domingo, 13 de junho de 2010

Versão integral da entrevista de Paulo Borges e Fernanda Roxo (PPA) ontem parcialmente publicada no "Jornal de Notícias"



1 - Como surgiu o Partido Pelos Animais?

A ideia surgiu da constatação de que a defesa dos direitos dos animais tem de passar por uma intervenção jurídica e política que terá mais força e visibilidade se for levada a cabo por um Partido com representação na Assembleia da República e que dê voz às aspirações das associações animalistas e ambientalistas. Surgiu da constatação de que vivemos num dos países mais atrasados da Europa no que respeita ao reconhecimento dos direitos dos animais e de que nenhuma força política existente tem feito alguma coisa pelos seres sencientes mais desprotegidos do planeta. Após vários meses de amadurecimento da ideia, decidimos avançar em Maio de 2009. A proposta de proibição de animais selvagens nos circos havia sido recentemente chumbada na Assembleia da República e, também por essa razão, sentimos que este projecto era necessário e urgente, pelo que não fazia sentido adiá-lo. O PPA assume-se como a grande novidade na política portuguesa desde o 25 de Abril de 1974, um Partido Inteiro, que luta pelo bem de tudo e todos, a natureza e os seres vivos, humanos e não humanos.

2 - Têm conseguido obter o apoio que precisam para formalizar a inscrição do partido junto do Tribunal Constitucional?

Sim, felizmente o projecto foi recebido, desde o primeiro momento, com um enorme entusiasmo. Com o apoio de centenas de voluntários que recolheram assinaturas por todo o país, continente e ilhas, e muitos cidadãos empenhados de forma espontânea e desinteressada na divulgação do partido, já entregámos cerca de 10000 assinaturas, mais do que as 7500 necessárias à formalização do PPA junto do Tribunal Constitucional, a qual aguardamos a todo o momento.

3 - O que pretendem fazer ou ver realizado depois de ser conhecidos como partido político?

O grande propósito do PPA é introduzir a questão animal na esfera política, recusando a habitual desculpa das "outras prioridades". Acreditamos firmemente que, se os políticos forem frequentemente confrontados com a necessidade de discutir e reflectir sobre esta questão, acabarão por constatar a triste realidade e compreender que não é preciso muito mais do que vontade política para a transformar completamente. A nossa grande bandeira é a luta pela consagração na Constituição da República Portuguesa do direito dos animais à vida e ao bem-estar, alterando depois o Código Civil, para que estes deixem de ser encarados como meros objectos. As nossas propostas serão muitas e inovadoras, e temos inclusivamente contado com o apoio de dezenas de associações de cariz animal e ambiental, que nos têm enviado a sua preciosa contribuição, resultante de anos e anos de experiência. A dedução das despesas com os animais de estimação no IRS, a remodelação do funcionamento dos canis municipais e o apoio à agro-pecuária extensiva são alguns exemplos das nossas ideias. Outro ainda é a promoção de alternativas ao consumo excessivo de carne praticado pela maioria da população portuguesa, que, para além do sofrimento animal, acarreta ainda sérios malefícios para a saúde e contribui de forma muito significativa para as alterações climáticas e a degradação do meio ambiente.

4 - Considera que os partidos existentes deixam um pouco de lado os direitos dos animais?

Sem qualquer dúvida. Aliás, foi precisamente por isso que sentimos a necessidade de avançar com este projecto. Dos 16 partidos e coligações que se apresentaram às últimas eleições legislativas, apenas um incluía no seu programa algumas medidas de promoção do bem-estar animal, numa iniciativa que naturalmente aplaudimos, apesar do conservadorismo das medidas propostas, na altura abordado pelo PPA no nosso website. É manifestamente pouco. E o desprezo pela temática animal assume particular gravidade se repararmos que alguns desses partidos propalam a sua suposta orientação ecologista. "Ecologia", como muitos saberão, deriva do grego "oikos", que significa "casa". Um ecologista é alguém que defende o ambiente em que vivemos, o nosso planeta, a nossa casa. Uma casa da qual, segundo os partidos políticos portugueses, os animais ficam à porta. A desculpa são sempre as "outras prioridades". É óbvio que há outras prioridades, sempre haverá. Mas é exactamente por haver tantas prioridades distintas que o Estado tem dezenas de ministros e secretários de estado e milhares de funcionários, para que possa tratar de vários temas ao mesmo tempo. E é isso que nós, enquanto cidadãos, temos o dever de exigir.

