O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


quarta-feira, 16 de maio de 2012

As minhas sardas

Fiquei a pensar como seria a tarefa de contar as minhas sardas...
Quando era criança,  morei num bairro de pescadores, em Fortaleza, onde os miúdos traziam na boca histórias fantásticas. O Vavá tinha a cabeça achatada e explicava que era assim porque a mãe quando grávida tinha caido no chão bem em cima da barriga. Recordo o meu espanto com tal explicação. Se ela tivesse caído de lado, como seria o perfil?
Um dia o  Pirrita aconselhou-me a lavar a cara com o meu xixi para limpar a cara.
A verdade é que sempre tive complexos por ser sardenta.
Na adolescência colocava base e as sardas viam-se por baixo - teimosos sinais castanhos que não me largavam. 

Para as ruivas, o cabelo é da cor da cenoura e faz todo sentido serem sardentas. Eu que sempre tive o cabelo castanho, passava por uma falsa sardenta. Com os anos fui aprendendo a gostar destesn pequenos sinais.
No rosto são mais de cem, no corpo outras tantas que invento e não encontro. Umas cresceram como se fossem sementes de uma nova gente. Outras apagaram-se tão cansadas estavam da vida acontecida. Acordam na minha pele todas as manhãs. Vivem comigo desde criança. Namoram umas com outras, casam-se e inventam filhos. 

Nunca as vi morrer, senão a fundirem-se.
Até a hora do juízo final.

3 comentários:

João de Castro Nunes disse...

Quando na alma há poesia
que a escrever nos impele,
até das sardas da pele
se faz uma sinfonia!

JCN

João de Castro Nunes disse...

Não deixe que as suas sardas
lhe causem nenhum desgosto:
sejam castanhas ou pardas,
sempre dão beleza ao rosto!

JCN

João de Castro Nunes disse...

Se acaso Nossa Senhora
fosse de raça ariana
e não palestiniana,
talvez fosse detentora
de meia dúzia de sardas
entre castanhas e pardas!

JCN