O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


quinta-feira, 25 de abril de 2013


O(H)VIBEJA

aí estão as cabras
com os seus brincos
pendurados das orelhas

as vacas e os porcos
com seus piercings
no focinho e nas narinas

os burros
com a sua calma legendária
suas orelhas de abano
de grandes mais eficientes do que auscultadores

os cavalos lazões
castanhos izabela
prontos a serem montados
por meninos e meninas

aí estão os vendedores
de algodão-em-rama e de amendoins
e os cães domésticos
puxando os donos pelas trelas

aí estão as aves exóticas
os papagaios araras
e os garnizés
e os pombos gordos
que nem perus pelo Natal
e os camponeses velhos reformados
a não perderem nada
pelos pavilhões arrastando os pés

aí estão as avós
puxadas pelos netos
atrás dos fumos doces
dos churros das farturas
e os agricultores
perdidos em projetos
que rentabilizem
a ingrata agricultura

a água do Alqueiva
os olivais a rega
sem a qual a planta não tem seiva
o vendedor de máquinas
prometendo a entrega
do tractor New Holland
para virar a leiva

a gente do governo
pródiga em promessas
:
baixa de impostos subsídios sonhos

os putos marginais
virando a Feira das avessas
limpando ao braço
transpirações e ranhos

aí estão os balões
as espadas Excalibur
os pavilhões
de produtos regionais
:
os méis os queijos os enchidos maduros
os cheiros assimilados
a humores corporais

entanto o Sol falece
prós lados de Lisboa
são horas de apanhar o autocarro
- há quem vá de vagar há quem se apresse
há os eternos retardatários
distribuindo ainda
o tinto que há num jarro

até pró ano - a Feira estava boa
podia estar melhor diz a mulher cansada
perde a gente o tempo
por aqui à toa
com o raio da crise
não dá pra comprar nada

4 comentários:

João de Castro Nunes disse...


Possui de graça carradas
esta sua poesia
que mostra toda a mestria
das suas trovas rimadas!

JCN

platero disse...

estes seus comentários amigos

(ao que parece único leitor)
vão me ligando a esta velha SERPENTE,
que já teve dias mais ofídicos

grande abraço

João de Castro Nunes disse...


A serpente, caro Amigo,
está prestes a expirar,
contando apenas consigo
para ainda respirar!

JCN

platero disse...

é verdade

vou mesmo deixá-la expirar em paz

deixa-me alguma nostalgia, sobretudo
alguns momentos de polémica mais acesa em que ambos tomámos parte

muitas das nossas interessantes quadras, os seus belíssimos sonetos,
tudo vai perder-se no éter, no espaço, como coisas, que o não eram, verdadeiramente fúteis

grande abraço para si, quem sabe se não nos reencontramos ainda noutro espaço - antes da eternidade
se é que ela existe