5 - Como tem sentido a evolução da sociedade perante os animais?

Não dispomos de números que nos indiquem essa evolução de forma objectiva, mas felizmente cremos que tem havido uma evolução positiva na forma como a sociedade portuguesa vê e trata os animais. Embora de forma lenta, são cada vez mais os portugueses que tomam consciência de que a forma como os animais em geral são tratados no nosso país não é aceitável e assumem a sua motivação para lutar contra essa situação. Mas ainda é muito pouco. Temos que unir-nos e continuar a lutar.

6 - Não acha que falta uma nova mentalidade capaz de permitir uma relação de respeito e proximidade com os animais e a natureza?

É interessante que falem em "nova" mentalidade. De facto temos a noção, e deixamos claro no nosso manifesto, que a visão do PPA vem introduzir um novo paradigma mental, ético e civilizacional na política nacional. Uma "nova" mentalidade, efectivamente, que torne a humanidade mais fraterna e solidária do universo em que vive e de todas as formas de vida com que convive. O ser humano deve compreender que não é dono e senhor dos animais e da natureza, que também tem o seu lugar no ecossistema e que o equilíbrio desse mesmo ecossistema é essencial à sua própria sobrevivência. Além disso, os animais, enquanto seres sencientes, têm dignidade intrínseca e merecem ser respeitados independentemente disso ser essencial à sustentabilidade do ecossistema e à sobrevivência do ser humano ou não. É urgente combater o especismo, que, tal como o racismo, o sexismo e tantas outras formas de discriminação, não é mais do que a crença, obviamente equivocada, de que se é superior e se tem o direito a maltratar, oprimir e explorar outros seres só por se ter mais poder, um diferente tipo de inteligência ou pertencer a uma raça, sexo ou espécie diferentes. É importante, sobretudo, que as pessoas reflictam sobre este tema, pois o mais provável é que nunca o tenham feito, acomodadas que estão à ideia estabelecida de que os animais são coisas, mercadoria, objectos decorativos, a sua carne é comida, a sua pele é tecido. É preciso encorajar as pessoas a questionar o estabelecido. É por essa razão que o PPA pretende ser, mais do que um simples partido político, uma força de intervenção, informação, sensibilização, consciencialização e mobilização dos portugueses na temática animal e não só.

7 - A preocupação em criar leis para defender os animais de todos os tipos de exploração é a única forma para demonstrar uma atitude equilibrada com o planeta?

Não é seguramente a única forma, mas é uma forma muito importante. Pessoalmente, cada um de nós deve demonstrar essa atitude equilibrada em cada dia, nas suas acções e nas suas escolhas. As empresas e outras entidades têm também diversas formas de demonstrar essa atitude equilibrada perante o planeta. Quanto aos Estados, as duas formas essenciais de fazê-lo são através da educação e da legislação. Se é verdade que a primeira tem muito poder e muito poderá e deverá ser feito nessa área, a segunda é também absolutamente fulcral. A melhor forma de um Estado mostrar que se preocupa com os animais e o ambiente é ter uma legislação justa e actualizada nesses âmbitos e assegurar-se do seu cumprimento. Se é o próprio Código Civil a considerar que os animais são meros objectos, dificilmente se poderá esperar que sejam tratados de outra forma. Por essa razão, como já foi mencionado, a nossa prioridade é consagrar na Constituição da República Portuguesa o direito dos animais à vida e ao bem-estar. A partir daí terá de se alterar o Código Civil, o que resultará na criminalização dos maus-tratos, abandonos, etc., que hoje são considerados meras contra-ordenações, raramente punidas. E daí virão todas as consequências, a nível social, económico e político, tornando-se possível introduzir progressivamente melhorias no modo como os animais são tratados, até à desejável abolição de todo o seu sofrimento.

