O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

À Queima-Roupa

I - Todo o desejo visa o Infinito. Morre e ressuscita de o não atingir.

II - O Infinito trespassa o mundo nos sexos corações incendiados dos amantes.

III - Mal dos amantes que se não penetram até ao Infinito.

IV - Vestida do mínimo indispensável para ficar nua, a Terra atrai a si o Céu com um falo em chamas.

V - Amo-te tanto que nem céu nem inferno me separariam de ti. Nenhum deus criaria o mundo se em nós houvesse reparado.

VI - Superar o desejo pelo seu incêndio extremo. Volver o fogo em luz. E partir para o que nunca deixámos.

VII - Perdemos a memória do que é. E reencontramo-la nas pausas do nosso desejo louco do que não existe.

VIII - A sociedade de espectáculo, produção e consumo vive do desejo que desperta, alimenta e frustra. O Marketing e a Publicidade excitam-no o mínimo indispensável para o entreterem e prenderem neste circo de escravos das coisas irreais. Ai de nós todos se ele ganha asas ! Arriscamos despertar do sonho de haver falta !

IX – Nunca se escutou Camões, o que cantou não a Fé nem o Império, não o encontro de culturas, mas a “expedição” de Eros “Contra o mundo rebelde, por que emende / Erros grandes que há dias nele estão, / Amando cousas que nos foram dadas, / Não para ser
amadas, mas usadas” (IX, 25). O que cantou a redenção do mundo pela conformidade do masculino e do feminino na Ilha dos Amores, a plenitude do amor sensual e sexual pela qual se abre a divina visão, o messianismo erótico de uma nova raça andrógina de deuses humanos e homens divinos. Ninguém o escuta. Crucifica-se Eros na pornografia e nessas outras obscenidades que são o intelecto, o poder e as honras, o sucesso e a riqueza. O que faz avançar a civilização, a ciência e a miséria. As câmaras de gás da alma. Mas Eros ri e voa. E quem na cruz fica, exangue e triste, és tu !

X - A civilização é a fuga da Ilha dos Amores. E a sua única Terra Prometida é o extermínio.

XI - Somos sempre mais do que tudo o que possamos imaginar desejar.

XII - Dá tudo. Verás que nada te falta.

XIII - Dá e sê tudo. E sobretudo liberta-te da ilusão de teres e seres.

2 comentários:

Anónimo disse...

perfeito.
simplesmente perfeito.

platero disse...

regressei aqui

texto antológico

abraço