O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


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terça-feira, 25 de janeiro de 2011

HOJE, 3ª feira, 25, 18.30, FNAC - CHIADO - apresentação do nº2 da Cultura ENTRE Culturas



O nº 2 da revista Cultura ENTRE Culturas será apresentado no dia 25 de Janeiro, pelas 18.30, na FNAC - Chiado, pelo Prof. Dr. António Cândido Franco (Univ. Évora), bem como pelo Director, Paulo Borges, e pelo Director artístico, Luiz Pires dos Reys.

Este número tem como tema "Encontro Ocidente-Oriente" e publica ensaio, poesia, fotografia e pintura.

Colaboradores nacionais: Carlos João Correia, Paulo Borges, Rui Lopo, Ricardo Ventura, Duarte Braga, Maria Sarmento, Ethel Feldman, Sylvia Beirute, Donis de Frol Guilhade, Flávio Lopes da Silva, Miguel Gullander, Miguel Real e Abdul Cadre. Colaboradores estrangeiros: pintor Rômulo de Andrade (Brasil), fotógrafo João Paulo Farkas (Brasil), Dzongsar Khyentse Rinpoche (Butão), monge e cientista Matthieu Ricard (França-Nepal), professores Françoise Bonardel (Sorbonne - França) e Giangiorgio Pasqualotto (Universidade de Pádua - Itália), poeta Vicente Franz Cecim (Brasil), psicólogo Sam Cyrous (Uruguai-Brasil).

A revista publica ainda poesia e textos de Raimon Pannikar, Rumi, Longchenpa, Simeão, o Novo Teólogo, T. S. Eliot e Vergílio Ferreira, bem como dois textos do recentemente falecido pensador António Telmo, entre eles o último que escreveu e deixou inédito.

Uma revista de Todo o Mundo.

arevistaentre.blogspot.com

O próximo número é dedicado a Fernando Pessoa, com um caderno especial sobre Fernando Pessoa e o Oriente, contendo muitos inéditos transcritos do espólio.

À venda nas melhores livrarias do país e na Livraria Couceiro (Santiago de Compostela).

Assinaturas:

Pedidos à editora: 1 Ano (2 números) / 2 Anos (4 números) Portugal: € 30.00 / € 55.00; Europa: € 35.00 / € 65.00; Extra-Europa: € 40.00 / € 75.00.
Pagamento: cheque ou transferência bancária

Âncora Editora - Avenida Infante Santo 52 - 3º esq. 1350-179 Lisboa
tel + 351 213 951 223 fax + 351 213 951 222
e-mail: ancora.editora@ancora-editora.pt
web http://www.ancora-editora.pt

domingo, 21 de novembro de 2010

3ª feira, 23, 21.30, Clube Literário do Porto, "Descobrir Buda" e nº2 da revista Cultura Entre Culturas





Estarei no Clube Literário do Porto, na Rua da Alfândega, 22, na 3ª feira, dia 23, pelas 21.30, para uma conferência com o tema "Descobrir Buda" e para apresentar o meu último livro, com o mesmo título (Lisboa, Âncora, 2010), bem como o nº2 da revista Cultura ENTRE Culturas, dedicada ao tema "Encontro Ocidente-Oriente".

domingo, 7 de novembro de 2010

Convites: apresentação de "Descobrir Buda", do nº2 da revista Cultura ENTRE Culturas, Colóquio Oriente-Ocidente e Exposição de Relíquias do Buda

Caras Amigas e Amigos

Venho por este meio convidar-vos para o lançamento do meu livro "Descobrir Buda" (Âncora Editora) e do nº2 da revista "Cultura ENTRE Culturas", dedicada ao tema "Encontro Ocidente-Oriente", respectivamente no dia 10, às 18 h, no Anfiteatro III da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, e no dia 11, às 19h, na Sala do Arquivo dos Paços do Concelho (Câmara Municipal de Lisboa). O livro será apresentado pelo Prof. Dr. José Eduardo Reis e a revista por Luiz Pires dos Reys, seu Director Artístico, e pelo Prof. Dr. Carlos João Correia, membro do seu Conselho de Direcção (a confirmar).

