O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


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quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Da Vida encoberta na suposta normalidade - II

"Duma forma completamente inesperada (pois jamais havia sonhado com uma tal coisa) os meus olhos abriram-se e, pela primeira vez na minha vida, tive um relance fugitivo da beleza extática do real... Não vi nenhuma coisa nova mas vi todas as coisas habituais numa luz nova e miraculosa, no que, creio, é a sua verdadeira luz. Percepcionei o esplendor extravagante, a alegria, desafiando toda a tentativa de descrição da minha parte, da vida na sua totalidade. Cada um dos seres humanos que atravessavam a varanda, cada pardal no seu voo, cada ramo oscilando no vento era parte integrante do todo, como tomado nesse louco êxtase de alegria, de significação, de vida inebriada. Vi esta beleza presente em todo o lado. O meu coração fundiu-se e abandonou-me, por assim dizer, num arrebatamento de amor e de delícias... Uma vez pelo menos, no meio do cinzento dos dias da minha vida, eu tinha visto o coração da realidade, eu tinha sido testemunha da verdade"

- Margaret Prescott Montague, Twenty Minutes of Reality, citado em W. T. Stace, Mysticism and Philosophy, Londres, Macmillan, 1960, pp.83-84 e republicado em Michel Hulin, La Mystique Sauvage. Aux antipodes de l'esprit, Paris, PUF, 1993, p.37.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Da Vida encoberta na doença da suposta normalidade - I

"O quarto onde me encontrava dava para o pátio das traseiras de um lote habitado por negros. Os edifícios eram decrépitos, o solo juncado de tábuas, trapos velhos e detritos. Subitamente, cada objecto no meu campo de visão assumiu uma forma de existência com uma curiosa intensidade. De facto, todas as coisas se apresentavam munidas de um "dentro" e pareciam existir do mesmo modo que eu mesmo, com uma interioridade própria, uma espécie de vida individual. E, vistas sob este aspecto, elas pareciam todas extraordinariamente belas. Havia aí, no pátio, um gato que, de cabeça erguida, seguia preguiçosamente o voo de uma vespa que se movia, sem verdadeiramente se mover, exactamente acima dele. Uma mesma tensão vital animava o gato, a vespa, as garrafas partidas... todas as coisas se avermelhavam com um brilho que emanava do interior delas mesmas"

- N.M., testemunho oral recolhido em W. T. Stace, Mysticism and Philosophy, Londres, Macmillan, 1960, pp.71-72 e republicado em Michel Hulin, La Mystique Sauvage. Aux antipodes de l'esprit, Paris, PUF, 1993, p.36.