sábado, 30 de abril de 2011
EU NÃO ESTOU DOUDO
Eu não estou doudo.
Tenho sido manejado como um puro manequim. Os seus meios de manejo têm sido — a mim aqui ao seu dispor abandonado por toda uma sociedade, a começar por aqueles que mais estrito dever tinham de tal não fazer — os seus meios de acção são, já a tortura, já a sugestão, já o veneno.
A tortura consiste em maus tratos aqui, sequestros, insultos, intrigas por aí, etc. A sugestão consiste em alusões nas conversas, recadinhos como que involuntariamente enviados, etc.
O veneno, esse é o subministrado nas comidas que encontro por ração colocadas no meu lugar, — e consiste em venenos letais, vírus infecciosos, e micróbios, extraídos e culturados nos órgãos dos cadáveres, defuntos naturalmente, ou defuncionados por esta gente, aqui, no meio da imensa mole de carne humilde, anónima, e descurada, desta mole que faz o numerário dos hospitais. Mas também venenos d’outra origem, trazidos através d’um d’estes organismos ao seu dispor (d’um dos doentes humildes que depois defuncionam).
Por meio d’estes venenos são-me senhores do cérebro (que legam, manejam, sobreexcitam, centro por centro, fazendo-me assim, rir, chorar, estar triste, falar, estar calado) — são[-]me senhores do cérebro, atacando-me já o modo de função de cada órgão, já ainda cada zona dos órgãos vários, de modo a influir n’aquela zona ou totalidade de tal ou tal pulmão, a que correspondem, e que por seu turno corresponde a tal ou tal órgão.
Longo é explicar o meu caso, minúcia por minúcia — mesmo só o poderia fazer com descanso e n’um sítio em que por um dia estivesse seguro da sua não acção, — mas aqui aonde tenho de almoçar e jantar o que me derem, eles são-me pelo processo acima senhores do organismo e perturbam-me a funcionação do cérebro, o que muito lhes convém pois sou assim confuso — e há gente superficial como aquela a quem eles com um sorriso da sua mais que abalada autoridade, fazem descrer de que se possa actuando nos centros correspondentes (sobre terem tirado todo o outro meio de desabafo e comunicação e tê-lo oprimido de modo a enfurecê-lo) fazem crer que não é possível ser motivado por manejo o bradar furioso.
De quantas moléstias me têm acusado?
Sobretudo, sempre no fundo a infecção alcoólica.
Eu respondo[:]
A infecção alcoólica, mesmo quando incurável (e há-de aí talvez lembrar o que era dito n’uma relação oficial, feita 1 ano que não 3 meses depois (máximo tempo concedido, este de 3 meses, para definição e classificação da moléstia, definição sem a qual ninguém aqui pode ser retido — isto segundo o regulamento elaborado por um especialista eminente) — há-de aí talvez lembrar que eu era n’ela dado como curável) mesmo quando incurável isto é quando adiantada, diminui de intensidade com o tempo de abstenção de bebidas.
Eu desde que aqui estou tenho bebido apenas 3 decilitros de vinho aos jantares de 5.ªs e domindo – e 2 vezes que saí com o Fiscal duas ou 3 pingas de vinho – [.]
Como aumenta pois a minha infecção?
(E aqui cabe dizer que não tem conta nem peso os esforços que eles fazem para me igualar com um alcoólico paralítico, procurando a toda a pressa paralisar-me os movimentos das pernas, o que será anormal que se dê diminuindo a causa, como seria o aumento da infecção).
Hão[-]de me dizer também
Ângelo de Lima, autógrafo interrompido, s.d.
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