Estendo este convite à vossa presença no Colóquio Internacional "Oriente-Ocidente: diálogos e cruzamentos", cujo programa encontram aqui: http://arevistaentre.blogspot.com/2010/11/10-11-novembro-programa-do-coloquio.html

Destaco a conferência do Professor François Jullien, eminente especialista do pensamento chinês, ensaísta de renome mundial e membro da Comissão de Honra da revista "Cultura ENTRE Culturas", no dia 10, às 19h, no Anfiteatro III da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Entrada livre.

Tenho o prazer de vos convidar também para visitarem a Exposição de Relíquias do Buda e de Outros Grandes Mestres Budistas, que decorre na Escola Superior de Medicina Tradicional Chinesa, Palacete da Estefânia, Rua D. Estefânia, 175, até dia 14. A exposição está aberta das 10 às 19h e a entrada é livre. Estará também no Funchal, de 19-21, e no Porto, de 26-28. A exposição é acompanhada de um vasto programa cultural, que podem consultar aqui: www.reliquias.uniaobudistaporto.org/

Que todos estes eventos contribuam para a Paz, interior e exterior, no mundo e para a construção de pontes e não de muros entre povos, nações, culturas e religiões. Por um mundo melhor para todos os seres sencientes.

Com saudações cordiais e universalistas

Paulo Borges

Editorial do nº2 da Cultura ENTRE Culturas, apresentado no dia 11, Sala do Arquivo dos Paços do Concelho (Largo do Município), às 19h



Editorial

Após o primeiro número, cujo tema foi o diálogo intercultural, a Cultura ENTRE Culturas dedica este segundo número ao diálogo entre Ocidente e Oriente, na circunstância oportuna da comemoração dos 500 anos da chegada dos portugueses a Goa. O diálogo Ocidente-Oriente, esses dois grandes pulmões do planeta, tem sido e é cada vez mais a matriz do que de mais significativo surge na história planetária do homem e das manifestações do espírito que nele e em tudo sopra. A cultura portuguesa tem ocupado (para o melhor e o pior) um lugar central nessa interlocução e a nossa revista pretende renovar essa tradição.

Abrimos com uma homenagem a dois vultos que recentemente partiram: Raimon Panikkar, membro da Comissão de Honra da revista e insigne colaborador que nela provavelmente teve a sua última publicação em vida; António Telmo, figura maior do pensamento português contemporâneo, que nos enviou um texto sobre a espiritualidade persa em Luís de Camões e do qual nos honramos por publicar também o seu derradeiro escrito, sobre Raymond Abellio e a descoberta portuguesa do trans-histórico (os nossos agradecimentos a José Guilherme Abreu). Panikkar é um ícone do diálogo Ocidente-Oriente, em particular na vertente europeia-indiana (assumia-se como “cristão-hindu-budista-secular”). Telmo representa a osmose entre filosofia portuguesa e Cabala hebraica. Aos dois o nosso sentido “Até sempre!”.

No que respeita aos ensaios, Carlos João Correia mostra, com o habitual rigor e clareza, como a questão da identidade pessoal, central no Ocidente e no Oriente, se antecipa na filosofia indiana clássica, bramânica e budista. Rui Lopo apresenta uma promissora visão panorâmica da sua investigação sobre a recepção ocidental do budismo (também na cultura portuguesa). Amon Pinho mostra a evolução do pensamento de Agostinho da Silva sobre o budismo e o cristianismo, no contexto de um progressivo ecumenismo paraclético. Paulo Borges assinala a fecundidade do entre em Fernando Pessoa, interpretando o poema “King of Gaps”, bem como as figuras de D. Sebastião e do Quinto Império na Mensagem, a partir da noção tibetana de bar-do (entre-dois, estado intermédio).

