O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


quinta-feira, 31 de março de 2011

dúvida Soberana

os empregados das CAIXAS
dos Supermercados são

CAIXEIROS

?

AUGUSTO

Augusto acordou com um peso estranho na cabeça. A noite tinha corrido sem tempo medido – escura. Melancólica. Nauseado  levou  a mão à boca  numa tentativa frustrada para conter as tripas revoltas. Limpas as vísceras, resta um cheiro desobediente que invade toda existência.  Se conseguisse lembrar como é a primavera talvez aliviasse este presente fétido. Há momentos em que a memória inventa o passado, traindo a verdade do sofrimento. Como inventar a dignidade se ela fugiu sem avisar da partida?

Augusto forra o colchão com os últimos lençóis limpos. Um branco fingido veste a cama. Algumas nódoas fazem prova das noites descuidadas. Mesmo que tingisse de preto não conseguiria disfarçar o passado. E preto, nem pensar! Passaria a noite acordado com um medo de morte. Na mesa de cabeceira improvisada repousa um cinzeiro imundo. Nenhum candeeiro resistiu às quedas diárias. No tecto uma lâmpada mal ilumina o chão gasto, disfarçando a poeira acumulada de anos. Um móvel de estilo rococó, encontrado no lixo, arruma o que resta da vida deste homem cansado.

Em pé recorda as noites felizes vividas naqueles lençóis. Uma lágrima tímida dança em seu rosto. Quem inventou que a felicidade não magoa? Assim são as tempestades, furacões, terramotos, tsunamis. Belos quadros recheados de dor.


Deitado quer sonhar, ocupar o tempo que resta entre hoje e amanhã.
Augusto lembra-se do rio que banhava o terreno da casa dos pais. Nem sempre acolhia o obstáculo. Às vezes sem força dividia-se em dois. Tantas vezes Augusto fugiu da dor que dividiu-se em pedaços cada vez mais fracos. De costas encontra o tecto. De bruços encontra o cheiro das penas de um travesseiro antigo.
Longe vai o tempo das caminhadas em Sintra. Qual era o caminho que o distanciava do abismo? Fosse ele qual fosse Augusto o desprezou.

Torturado leva a mão a cabeça. É aí que dói. Nesta ferida que não pára de abrir. Entretido Augusto pesquisa cada saliência. Um líquido desconhecido molha seus dedos. Em  criança bastava o leite para alimentar a fome. Depois aprendeu a ler e saciou a curiosidade de outras vidas. Foi temperando o pensamento de condimentos sofisticados.

Talvez o corpo estivesse expulsando o excesso. Esperança de uma nova vida – que seja drenado o pântano. Augusto procura seu canivete – presente da mulher que o amou um dia. Leva devagar, com cuidado a lâmina à ferida. Sem hesitar vai abrindo a cabeça como se construísse um caminho. Doía mas Augusto não sofria, tal era a esperança de um ser renovado.

O sangue banhou a cama. Majestoso, partiu sem dizer adeus.

terça-feira, 29 de março de 2011

Qual é a cor do mar de agora?

Vila Celeste, 11 de Maio de 2000

Um panfleto circulou pelas ruas chamando o povo. Rezava assim a publicidade:
Não perca o  "Primeiro Desfile Primavera/Verão das Trabalhadoras de Sexo

Da aldeia meia dúzia de jovens, meia centena de velhos. Mais de um milhar de estrangeiros curiosos. Maria envergonhada escondia a mão direita nervosa. A  velha espiava pelos binóculos do falecido. Seu José na esquina lambia os beiços. No palco, uma bandeira esvoaçava ao som do refrão:

Somos putas, somos putas
a mais velha profissão
Somos putas, porque não?


Ninoca,  trabalhadora da ONG distribuia sorrisos. Com uma embalagem na mão esquerda, gritava:
- Sexo é bom com camisinha! Verdes, amarelas, azuis com sabor a hortelã...
 Nenhum partido polí­tico compareceu. Nem para apoiar ou censurar. Nestes eventos os polí­ticos perdem-se. Um ou outro ousou aparecer disfarçado de povo.
Com um sorriso desavergonhado, Oncinha anunciou:

- Povo Celestino! Esta é uma data histórica para todas nós, mulheres.  Aqui nesta vila com o nome da nossa padroeira, inauguramos o nosso primeiro desfile.Uma roupa democrática que não escraviza gordas, ou magras e não escolhe idade. A estudante, a senhora casada e até a viúva enlutada pode vestir. Uma roupa que atende a ricos e pobres.

