O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Julgamento




Numa ilha escura e hirta, repleta em paisagens de heresia sonhadas em meio ao delirium tremens de algum órfão, o povo agachado – em se tratando de um burgesso solitário haveria desculpa – esse povo se engana com tais heresias babadas

Atravessam-se dolorosamente com máscaras de cómico sem graça, os postulados de quaisquer estruturas sejam elas ou não feitas da matéria dos seres vivos... Grande pateada com champagne e cigarros de marca branca, como se estivessem num jogo de futebol

Dizem olá à eternidade com tamanha desfaçatez virada nos copos e chupada nos cigarros que se tocassem um violino atrás das colinas, sairia num estertor opaco do violino estuprado

Surdos e grossos como pedregulhos que um pé empurra para o precipício a comprar tabaco ou a girar um grogue entre dedos

Enrolado a tapetes de arraiolos

A foto tirada ao conjunto de roupa enxovalhada e enodoada, a guerra do Peloponeso do avesso

Esses pequenos pedregulhos rodeados por Oceanos leoninos onde se estrangula qualquer veleidade pela via de todas essas ondas

Do prólogo ao êxodo, o epidauro da natureza – entrada do coro a dançar e a cantar – gotas de chuva a entrarem em águas zangadas

Impetuosas, divinas no Ocaso, impacientes na sua ferocidade e pouco se importando com a quantidade de corpos inchados que bóiam depois da sua passagem

Leis omnipotentes, não as queiram, não as queiram ouvir. Preferem as angústias da porta a bater no escuro, da ilha amarfanhada como papéis de velho louco

Como ondas do pensamento, exactamente, se plasticinam em recurso a estas metáforas, as zangas dos mortais

Pensamento. Pensamento?

Algo de recurso estético tirado dos sonhos ou das páginas da natureza para um boneco mole escarrapachado numa cadeira rodeado por todos os lados

Que nem sabia se as águas lhe molhassem apenas os pés num Ganges a ferver...

As torpes magnitudes que observaria numa praia, em pleno Janeiro, e que o enrolavam mesmo não querendo, nem por isso seriam diferentes

Era portanto o acto de sorver beijos da Têtis hedionda, cortejar a sublime dialéctica, porventura escrevendo o poema em papel barato

Um Eu ratificado universalmente por aspas, sublinhado mesmo

O que o empurrava, descendo escadas levado por Ondas aos novos segundos que se sucediam aos derradeiros, aniquilando-os como se faz a uma formiga

Compreensão pura?

Quereria - será que poderia? – dourar a constância de algo que somente se nomeia e constata numa ode feita aos que nela sofreram, afogados abjectos e pescadores patéticos naufragando a gritos de puta batida agarrada ao cu, numa introspecção

Na sensação de se entender apenas pessoa.