Na secção “Éditos e inéditos” a revista continua a contar com a colaboração de figuras de renome internacional. O cientista e monge Matthieu Ricard faz uma estimulante síntese do diálogo entre as neurociências ocidentais e a tradição budista, sob a égide do Dalai Lama, bem como das descobertas científicas recentes acerca dos benefícios da prática regular da meditação para o desenvolvimento pessoal e social. Françoise Bonardel oferece-nos um inédito onde pondera o lugar de Deus, dos deuses e do divino no (mono)teísmo e no budismo, reflectindo sobre as vantagens e riscos do encontro das duas tradições no Ocidente contemporâneo. Dzongsar Khyentse Rinpoche, carismático mestre espiritual tibetano, realizador de cinema e autor de O que não faz de ti um budista, adverte num estilo incisivo para os problemas da transposição do budismo para o Ocidente. Giangiorgio Pasqualotto presenteia-nos com uma entrevista inédita sobre o lugar do Oriente na sua vasta obra e sobre a sua proposta de uma “filosofia intercultural”, equidistante de qualquer centrismo, ocidental ou oriental. Ricardo Ventura transcreve um trecho de um manuscrito português do século XVI, que mostra o lugar pioneiro dos missionários portugueses no conhecimento da cultura hindu no Ocidente. A introdução ao texto também mostra, todavia, os preconceitos religiosos e proselitistas que presidiram a este encontro de culturas, contribuindo por(des)ventura para a paradoxal inibição dos Estudos Orientais no país que mais demandou o Oriente.

Numa secção com textos vários, a visão de António Telmo de um Camões interiormente persa articula-se com a reflexão de Sam Cyrous sobre religião e política na Pérsia antiga e no Irão contemporâneo. O escritor intenso que é Miguel Gullander medita sobre o “cadáver” e a “silenciosa testemunha em tudo o que acontece”. Duarte Braga problematiza o “orientalismo” na poesia de Gil de Carvalho e Abdul Cadre inicia-nos no Caminho de Santiago e nos enigmas dos dois decapitados, Santo Iago e Prisciliano, que bem nota haverem sido dois heréticos, respectivamente entre judeus e cristãos.

Quanto aos poetas, a sua voz surge “entre-calada” pela dos sábios e dos santos homens: será assim doravante.

Abre-se, desde logo – pela mão de Rumi (i.e.“o Romano”) – , com a grandeza da alma sufi, que nos mostra que o Mesmo, o Único, o Insondável, está em todos os corações e lugares; e tão plena e intensamente o está, a ponto de parecer “embriagado, intoxicado e perturbado” aquele que lhe seja lugar, talqualmente os apóstolos do Cristo, no dia de Pentecostes, a quem alguns criam “cheios de vinho doce”(At. 2,13). O Sem Nome, na verdade, tal como vinho, com nada tolera coabitar no coração do homem. É único, e por isso é Único o Único, que em tudo é detectável nesse divino jogo de escondidas que por toda a parte se/nos verifica.

A palavra de Vicente Franz Cecim, primordial e incantatória, virgem como o pulsar amazónico, convoca as “aves profundas” que sobrevoam as “pedras dos dedos da oração”. Ethel Feldman, voz intimista que se nos oferece com o rigor da vibrante lâmina do sentir, enuncia “o voo e via[gem]” do presente, “tempo de sempre / tão tempo de ser”. O verbo de Maria Sarmento, por seu lado, de orvalhada pureza sempre, ressoa ecos do raro “canto mudo das rosas e dos veleiros”: nele “sobe aos lábios um canto, [e] sopram-se segredos”. Sussurrantemente.

