O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


quinta-feira, 24 de maio de 2012

HOJE APETECIA TRANSGREDIR

a manhã começava quente
ainda em Maio 
já parecia estarmos a cavalgar o Verão

mal acordei e esfreguei os olhos
levantei-me
calcei as meias
vesti a camisola e as cuecas do avesso
troquei os sapatos
o do pé direito no pé esquerdo
e vice-versa

talvez me apetecesse
passar o dia nesse vice-versa

hoje apetecia transgredir

em vez de manteiga nas torradas
comecei por pôr
as torradas na manteiga

fiz o habitual
chocolate com leite
e fui à rua
despejá-lo no comedouro da multidão de gatos

saí à rua
para comprar cigarros
entrei no Café
cumprimentei quem estava
com inequívoco boa-tarde

quem estava
respondeu-me
com um também inequívoco bom-dia

olharam-se entre si
e riram

chegada a hora do almoço
dei por que
me desapetecia comer
- talvez fosse - pensei -
apenas por causa da palavra Almoço

foi então que resolvi
- e resultou na perfeição -
fingir
qe em vez de almoço era jantar

fechei
todas as janelas que davam para a rua
corri um cortinado vermelho
que separa a sala-de-jantar
do meu gabinete-de-trabalho

acendi duas velas
como se jantasse
com alguém muito romântico
pus Chopin
e talvez por indução fonética
uma garrafa de vinho
que preparei como se fosse de champagne

o resto do dia
passei-o de óculos escuros
- a tarde era já noite para mim

vi as estrelas
e a lua como vírgula minúscula
uns dois palmos acima
de brilhante planeta

que por seu brilho
e tamanho
e local
me pareceu que fosse Marte

para completar o despautério
fui à rua gritar
antes de ir para a cama
que este nosso mundo
como um relógio suiço
nunca podia avariar

hoje
apetecia mesmo transgredir

3 comentários:

João de Castro Nunes disse...

Há muitos dias assim
na nossa vida, Platero:
são dias que considero
de dor de dentes ou rim!

JCN

João de Castro Nunes disse...

Esperemos que a Metello
não nos venha provocar,
pondo o nosso linguajar
em constante paralelo|

JCN

Isabel Metello disse...

"Olá cá estou eu" e não "sou o Brise contínuo" :))) ai, há dias mesmo assim, Platero, como há em que nos apetece mandar tudo à fava e gritar até um palavrão bem feio! :)))