Entre santos e pecadores, o sexo comercial foi legalizado, contra a vontade da igreja pela voz de Régio.

Em Novembro desse ano, Dario resolve moralizar  os costumes e toma o poder com Régio.
Anuncia novos impostos. Joga golfe todos os dias. Num campo verde de mentira, feito a dor que a gente sente.
Brutti, sporchi e cattivi e o povo unido jamais será vencido!

Nosso povo virou plástico. Ao menor sinal de fogo - derrete!
Um ginásio a cada esquina. No bar, tofu e aguardente. Em cada semáforo um oriental falsificado que faz Tai-Chi. Na mão direita envergam uma bandeira vermelha.

Queimaram os filmes e do mar só resta o som. Desde então o céu mudou de cor - cinzento. No horizonte ergueu-se um muro a esconder o infinito.

Deus segreda todos os dias qual a cor do mar de outrora. Não sabe qual a cor dele agora.
Era uma cidade pequena que tinha ruas pequenas casas pequenas os homens eram pequenos no entanto eu era o mais pequeno deles todos apenas e só pela particularidade de achar que a cidade era pequena e tinha ruas pequenas com casas pequenas e os homens eram pequenos quando afinal o tempo ensinou-me que tudo é uma questão de plano e a geometria é apenas osso

ESPELHO



O que eu sou,
não está contido neste corpo.
O que eu penso,
não é parte da minha mente.
O que eu sinto,
não está no meu coração.
O que eu escrevo,
não se vê.
O que busco, o que anseio,
não me encontro e não me existe.
O que eu sou,
não sou eu.

(Sentir e Ser - 2011)

domingo, 27 de março de 2011

RÃ é animal?

acabo de ver em direto na Televisão

_ local - uma Cidade de montanha do PERÚ
_ cenário - rua muito movimentada, acumulação de gente junto a um quiosque
que produz e vende SUMOS

_ Sumos
:
- de RÃ
o produto - vivo - exposto num depósito de vidro
o cliente escolhe, apontando com o dedo
a funcionária pega o exemplar "eleito"e procede segundo as suas instruções

_ (a)com ou (b)sem tripas

- se a opção é (b), o animal é esventrado dum golpe de faca de lâmina afiada
- e segue o mesmo processo de (a)

_ viva ou esventrada - pulsando, em agonia- é metida no depósito de batedeira
elétrica, e liquefeita com a ligeireza requerida a fazer o mesmo com meia-
-dúzia de morangos

o SUMO que resulta, temperado com ingredientes que não são publicitados, é
de imediato entregue ao cliente sequioso, que o degusta primeiro e de seguida
o deglute de um só trago

aparentemente apresenta uma textura a caminhar para o pastoso e uma cor
cinzenta de cimento.

esperamos que não tarde a chegar ao Mercado Nacional

sábado, 26 de março de 2011

“Nada é inacessível no silêncio ou no poema.
É aqui a abóbada transparente, o vento principia.
No centro do dia há uma fonte de água clara.
Se digo árvore a árvore em mim respira.
Vivo na delícia nua da inocência aberta.”
...
António Ramos Rosa