Longchenpa, um dos maiores vultos da tradição budista tibetana, fala-nos acerca daquela sabedoria não-dual que emerge da compreensão da natureza, originalmente pura, da mente: a ler como quem não lesse! Flávio Lopes da Silva, em poesia de frescura surpreendente, vai ao ponto de falar-nos de um, não menos surpreendente, “apostador que ao ler um poema dissesse: chega!”. Deixa-nos também um conjunto de vívidos aforismos a ler com todos os olhos.

Sylvia Beirute, que canta sob a luz mediterrânica os al-gharbs de ser viva voz, garante-nos “a certeza de não cabermos numa única possibilidade”; daí, talvez, a pertinência do seu “projecto de ser uma mulher de açúcar” e propor-se assim como “um exemplo de não exemplo”: voz a não perder. De Donis de Frol Guilhade nada se dirá, que sempre prefere nada se diga de quanto haja dizer. Simeão, cognominado “novo teólogo” pela tradição ortodoxa bizantina, exprime suas moções místicas mais abissais, perante o mistério paradoxal da proximidade e inacessibilidade do Divino. Como um selo lacrado a uma “voz já da cascata”, a palavra sábia e rigorosa de T. S. Eliot fala-nos do tempo, do não-tempo nele e do além-tempo em ambos, e em tais termos o faz, que mostra ser “[todo o] poema um epitáfio”. Onde a vida se celebra, a vida para sempre floresce e perdura: ali onde, num entrelaçar de “línguas de fogo” coroantes das crianças, “o fogo e a rosa [são de novo] uma só coisa.”

Raimon Panikkar mostra-nos, num curto mas belíssimo conjunto de nove aforismos (sutras), de que é feita a paz e de como é simples, ainda que não fácil, o fazê-la e o sê-la: texto de uma imensa sabedoria, que, estando a abrir um justo In Memoriam neste número, estaria aqui também no seu mais do que justo lugar. Rómulo Andrade, com a sua arte de primacial pureza, leva a cabo (nas palavras de Ruy Fabiano Rabello) uma “poética que desperta e sinaliza no rumo duma consciência mais clara e solidária entre as pessoas e a própria vida”: a ver, sempre. João Paulo Farkas, o fotógrafo convidado para este número, é senhor de um olhar sobre o homem e a Natureza que, dir-se-ia, nos faz sentir “desaparecidos”, lembrando aquela espantosa palavra de António Maria Lisboa, aliás algures citada na revista: “ver é desaparecer”. E é.

O diálogo entre as culturas e entre cada uma delas e o que a todas transcende e equipara é o grande desafio do nosso tempo. É dele que depende o universalismo autêntico, caminho do meio entre nacionalismo cultural e globalização homogeneizadora. É por essa via que seguimos, criando/descobrindo pontes, mediações, elos. No próximo número em companhia de Fernando Pessoa, comemorando ainda os 75 anos da passagem desse que é um dos expoentes maiores de um trans-Portugal armilar, cumprindo-se e superando-se na mediação de todos com tudo.


Paulo Borges
Luiz Pires dos Reys

arevistaentre.blogspot.com

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Índice do nº2 da Cultura ENTRE Culturas. O nº1 é apresentado hoje, às 19h, na Feira de Alternativas de Sintra (São Pedro)

índice /|/

entre tantos e tanto
| editorial 3

in memoriam

raimon panikkar nove sutras sobre a paz 6

antónio telmo portugal dans la découverte de l’au-delà de l’histoire 7

do oriente e dos orientes a ocidente
| ensaios 5

carlos joão correia
oriente/ocidente: a questão da identidade pessoal 12

rui lopo
da universalidade, do oriente, do orientalismo, da filosofia da religião, do budismo definido como niilismo e do que haja de romântico entre tudo isto. (Diário de uma investigação) 23

amon pinho
cristianismo e vontade, ocidente e crise de espírito: da interpretação niilista de O Budismo ao buda-dharma e ao universalismo, percursos de agostinho da silva 29

paulo borges
fernando pessoa no tibete ou de como pelo bar-do se compreende dom sebastião como o “king of gaps”
e o quinto império como o seu “estranho reino” 41


