O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


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segunda-feira, 21 de abril de 2008

Blasfémias pessoanas e Jean-Yves Leloup, amanhã, 22, sobre a meditação que nos liberta de quem medita

Para quem não tenha nada de melhor para fazer, se queira aborrecer e deixar de perceber o quer que seja acerca de Pessoa, recordo a conferência que farei hoje sobre "A Questão de Deus em Fernando Pessoa". Aí se ouvirão, entre outras blasfémias, coisas como: "Deus existe, com efeito, para si próprio; mas Deus está enganado". Será no Auditório 1 do Edifício 3 da Universidade Católica, pelas 17 h.

O importante é amanhã, 3ª feira, a presença de Jean-Yves Leloup, no Anfiteatro IV da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, pelas 18 h, para uma conferência sobre "O Peregrino Russo: antropologia do hesicasmo e diálogo entre as religiões". A entrada é livre e haverá tradução para português.
"Para João Clímaco, a hésychia não é somente "negação das preocupações racionais", ela é também "eliminação dos pensamentos", no sentido muito amplo do termo. "Não terás a oração pura se estás embaraçado pelas coisas materiais e agitado por preocupações constantes, pois a oração é eliminação dos pensamentos" (De Oratione, 70, P. G. 79, 1181).
Esta ausência de pensamentos é esquecimento de si. Quando a mente está pacificada, o "pequeno eu" desaparece pouco a pouco, abre-se à Alteridade que o funda e repousa-se nela" - Jean-Yves Leloup, Écrits sur l'Hésychasme. Une tradition contemplative oubliée, Paris, Albin Michel, 2003, p.47.

sábado, 19 de abril de 2008

A iniciação do jovem Jean-Yves Leloup à meditação hesicasta

"O velho monge tinha-o bem aconselhado, com efeito, a meditar "como o oceano" e não como o mar. [...] Inspiro, expiro... depois: sou inspirado, sou expirado. Deixo-me levar pelo sopro, como nos deixamos levar pelas vagas... [...] A gota de água mantinha a sua identidade e no entanto sabia "ser una" com o oceano. É assim que o jovem aprendeu que meditar é respirar profundamente, deixar ser o fluxo e refluxo do sopro.
Aprendeu igualmente que, se havia vagas à superfície, o fundo do oceano permanecia tranquilo. Os pensamentos vão e vêm, espumam-nos, mas o fundo do ser permanece imóvel. Meditar a partir das vagas que somos para perder pé e ganhar raiz no fundo do oceano. Tudo isto tornava-se cada dia um pouco mais vivo nele e recordava as palavras de um poeta que o tinham marcado no tempo da sua adolescência: "A Existência é um mar sem cessar cheio de vagas. Deste mar as pessoas comuns não percepcionam senão as vagas. Vê como das profundezas do mar inumeráveis vagas aparecem à superfície, enquanto o mar permanece escondido nas vagas". Hoje o mar parecia-lhe menos "escondido nas vagas", a unicidade de todas as coisas parecia-lhe mais evidente e isso não abolia o múltiplo. Tinha menos necessidade de opôr o fundo e a forma, o visível e o invisível. Tudo isso constituía o oceano único da vida.
No fundo do seu sopro não havia a Ruah [o Espírito divino]? O pneuma ? O grande sopro de Deus ?
"Aquele que escuta atentamente a sua respiração, disse-lhe então o velho monge Serafim, não está longe de Deus.
Escuta quem está lá no final da tua expiração. Quem está lá no final da tua inspiração". Havia aí com efeito alguns segundos de silêncio mais profundos que o fluxo e o refluxo das vagas, havia aí alguma coisa que parecia suportar o oceano..." - Jean-Yves Leloup, Écrits sur l'Hésychasme. Une tradition contemplative oubliée, Paris, Albin Michel, 2003, pp.17-18.

O autor falará sobre este tema na próxima 3ª feira, dia 22, pelas 18 h, no Anfiteatro IV da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.