sem margens do existir
que ressuma da ânsia da terra queimada
e do silente sufocado gemido das vidas e das coisas
O que cresce do fundo de o não haver
e em cada um de nós se faz visão alento corpo
no súbito estremecer de tudo
O que agora se celebra e canta, ó Irmãos
é mistério maior que o haver mundo
mistério maior que o haver
tal qual maior que todo o mistério
É o jamais termos sido reais ou possíveis
o jamais ter havido alguma coisa
e sequer a ideia de haver
O que agora se celebra e canta, ó Irmãos
a trespassar toda a ilusão dor e morte
é a eterna e instante Ressurreição
de nada jamais ter início, duração e fim
e assim, mas de outro modo
oblíquo, fulgurante e maravilhoso
tudo ser afinal e sempre possível
O que agora se celebra e canta é este prodígio natural
de nada ser um e só
esta revoada de fauces bocas mãos asas patas pêlos escamas
que, ígneas pombas bravas, do imo de cada poro
em adamantinos ímpetos se nos elevam
e súbito se transmudam em miríades de vidas outras ignotas loucas impossíveis
a multiplicarem-se ébrias das infinitas possibilidades que há nas infinitas possibilidades que há nas infinitas possibilidades que há no esplendoroso vazio de tudo
Ó turbamulta cascata vertigem abismo
de tudo quanto passado presente futuro
viveu vive viverá
e aqui agora simultaneamente vive imagina pensa sente
Ó multiforme turbilhão de tudo quanto sem acontecer acontece
de tudo o que se agita raiva revolve
em dor júbilo medo esperança
no fundo sem fundo
da terrível e fantástica inconsciência disso
É esse o grande tumulto que aqui agora
neste e em todos os cantos
neste e em todos os poemas
dos fundos da terra queimada
e da tortura dos viventes desponta
O grande clamor das árvores mirradas retorcidas sedentas
o grande clamor dos vivos mortos desatentos esquecidos
rompendo eras mundos paraísos infernos
em rebentos viços e seivas novas
Das árvores nossos corpos amotinados insubmissos amantes
estendendo grandes ramos
vigorosos braços pulsantes
em filigrana ao espaço cingidos
Nossos corpos uns aos outros abraçados enxertados fundidos
humanos animais divinos
multiplicados em folhas flores frutos
espontaneamente jovens e maduros
explosivos de tão plenos tão frementes tão puros
E neles todos os sonhos alucinações delírios
todas as vidas todas as mortes
todas as lágrimas todas as fezes todo o sangue
todo o furor toda a impotência
toda a fome toda a sede todo o cio
todos os encontros todas as perdas todas as despedidas
todo o ranger de dentes todo o tactear às escuras
todas as alegrias todos os pasmos todos os júbilos
todas as esperanças todos os desenganos
todo o vício toda a virtude
todos os crimes todas as expiações
todos os infernos todos os mundos todos os céus todos os paraísos
Tudo isso e o seu rotundo nada
o seu imenso vazio a sua prodigiosa evanescência
em cada fruto brilhante e pleno que da miríade de nossos ramos pende
imperioso e súbito se avoluma até eclipsar o espaço
e neste mesmo instante em torrencial vertigem de luz explode
Branco
Vermelho
Negro
.........................................
Agora pode enfim haver mundo
sonho eternamente livre de o ser
Todos os vivos fluxos infantes sem nome pais pátria morada
Todos os fenómenos danças cantos hinos jogos
Todos os sons poesia muda
Todos os pensamentos invisíveis asas
omnipresentes no infinito espaço que não há
Todas as coisas
Ressurreição de as haver
Todas as coisas
Ressurreição
de a haver
domingo, 6 de junho de 2010
fazer contas à dor como faz o taberneiro
e subtrair solidão às horas que passam por dentro do Rossio
Contar aos meus irmãos que a morte canta como gente grande,
e tem árvores para subir, e um penedo barrigudo,
cavalos para evitar monólogos,
e refrescos para os dias mais quentes do ano
Quem diz que morrer é um caso de vertigem?
Que ao olhar lá de cima o coração inventa desculpas
Quem disse que para lá chegar é preciso ir num atrelado,
Ter uma tristeza a não passar fome,
Ou autorização para assistir a comédias dramáticas?
Será a morte uma casa aberta por cima, sem pássaros na gaiola?
Uma mulher que não dá à luz, mas que nos adopta lumemente?
Será a morte uma fogueira ou um poema em que nele se afoga?
Quero saber se por lá a moda também existe,
Se o vento constipa os sonhos à varanda
Ai se pudesse desamarrar-me da vida por umas horas,
Montar um barco a pedais e ir,
Ao encontro do desencontro, achar o que nunca se perdeu
Ser livre como um pássaro nas Américas
Levado pelas mãos de cinquenta mil homens
Olhar o mundo sem ser olhado
Nadar em espelhos, voar sobre rios
E cair no vazio tão cheio de homens nascidos como flores,
vindos da terra perfumada,
de cabeça fria, a morder todos os insectos.
Entrar nessa gigante solidão de mãos cheias,
De nariz empinado, alimentado para sete dias
Como um peregrino a apagar distâncias a suor, cânticos, lamentos,
Levando aos ombros a montanha possível
As pedras para espremer em vinho
E um poema a servir de pão e abrigo
Queria viver ao contrário daquilo que foi e voltará
Nascer velho e morrer criança
Conhecer a minha mãe solteira
Vê-la grávida de mim
Dizer: olá como estou
Ver a dor que foi entrar na vida com a ajuda de ferros
Chorar por não saber mais do que o mínimo
Pensar que choro e riso sonham para o mesmo lado
Quero da morte o seu sorriso de alicate
O seu cinismo a dizer que ainda vive
A sua paisagem nua e crua
A sua tristeza que para muitos é uma alegria
O seu soro amnésico e cristalino
Quero com a morte aprender como se vive
Respirar com uma flor entre os dentes,
sem sangrar,
feito animal que desconhece que morrer existe
Haver a possibilidade infinita de andar reptilmente sobre o seu pescoço
Escrever-lhe com letras vivas e reluzentes
Redondilhas maiores para cantar até dizer chega
E cair de cansaço sobre a palha do seu umbigo
Não sei se a morte é uma mulher de cabelos pelos ombros
Ou se tem longas tranças para que se possa subir
Sei lá se nela os poetas atiram-se das janelas para viverem
Ou se a queda é para o ar mais denso
Ó morte, onde andas tu? Mostra ao menos o teu colar de ossos
Ou a tua saia que mandaste fazer no cabo do mundo
Ó morte, ri-te! Mostra os teus dentes verdadeiros
Quero ser em ti um turista, pôr-me ao lado das estátuas,
Tirar retratos coloridos, dizer-te:
- Entre os homens o teu nome para sempre viverá!
Pudesse hoje ou amanhã morrer por um bocado
O tempo de chorar todas as pedras preciosas
Mas que não valem nada
Não servem nem rei nem pajem
Haver os dias assim, um silêncio sempre à espreita
Olhar todas as ruas que vão dar à minha casa
sabedor que as maçãs também nascem das laranjeiras
E assim louco e destemido, poder regressar à vida e tornar a morrer
Como uma oxálida nas mãos de umas outras mãos
A nomearem o amor como único fio no tear dos Homens