Tenho o hábito de me sentar para escrever. Nem é tanto o processo de escrever sobre as coisas que me ocorrem, mas sim o sentar, poisar o meu peso numa madeira, ganhar posição nas costas, ajeitar um pouco a posição das pernas da cadeira, depois as minhas, olhar-me num espelhinho que tenho aqui ao lado, se estou bem assim, se estou bem assado, cruzar as mãos fazer estalar os dedos pelos nós, libertar o peso do corpo aos poucos, pousa-lo outra vez, sentir de novo a madeira nos elos da coluna vertical, passar as palmas das mãos pelos braços da cadeira, em simultâneo, como quem espalha creme no rosto, ser delicado ao ponto de sentir os nódulos da madeira, uma pequena farpa, algo triste dessa madeira que fora árvore, olhar o mundo por uma janelinha que tenho aqui ao lado direito, que no seu caso, será o lado esquerdo, mas isso não importa, porque o que importa é a verdade com que me sento para escrever, escolher um dos quatro ou cinco pensamentos que andaram comigo a semana inteira e que é hora de decidir, agir sem presunção, 
praticar um duelo a sós, mas que, enquanto não decido, 
preparo os olhos da mesma forma que preparasse uma jangada 
para entrar no mar alto e, feita uma breve psicanálise sobre o 
estudo da minha correcta posição de corpo em cima da cadeira, após averiguada a sentença sobre a primeira palavra a escrever, que tom darei ao discurso, se o texto terá as mesmas vítimas, se darei ao dia o sol devido, enfim, nesse espaço em que me ausento da perspectiva da folha branca, coço o nariz pela parte de fora, que é meu costume e que normalmente funciona como estimulador, algo que me distrai, ou melhor, como se ao friccionar, puxasse o sangue para aquela zona e assim, creio eu, a cabeça ficará mais oxigenada e propensa a ideias, 
mas claro que isto é apenas e só um acreditar, mínimo, admito, mas lá no fundo é uma fonte especializada em puxar o sonho lá para cima, embora reconhecendo não ser essa a maneira mais eficaz de começar 
um texto com toda a categoria que me foi recomendado por um jornal 
que se diz nacional, ou pelo menos, assim o afirmou, mas quem sou eu 
para duvidar de certas coisas, onde, aliás, tenho provas dadas que acreditar 
é o meu forte, embora haja quem faça troça disso, sobretudo quando me sento aqui nesta cadeira confortável, diga-se, e ponho-me a olhar a 
página branca que às vezes me parece negra mas é branca como a noite que me pariu, ou, recorrendo a vocabulários mais concretos, é branca como a neve da serra da estrela cuja melancolia leva-me arduamente a pensar nos enigmas da pedra, que, por razões não óbvias, considero as pedras, em termos simbólicos e matemáticos, uma fórmula resolvente com exponencial infinito, nem que para isso se minta para chegar 
a uma verdade com sabor a deus, e disso não duvidemos 
nem tão pouco façamos uso de metáforas ilusionistas onde o poeta é capaz de se suicidar e voltar à vida 
entre uma frase e outra que é, precisamente, o mote que me fascina 
para o começo do texto que pretendo iniciar assim que puxar de um cigarrinho, metê-lo na boca, acendê-lo aproveitando a chama de uma vela, dar duas passas consecutivas, ignorando que estou a fazer 
coisas erradas, deitar umas vistas sobre o prédio da frente que continua em construção, se possível mandar um grito sólido, cuspir nas palmas das mãos para que não arrefeçam, estudar cada movimentomilimétrico do meu braço, tanto esticado como flectido, olhar a luz do quarto com profundidade católica, arrastar um pouco, só um pouco a cadeira para a frente, achar o ponto de equilíbrio do meu corpo para que a naturalidade dos gestos se preze, para, de seguida, esquecer o que sou, quem fui, e talvez, quem sabe, evite estragos de qualquer natureza 
primária ou subjectiva, e só depois disso, além disso, apontar a caneta 
ao papel com uma dose de quanto basta de ferocidade, contrair os músculos do queixo, apertar os dentes até um pouco antes 
da dor, pensar que sou um peito aberto aos assombramentos, enlouquecer com qualquer coisa, excepto com andorinhas, não sei porquê, não me pergunte, não estou aqui para responder, eu já lhe disse que estou aqui para escrever um texto e já por isso é que me 
sentei e depois disto vou fazer a barba porque tenho compromissos 
importantes com gente importante num local importante e dizer coisas 
importantes mas que no fundo está claro que tudo tem a importância de cada auto consciência, logo, concentro-me em tudo na vida e se o sino toca já toca tarde, e por falar em tarde, está a ficar noite, o sono aí vem,amanhã é outro dia, e depois outro e a seguir mais outro, uma palavra de cada vez faz conceber uma grande invenção ou até um filho dependendo uso, a mim, por exemplo, custa-me bastante escrever a palavra amor, por isso é que estou sentado, pronto para escrever, e nada me ocorre. Mas amanhã, ah amanhã, farei tudo de novo!

quinta-feira, 24 de março de 2011

ARVOREAR



Corro e percorro-te,
sufoca-me como punhais,
o gélido da noite.