entre nós e a voz a água corrente
poesia | photo graphia 49

rumi cruz e cristão, de ponto a ponto sondei 50

vicente franz cecim quatro poemas de “Fonte dos que dormem” 51

ethel feldman três poemas 55

maria sarmento marinheiros estáticos(poema entre-órfico) 58

longchenpa um excerto d’ ”A Liberdade Natural da Mente” 60

flávio lopes da silva três poemas e aforismos 62

sylvia beirute três poemas 65

donis de frol guilhade três poemas de “A voz maior que a boca” 68

simeão o novo teólogo hino 38 72

t.s.eliot ”little gidding” – extractos de “Quatro Quartetos” 73

rómulo de andrade três obras de “Berço das águas” 74

joão paulo farkas oito “olhares” duma viagem à Índia 76

dos ocidentes a oriente
81 | éditos e inéditos

82 neurociências e meditação
matthieu ricard

87 Deus, os deuses e o divino sob o olhar do monoteísmo
e do budismo françoise bonardel

as distorções que nós trazemos para o estudo
97 do budismo dzongsar khyentse rinpoche

porquê o Oriente?
105 - uma entrevista a giangiorgio pasqualotto

109 lei dos jentios
(apresentação e notas) ricardo ventura

dest ‘ artes
112 | dos elmos, dos almos
e dos telmos

antónio telmo
113 a identidade religiosa de luís de camões

miguel gullander
117 a meditação do cadáver

sam cyrous
123 da Pérsia ancestral ao Irão actual : do misticismo religioso à
modernidade teocrática

duarte drumond braga
126 notas sobre o “orientalismo” na poesia de Gil de Carvalho

abdul cadre
128 caminho de santiago


sobre escritos
recensões | opinião
miguel real
132 a morte da “filosofia portuguesa”

colaboradores
134 | cv / nota bio-bibliográfica

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Editorial da Cultura ENTRE Culturas nº2 e lançamentos: o próximo na 6ª feira, 17, pelas 19h

Dirk Hennrich apresentará a revista Cultura ENTRE Culturas no V Encontro Alternativas em Sintra, 6ª feira, dia 17, no Largo D. Fernando II, em São Pedro (Sintra), pelas 19 h.

O nº 2 será apresentado no Colóquio Internacional "Oriente-Ocidente: diálogos e cruzamentos", na Sala do Arquivo dos Paços do Concelho (Câmara Municipal de Lisboa), em 11 de Novembro.

Publicamos aqui, como aperitivo, o Editorial, que apresenta o conteúdo da revista. Uma forma de garantir e apoiar a revista é assiná-la.

Saudações interculturais

Paulo Borges

......................

Editorial

Após o primeiro número, cujo tema foi o diálogo intercultural, a Cultura ENTRE Culturas dedica este segundo número ao diálogo entre Ocidente e Oriente, na circunstância oportuna da comemoração dos 500 anos da chegada dos portugueses a Goa. O diálogo Ocidente-Oriente, esses dois grandes pulmões do planeta, tem sido e é cada vez mais a matriz do que de mais significativo surge na história planetária do homem e das manifestações do espírito que nele e em tudo sopra. A cultura portuguesa tem ocupado (para o melhor e o pior) um lugar central nessa interlocução e a nossa revista pretende renovar essa tradição.

Abrimos com uma homenagem a dois vultos que recentemente partiram: Raimon Panikkar, membro da Comissão de Honra da revista e insigne colaborador que nela provavelmente teve a sua última publicação em vida; António Telmo, figura maior do pensamento português contemporâneo, que nos enviou um texto sobre a espiritualidade persa em Luís de Camões e do qual nos honramos por publicar também o seu derradeiro escrito, sobre Raymond Abellio e a descoberta portuguesa do trans-histórico (os nossos agradecimentos a José Guilherme Abreu). Panikkar é um ícone do diálogo Ocidente-Oriente, em particular na vertente europeia-indiana (assumia-se como “cristão-hindu-budista-secular”). Telmo representa a osmose entre filosofia portuguesa e Cabala hebraica. Aos dois o nosso sentido “Até sempre!”.

