O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


sexta-feira, 3 de junho de 2011

Deserto inominável



O deserto é um silêncio depois do mar,

É o êxtase da luz sobre o coração da areia.

Vai-se e volta-se e nada se esquece.

Tudo se oculta para depois se dar a ver

No ponto em que os ventos se cruzam

E as almas gritam no fundo dos poços.

Os cestos sobem e descem prometendo água,

Uma frescura que derrete a febre.

Não são as tâmaras que adoçam a boca,

É a beleza das mulheres dissimulando

O desejo como um pecado sob a escuridão dos véus.

As serpentes assobiam ou cantam

Conforme o veneno que lhes molda o sangue.

Enroscam-se sobre as pedras

como fragmentos de lua à espera da manhã.

E a sombra alonga-se nas dunas

Ondulando rente às palmeiras

Como a última cobra do medo das crianças.

Não há ruído maior que este silêncio

Que se serve com tâmaras e com chá

Na mesa rasteira, sobre a terra molhada.

É no que não se nomeia que está o infinito.

José Jorge Letria
Os Mares Interiores
Lisboa, Teorema, 2001

4 comentários:

rmf disse...

'Inominável, por ser deserto'

Abraço

rosadomundo disse...

Abraço deserto e de(perto).

Luiz Pires dos Reys disse...

Com mil trovões, perdão, com mil perdões:

Continuo a achar que a JJL talvez obesem, em certa retumbante redundância, o profuso dos prémios literários e porventura algum para-fuso lasso nas metáforas: pode ser de misturar tanta tâmara com chá.

Claro que isto é só para... chatear certa pessoa. :))

rosadomundo disse...

ah!ah!ah!!!!!!

(Isto não são horas de andar por aqui, mas as tâmaras com chá, desaparafusaram-me as metáforas... não!... as anáforas! Bolas!!! Vim só beber chá. As tâmaras estavam lá por ser deserto...)

Era capaz de concordar consigo na obesidade redundante de JJL, deve de ser por "devorar" tantos prémios!!! ;)

Pasme-se:

Esta não é a hora de "certa pessoa" se chatear, nem mesmo com MeTheOros: é hora incerta!

É hora de dormir. Boa noite.:))