Impele-me o vento
floresta adentro.

Vestes perdidas,
descalça, no castanho
que se entranha,
num chão de folhas
em tapete tecido, escuto.

Distante, um nome de terra,
esquecido.
Apelo que vocifera e explode no peito,
coração que já não bate,
dispersado, dissipado,
diluído, no rio que me flui.

Abrem-se as entranhas da terra,
largos veios à minha passagem,
longos os dedos, em raízes tornados.
Um sopro sufocado, o ar que me abraça,
oferenda-me a Luz
que é meu alimento.

Ramos de braços feitos,
prolongam-se e beijam a Lua,
as estrelas dançam-me segredos de vento.
Dialectos de folhas murmuram-se,
em meu redor.

Evoco tudo isto,
Acedo ao que já fui.

Amanhã, virei fazer um ninho em meus ramos.

Sou quase eterna!

(Sentir e Ser - 2011)

EFÉMERO


Não viverei!
Não viverei que chegue
para amar,
tudo
o que há para amar.

Não viverei que chegue
para abraçar
tudo
o que contém um abraço.

Não viverei que chegue
para cheirar,
para rir e chorar,
para recordar...
tanto
que há para lembrar.

Não viverei para aprender
a língua dos pássaros,
o dialecto das árvores,
ou voar num dente-de-leão.

Não, não me chega o tempo,
para saber o gosto da luz do Sol,
entender o murmúrio do vento,
e a cantiga que traz a chuva.

Não viverei,
para saber de que
cor é o Branco.

Não viverei o tempo,
para chegar a entender
toda a Sabedoria do mundo,
escutar as palavras,
sons e melodias.

Levaram de mim a Eternidade
sem meu consentimento,
fiquei nas mãos do Tempo!

Para trás, o negro
e nos dedos,
o pó
que sobra das oferendas da Vida.

Não viverei, mas encurto os passos,
num caminho tecido de vagar,
para que caibam em mim
o Amor e os abraços,
o riso e as lágrimas,
as lembranças e memórias
as cores e os sabores,
os sons e os odores...
da sabedoria do meu mundo.

Não, não viverei...
e
não te concedo tréguas!

(Sentir e Ser - 2011)

terça-feira, 22 de março de 2011

passo a mão pelo rosto
e neste gesto por rostos de outros tempos
não passados nem vindouros
como se não seja eu quem agora esteja a ver
ou sendo eu quem vejo não seja a mim que veja

sexta-feira, 18 de março de 2011

P A N


os sinais de trânsito que avisam
para perigo de animais

significam sempre
e apenas
perigo para o homem

a NATUREZA protege os desleixados


o meu melhor FAVAL não fui eu que o semeei
São sementes que ficaram do ano anterior
A Natureza fez o resto

quinta-feira, 17 de março de 2011

Quando caminha tem o hábito de olhar para todos os lados, não vá uma faísca vir por aí desgraçar-lhe a vida. Sabe que tudo é vago na sua memória, que tem histórias alucinantes para dar cabo da literatura, mas fica-se pela frustração e o bater dos queixos até doer. As coisas vistas de cima parecem belas, mas, à medida que perdemos altitude o cheiro invade logo as narinas. 
Arrasta-se pelos dias, puxado por uma coleira de cólera. 
A magnitude de tudo isto é que pode sonhar com futuros cor-de-rosa e ninguém tem nada que reclamar. Na sua cabeça manda ele e ele é a sua cabeça e pouco mais. Um dia fez um filho à solidão e nasceram vinte poemas soltos que os reuniu em livro para editar quando for velhinho. 
A paciência é um lume. 
Tem acreditado bastante em fantasias, nomeadamente aquelas fantasias sem chão nem cama. Quando acordar para a morte quer ser um peixe que voa pelos instintos maternais. Sabe que está fora de toda a sincronização mas debate-se para libertar as algemas e chamar os astros. E assim, compassivamente, monta o seu próprio esqueleto.