No que respeita aos ensaios, Carlos João Correia mostra, com o habitual rigor e clareza, como a questão da identidade pessoal, central no Ocidente e no Oriente, se antecipa na filosofia indiana clássica, bramânica e budista. Rui Lopo apresenta uma promissora visão panorâmica da sua investigação sobre a recepção ocidental do budismo (também na cultura portuguesa). Amon Pinho mostra a evolução do pensamento de Agostinho da Silva sobre o budismo e o cristianismo, no contexto de um progressivo ecumenismo paraclético. Paulo Borges assinala a fecundidade do entre em Fernando Pessoa, interpretando o poema “King of Gaps”, bem como as figuras de D. Sebastião e do Quinto Império na Mensagem, a partir da noção tibetana de bar-do (entre-dois, estado intermédio).

Na secção “Éditos e inéditos” a revista continua a contar com a colaboração de figuras de renome internacional. O cientista e monge Matthieu Ricard faz uma estimulante síntese do diálogo entre as neurociências ocidentais e a tradição budista, sob a égide do Dalai Lama, bem como das descobertas científicas recentes acerca dos benefícios da prática regular da meditação para o desenvolvimento pessoal e social. Françoise Bonardel oferece-nos um inédito onde pondera o lugar de Deus, dos deuses e do divino no (mono)teísmo e no budismo, reflectindo sobre as vantagens e riscos do encontro das duas tradições no Ocidente contemporâneo. Dzongsar Khyentse Rinpoche, carismático mestre espiritual tibetano, realizador de cinema e autor de O que não faz de ti um budista, adverte num estilo incisivo para os problemas da transposição do budismo para o Ocidente. Giangiorgio Pasqualotto presenteia-nos com uma entrevista inédita sobre o lugar do Oriente na sua vasta obra e sobre a sua proposta de uma “filosofia intercultural”, equidistante de qualquer centrismo, ocidental ou oriental. Ricardo Ventura transcreve um trecho de um manuscrito português do século XVI, que mostra o lugar pioneiro dos missionários portugueses no conhecimento da cultura hindu no Ocidente. A introdução ao texto também mostra, todavia, os preconceitos religiosos e proselitistas que presidiram a este encontro de culturas, contribuindo por(des)ventura para a paradoxal inibição dos Estudos Orientais no país que mais demandou o Oriente.

Numa secção com textos vários, a visão de António Telmo de um Camões interiormente persa articula-se com a reflexão de Sam Cyrous sobre religião e política na Pérsia antiga e no Irão contemporâneo. O escritor intenso que é Miguel Gullander medita sobre o “cadáver” e a “silenciosa testemunha em tudo o que acontece”. Duarte Braga problematiza o “orientalismo” na poesia de Gil de Carvalho e Abdul Cadre inicia-nos no Caminho de Santiago e nos enigmas dos dois decapitados, Santo Iago e Prisciliano, que bem nota haverem sido dois heréticos, respectivamente entre judeus e cristãos.

Quanto aos poetas, a sua voz surge “entre-calada” pela dos sábios e dos santos homens: será assim doravante.

Abre-se, desde logo – pela mão de Rumi (i.e.“o Romano”) – , com a grandeza da alma sufi, que nos mostra que o Mesmo, o Único, o Insondável, está em todos os corações e lugares; e tão plena e intensamente o está, a ponto de parecer “embriagado, intoxicado e perturbado” aquele que lhe seja lugar, talqualmente os apóstolos do Cristo, no dia de Pentecostes, a quem alguns criam “cheios de vinho doce”(At. 2,13). O Sem Nome, na verdade, tal como vinho, com nada tolera coabitar no coração do homem. É único, e por isso é Único o Único, que em tudo é detectável nesse divino jogo de escondidas que por toda a parte se/nos verifica.