8 - Qual a sua opinião em geral do voluntariado (aos animais) que é feito, um pouco por todo o pais?

Naturalmente acompanhamos de perto o trabalho desenvolvido pelas dezenas de associações e centenas de indivíduos em nome particular que dedicam tempo, dinheiro e muito esforço à causa animal. Aliás, muitas das pessoas envolvidas no PPA estão ligadas a associações de defesa dos animais. Reconhecemos a heróica dedicação desses voluntários, mas a realidade é que a sua função, no contexto actual, é a de tentar tapar um buraco sem fundo. Enquanto não houver transformações de fundo na temática animal, enquanto os animais forem coisas e maltratá-los ou abandoná-los não for crime, enquanto os canis municipais forem campos de concentração, enquanto não houver uma aposta séria na esterilização, nada mudará. Aplaudimos a dedicação de todas essas pessoas, e agradecemos-lhes em nome dos milhares de animais que vão salvando, mas os milhares que aparecem todos os dias a necessitar de salvação são a prova de que é preciso mais. É preciso melhor legislação, mais fiscalização e mais apoio do Estado às associações, além de uma forte estratégia de sensibilização da população. É preciso atacar a causa e não o efeito. Só assim poderemos solucionar o grave problema dos animais de companhia em Portugal.

9 - Com todos os avanços da ciência, pesquisas mostram que o convívio com os animais é considerado um dos melhores recursos terapêuticos. Qual é a sua opinião?

É muito bem-vinda essa validação científica da importância dos animais enquanto recursos terapêuticos. Além dos programas de terapia assistida com animais, sejam cães, cavalos, golfinhos ou outras espécies, qualquer pessoa que já tenha convivido com animais sabe, e a ciência também já o demonstrou, que o simples convívio com um animal de estimação tem efeitos muito positivos na vida quotidiana. Um animal é uma companhia, um amigo, até mesmo um factor de união entre as famílias, segundo alguns estudos. O convívio com animais de estimação é excelente para a saúde, pois reduz o stress, a ansiedade e a pressão arterial. Pessoas que moram com animais de estimação adoecem menos vezes, vão menos vezes ao médico e convalescem mais rapidamente. Ao contrário do que diz o senso comum, as crianças que crescem com animais de estimação são menos propensas a vários tipos de alergias. Crescer com um animal de companhia torna as crianças mais responsáveis e promove a sua auto-estima e empatia, inclusivamente para com outros seres humanos. Alguns estudos demonstram mesmo que as crianças que crescem com animais de estimação têm uma maior probabilidade de virem a ser adultos bem sucedidos. Para os idosos, ter um animal de estimação estimula o raciocínio e o sentido de responsabilidade e promove a actividade física e social. Segundo várias pesquisas, as pessoas que convivem com animais de estimação são mais produtivas no trabalho, e várias empresas estão a abrir as suas portas aos animais de estimação dos seus funcionários, pois acreditam que essa medida não só aumenta a produtividade, mas também reduz o absentismo e melhora o ambiente entre colegas. Em estabelecimentos prisionais, estudos demonstraram que os reclusos a quem foi concedida a possibilidade de cuidar de um animal de estimação se tornaram menos violentos e mais responsáveis. Tudo isto está documentado, e poderíamos falar de muitas outras questões, como a possibilidade de alguns cães serem capazes de detectar doenças, que a ciência se encontra ainda a investigar. Estas são apenas mais algumas das muitas razões pelas quais devemos respeitar e proteger os animais, como seres vivos e sencientes que são, que connosco partilham o planeta e com quem devemos viver em harmonia, para benefício de todos.

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