quarta-feira, 16 de março de 2011

segunda-feira, 14 de março de 2011

Halfway home - TV on the Radio



The lazy way they turned your head
Into a rest stop for the dead
And did it all in gold and blue and grey

The efforts to allay your dread,
In spite of all you knew and said,
Were hard to see and harder still to say

A comfort plush all laced in lead
Was sent to quell your sentiment
And keep your trembling sentinel hand at bay

And when a sudden silhouette
Escaped the top-side of your bed
I knew you'd never ever be the same

Is it not me?
Am I not folded by your touch?
The words you spoke
I know too much
It's over now
And not enough

Is it not me?
The damage you hold inside your blush?
The load you towed
You showed it up
It's over now
And I'm insane

Wild spirits winds from out your chest
Collides with world and wilderness
It needs a gentle hand to call it home

Now surfs the sun and scales the moon
And winds the waistband of her womb
All eyes ablaze the day you break your mold

Is it not me?
Am I not culled into your clutch?
The words you spoke
I know too much
We're closer now
And said enough

Is it not me?
Am I not rolled into your crush?
The road you choose
Unloads control
See it take me so

Go on throw this stone
Into this halfway home

domingo, 13 de março de 2011

Outra Canção da Geração.





Bring Me Home

The ground is full of broken stones
The last leaf has fallen
I have nowhere to turn now
Not east not west
North or south
And all that's ahead of me
And everything I know
I know nothing so
So bring me home
Put me on a plate with petals and a fire
And send me out to sea
Turn my angry sword against my heart
And let me free
The dawn holds the heaviness of the night
I've heard the restless sighs and lovers lies
The brook, the beach and seen the devil's eyes
So bring me home
I've cried for the lives I've lost
Like a child in need of love
I've been so close but far away from god
My tears flow like a child's in need of love
I've cried the tears
So let the tide take me
I won't fight
I've cried the tears
The small step I need to take is a mountain
Stretched out like a lazy dog
Send me to slaughter
Lay me on the railway line
I'm far away from god
My tears flow like a child's in need of love
I've cried the tears
So build the fire and light the flame
Bring me home

-Sakura-




"O ramo da cerejeira em flor concede o seu perfume,
a quem o quebrou."


de Chiyo-ni, em Poesisa Tradicional Japonesa

sexta-feira, 11 de março de 2011

Hoje no 5 para a Meia-Noite, na RTP 2, às 00.30

http://www.rtp.pt/blogs/programas/5meianoite/?k=Musica-Lingua-Gestual-Filosofia-Budismo-e-muito-mais.rtp&post=14562

Estarei hoje no programa 5 para a Meia Noite, na RTP 2, entre as 00.30 e as 01.30, para falar de filosofia, budismo, Partido pelos Animais e pela Natureza (PAN) e tudo o mais.