A palavra de Vicente Franz Cecim, primordial e incantatória, virgem como o pulsar amazónico, convoca as “aves profundas” que sobrevoam as “pedras dos dedos da oração”. Ethel Feldman, voz intimista que se nos oferece com o rigor da vibrante lâmina do sentir, enuncia “o voo e via[gem]” do presente, “tempo de sempre / tão tempo de ser”. O verbo de Maria Sarmento, por seu lado, de orvalhada pureza sempre, ressoa ecos do raro “canto mudo das rosas e dos veleiros”: nele “sobe aos lábios um canto, [e] sopram-se segredos”. Sussurrantemente.

Longchenpa, um dos maiores vultos da tradição budista tibetana, fala-nos acerca daquela sabedoria não-dual que emerge da compreensão da natureza, originalmente pura, da mente: a ler como quem não lesse! Flávio Lopes da Silva, em poesia de frescura surpreendente, vai ao ponto de falar-nos de um, não menos surpreendente, “apostador que ao ler um poema dissesse: chega!”. Deixa-nos também um conjunto de vívidos aforismos a ler com todos os olhos.

Sylvia Beirute, que canta sob a luz mediterrânica os al-gharbs de ser viva voz, garante-nos “a certeza de não cabermos numa única possibilidade”; daí, talvez, a pertinência do seu “projecto de ser uma mulher de açúcar” e propor-se assim como “um exemplo de não exemplo”: voz a não perder. De Donis de Frol Guilhade nada se dirá, que sempre prefere nada se diga de quanto haja dizer. Simeão, cognominado “novo teólogo” pela tradição ortodoxa bizantina, exprime suas moções místicas mais abissais, perante o mistério paradoxal da proximidade e inacessibilidade do Divino. Como um selo lacrado a uma “voz já da cascata”, a palavra sábia e rigorosa de T. S. Eliot fala-nos do tempo, do não-tempo nele e do além-tempo em ambos, e em tais termos o faz, que mostra ser “[todo o] poema um epitáfio”. Onde a vida se celebra, a vida para sempre floresce e perdura: ali onde, num entrelaçar de “línguas de fogo” coroantes das crianças, “o fogo e a rosa [são de novo] uma só coisa.”

Raimon Panikkar mostra-nos, num curto mas belíssimo conjunto de nove aforismos (sutras), de que é feita a paz e de como é simples, ainda que não fácil, o fazê-la e o sê-la: texto de uma imensa sabedoria, que, estando a abrir um justo In Memoriam neste número, estaria aqui também no seu mais do que justo lugar. Rómulo Andrade, com a sua arte de primacial pureza, leva a cabo (nas palavras de Ruy Fabiano Rabello) uma “poética que desperta e sinaliza no rumo duma consciência mais clara e solidária entre as pessoas e a própria vida”: a ver, sempre. João Paulo Farkas, o fotógrafo convidado para este número, é senhor de um olhar sobre o homem e a Natureza que, dir-se-ia, nos faz sentir “desaparecidos”, lembrando aquela espantosa palavra de António Maria Lisboa, aliás algures citada na revista: “ver é desaparecer”. E é.

O diálogo entre as culturas e entre cada uma delas e o que a todas transcende e equipara é o grande desafio do nosso tempo. É dele que depende o universalismo autêntico, caminho do meio entre nacionalismo cultural e globalização homogeneizadora. É por essa via que seguimos, criando/descobrindo pontes, mediações, elos. No próximo número em companhia de Fernando Pessoa, comemorando ainda os 75 anos da passagem desse que é um dos expoentes maiores de um trans-Portugal armilar, cumprindo-se e superando-se na mediação de todos com tudo.


Paulo Borges
Luiz Pires dos Reys