ESTRADA PARA EQUINÓCIO

chegou o Sol

chegou o Sol
e com ele o cio
das árvores
dos pássaros
dos astros

das palavras
que buscam nos actos
seu sentido

que buscam nos actos
seu sentido
e copulam ao Sol
para gerar
sentidos novos

o futuro do mundo
e dos seres vivos
é das palavras livres

é das palavras livres
quando o Sol
as torna
mais sensíveis

quinta-feira, 10 de março de 2011

Domingo

Lethe limpava o teatro sempre depois da meia-noite. Papeis de rebuçados, catálogos rasgados, o lixo que os pés trouxeram da rua.
Como forma de aliviar o trabalho, entretinha-se a inventar histórias entre as filas pares e ímpares.
‘Se as filas fossem divididas entre vogais e consoantes, onde se sentariam os casais?
Com o tempo a limpeza ficou-se em exclusivo pela limpeza e o lixo passou a ser um universo de coisas diversas. Uma folha colorida, um lenço perdido, o pó teimoso acumulado nas frestas. Cada cadeira era uma descoberta. A vassoura ganhou a solidão. O balde ficou seco. A sala ficou maior, a noite ficou pequena.
No Domingo passado, Lethe saíu de casa sem as chaves do teatro. Ainda ia tempo de encontrar Ernesto na bilheteira a fechar o caixa.
- Sr. Ernesto, esqueci-me das chaves em casa...
- Lethe, onde anda a tua cabeça?
Tímida, pede desculpas.
- Entra aqui pela frente. No meu escritório tenho outras chaves. Quando saíres tranca tudo. Deixa as chaves debaixo do tapete da porta da minha casa.
Pela primeira vez em vinte anos de trabalho, Leta entra pela porta da frente. Para no hall ainda iluminado por um imponente lustre de cristal e dirige-se para a galeria dos números pares.  Seus olhos colam-se à cortina de veludo vermelho.
Com pressa corre em direcção ao palco. Pouco importa se anda de Sul para Norte. Andou sempre ao contrário. Tropeça e cai. No chão liberta a voz sumida:
“Cheira a crisântemos vermelhos...”
- Lethe, o que te aconteceu? Acorda rapariga...
- Sr. Ernesto, o que há depois da cortina?
- Como assim, ficaste maluca?
Envergonhada disfarça a ignorância.
- Ando mesmo cansada. Vou ficar aqui um bocadinho e já saio. Amanhã limpo tudo. Pode ser?
Ernesto ajuda-a a sentar-se. Lethe espera ansiosa que a deixe sozinha.
Quando Ernesto bate a porta, Lethe solta um suspiro profundo. Todas as noites limpou o teatro de costas voltadas para o palco. Nunca se perguntou o que faziam tantas cadeiras alinhadas sempre voltadas para sul.
- O que esconde esta cortina?
Devagar aproxima-se do palco, do lado direito uma pequena escada ajuda a subir.
Por baixo, o fosso da orquestra. No horizonte de Leta, a plateia que limpa, agora vista de outro ângulo. Por trás, uma cortina vermelha à italiana.
Para quem se encantava com a descoberta da diversidade do pequeno lixo, o mundo acabava de ganhar uma dimensão brutal. O que escondia a cortina?
Lethe nunca foi pessoa de grandes questionamentos. De madrugada quando regressava do teatro, deitava-se até a hora do almoço. Por volta das duas almoçava. Na parte da tarde limpava a casa de uma velhota. Às oito jantava e deitava-se até a hora de ir para o teatro. Entre intervalos, distraía-se com a televisão. Viveu sempre sozinha. Nunca ninguém a viu acompanhada.
A descoberta do lixo das pequenas coisas alterou a rotina de Lethe que deixou de se interessar pela televisão. Como sempre foi uma pessoa disciplinada arranjou pequenas caixinhas de papel onde passou a separar o lixo por famílias. Os papeis de rebuçados eram tantos que Lethe teve de subdividir em mais caixinhas. Os papéis verdes de alumínio, os papeis de celofane vermelho, os papeis para a tosse, etc.
Arrumar o mundo dá trabalho. Encontrar uma ordem para que se consiga depois esquecer a mesma. Lethe ainda estava a tentar encontrar a ordem lógica das coisas pequenas, quando esqueceu as chaves do teatro.
Em criança quando sentia medo, sua mãe cantarolava:


O pó faz no chão a sua cama
Uma cortina esconde a vida
Cheira a crisântemos vermelhos



A mesma que escuta agora baixinho do outro lado do palco.



Abre a cortina, Lethe. Deixa-me ver o resto.

Hoje e Sábado, dia 12, pelos direitos humanos no Tibete e por um Portugal ético para todos



Aprendi com Camões, Vieira, Antero, Bruno, Pascoaes, Pessoa e Agostinho da Silva que um português deve estar sempre na linha da frente da evolução da consciência humana, abraçando armilarmente o mundo e todos os seres. Por isso estarei hoje, em meu nome e do PAN, às 19h, em frente à embaixada da República Popular da China, Rua de Santana à Lapa, nº2, em defesa dos direitos humanos no Tibete, e no dia 12 no protesto da Geração à Rasca, defendendo um Portugal ético para todos, homens e animais.

Concentração do PAN às 14.30 junto do Diário de Notícias, na esquina do Marquês de Pombal com a Av. da Liberdade, em Lisboa.

Abraços fraternos a todos os seres!

por Pan - OURO ISSO ?


sim - OURIÇO

Marcha de 12 é

um prolongamento do facebook. Já não basta o facebook para chamarem pela mãe e pelo pai e preferirem farinheira a linguiça e irem jogar ping pong amanhã quinta à noite, agora precisam de uma marcha para espalharem a palavra pelo mundo. Uma marcha com todos lá pertinho à distância de um dedo, tu cá tu lá, posso-te dizer que hoje comi bróculos ao pequeno almoço influenciada por um amigo e que já estou farta disto e muito mais, estamos todos fartos de existir, existir é um sacrifício do camandro, por isso bora lá marchar marchar com bueda gente e dizer das nossas dores, o coro das velhas muito novas. Ai que hoje entrou-me uma coisa para o olho. Olha, a mim entrou-me uma coisa para um sítio pior que nem te conto nem te digo. Vamos mostrar isto ao mundo, já não nos chega o facebook, já não queremos fotos e vídeos, a gente lá ao vivo e a cores vai actuar, dançando lambada ô, é bom para vender peixe e saber render o peixe, e flores, ó Júlia florista, atão não sabes que o teu marido anda a dormir com a Dulce? Pois gosto, gosto, nós gostamos muito de liberdade, fraternidade e solidariedade, irmandade dos anéis, se há coisa que a gente like é disto. Não gostamos da situação! Queremos chocolates em vez de amendoins! Alguém nos acuda por favor, ajude-me, ó senhor sacristão, estou mal que você nem sabe, passe-me aí a esmolinha, não lhe custa nada, a culpa é toda sua ao fim e ao cabo, nobody said it was easy, juntos cantamos um fado com as cores do folquelore, e quem não sente comá gente não é filho de boa gente, pô-mo-lo aí no canhão que ele vai voar, vai ver estrelas, aqui não entra ninguém, só nós todos juntos, abre a laranjada e vem brindar. Não queremos borrego assado, estamos fartos! Concordo contigo, a propósito ontem fiz jardineira, adicionei uma pitada de noz moscada e ficou óptimo. Adiciona, adiciona, não te vais arrepender, depois comentas aí no muro com grafitis, existe um muro a derrubar se olhares durante muito tempo, um ivento.
Buahhhh, quero caracóis!

terça-feira, 8 de março de 2011

"Carnaval significa Sinceridade" / "A criação é um bailado de máscaras"



"Carnaval significa Sinceridade. O homem só é verdadeiro, quando se julga incógnito. Se tem de representar a sua pessoa, a arte absorve-o, e desvia-o do seu próprio ser"

"A máscara humana é a vera efígie da morte.
Nascer é pôr a máscara. A criatura não desce ao mundo, sem vestir primeiro o seu hábito"

"A criação é um bailado de máscaras... cósmico entrudo tenebroso!... a vertigem... um delírio de ritmos que se quebram e refazem... estátua de pó, turbilhonante, mostrando, à infinita cegueira, o seu busto de dor, assente sobre o Nada e o Sonho..."

- Teixeira de Pascoaes, Verbo Escuro, Paris/Lisboa, Aillaud e Bertrand, s. d., pp.39 e 43-45.

segunda-feira, 7 de março de 2011

domingo, 6 de março de 2011

Lao Tse em versão de Agostinho da Silva

"Não é que toda a gente considera que o belo é o belo,
quando é nisto mesmo que consiste ser ele feio ?
Não é que toda a gente considera que o bem é o bem,
quando é nisto mesmo que consiste ser ele mau ?"
- Lao Tse, Tao Te King (tradução de Agostinho da Silva).
não importa saber quem sou,
quem fui ou quem serei.
se escrevi nas linhas ou
nas entrelinhas. se a solidão
foi o meu melhor amigo ou não.
importa sim, é saber que
há ruas-acima, ruas-abaixo.

sábado, 5 de março de 2011

A ALEG(o)RIA DA CAVERNA - 19 de Março | Cabeçudos (Lisboa)


em Lisboa, na Livraria CABEÇUDOS

flagrante


Bonsai velho - gato novo

obliquidade da fotografia - não da janela e da parede
fruto de amadorismo
-de quem AMA

Fungagá

Quando tocou a campainha Dulce pediu-meque abrisse a porta. O pedido fez-me sentir elevada a um estatuto de amiga, até há cinco minutos desconhecido.
Do outro lado, estava um homem com um bigode que não ultrapassava a fronteira das narinas. Um chapéu na mão direita, vários embrulhos na mão esquerda.
Entrou atrás de mim, beijou  Dulce rapidamente e fugiu para outro lado da casa.
- João, onde vais?
- Vou ao quarto...
No regresso, olhou-me e disse:
- Eu conheço-te! Trabalhaste no Funfagá...
Respondi logo que não, mas a certeza dele começou a deixar-me insegura.
- No Fungagá?
- Tenho a certeza, tinha lá uma Lexa...
Nunca conheci outra pessoa com o meu nome, só podia ser eu.
- Mas em que ano?
-1974...
Será que eu trabalhei no Fungagá e não me lembro?
A verdade dele é tão mais segura que a minha que ainda peço desculpas pela minha falta de memória.
Porém algo em mim impede-me de embarcar na segurança de João que feito uma borboleta esbraceja deixando a minha afirmação fraca e mentirosa.
- Nunca trabalhei no Fungagá...
No elevador conto de 1 a 10 para ter a certeza de que ainda sei contar sem tropeçar no intervalo da dezena.
Há dias em que o sublime da vida é saber-me viva, apenas.

sexta-feira, 4 de março de 2011

em defesa dos direitos dos animais

você julga que o peru
mesmo bêbedo
perdeu a noção
de que vai ser sacrificado?

ou pensa
que ele pensa
:
gajo porreiro o Lemos
- como se lembrou de mim

hoje não tinha
com quem tomar um copo

quarta-feira, 2 de março de 2011

Crisântemos

À noite o pó faz do chão sua cama
Nele se deita com intimidade.
Uma cortina esconde
Do lado de lá  a vida.

Cheira a crisântemo
a vontade que tenho
Quando o azul
atravessa o vermelho

terça-feira, 1 de março de 2011

"A ética é a responsabilidade por tudo quanto vive, estendida além de todos os limites"



"O homem só é verdadeiramente ético quando obedece a necessidade de ajudar a toda vida a que pode ajudar e se envergonha de causar dano a todo e qualquer ser vivo. Ele não se pergunta até onde esta ou aquela vida tem valor para merecer participação, nem se, ou até onde, ela ainda é capaz de sentir. Para ele a vida em si é santa. Não arranca nenhuma folha das árvores, não quebra uma flor, e toma cuidado para não pisar nenhum inseto. Quando no veºão trabalha à noite à luz da lâmpada, prefere manter a janela fechada e respirar um ar pesado a ver os insetos caírem um após o outro na sua mesa com as asas chamuscadas.

Quando após a chuva caminha pela estrada e vê a minhoca que se extraviou, ele se lembra de que ela terá que secar ao sol se não tiver tempo de encontrar terra em que possa esconder-se, e retira-a da pedra mortífera para a grama. Quando passa por um inseto que caiu numa poça, ele trata de estender-lhe uma folha ou um talo a fim de o salvar

Não teme que zombem dele como sentimental. É este o destino de toda a verdade, que antes de ser reconhecida ela seja objeto de riso. Antes passava por loucura admitir que os homens de cor seriam verdadeiros homens, e que teriam que ser tratados humanamente. A loucura passou a ser sabedoria. Hoje é considerado como um exagero estender até suas formas ínfimas a contínua atenção a todo ser vivo, como uma exigência da ética racional. Mas há de chegar o dia em que se há de julgar estranho que a humanidade tenha precisado tanto tempo para entender o dano inconsiderado à vida como incompatível com a ética.

A ética é a responsabilidade por tudo quanto vive, estendida além de todos os limites"

- Albert Schweitzer, A ética da veneração diante da vida (1955), in Leonardo Boff (com a colaboração de Werner Müller), Princípio de Compaixão e Cuidado. O encontro entre Ocidente e Oriente, Petrópolis, Vozes, 2000, pp.88-89.