sábado, 28 de abril de 2012

O(H!)VIBEJA aí estão as cabras com os seus brincos pendurados das orelhas as vacas e os porcos com seus piercings no focinho e nas narinas os burros com a sua calma legendária suas orelhas de abano de grandes mais eficientes do que auscultadores os cavalos lazões castanhos izabela prontos a serem montados por meninos e meninas aí estão os vendedores de algodão-em-rama e de amendoins e os cães domésticos puxando os donos pelas trelas aí estão as aves exóticas os papagaios araras e os garnizés e os pombos gordos que nem perus pelo Natal e os camponeses velhos reformados a não perderem nada pelos pavilhões arrastando os pés aí estão as avós puxadas pelos netos atrás dos fumos doces dos churros das farturas e os agricultores perdidos em projetos que rentabilizem a ingrata agricultura a água do Alqueiva os olivais a rega sem a qual a planta não tem seiva o vendedor de máquinas prometendo a entrega do tractor New Holland para virar a leiva a gente do governo pródiga em promessas : baixa de impostos subsídios sonhos os putos marginais virando a Feira das avessas limpando ao braço transpirações e ranhos aí estão os balões as espadas Excalibur os pavilhões de produtos regionais : os méis os queijos os enchidos maduros os cheiros assimilados a humores corporais entanto o Sol falece prós lados de Lisboa são horas de apanhar o autocarro - há quem vá de vagar há quem se apresse há os eternos retardatários distribuindo ainda o tinto que há num jarro até pró ano - a Feira estava boa podia estar melhor diz a mulher cansada perde a gente o tempo por aqui à toa com o raio da crise não dá pra comprar nada

domingo, 22 de abril de 2012

Retrato 3/4

no meu retrato
três por quatro
viajo ao passado
aquela sou eu
ainda criança
de copo na mão
na festa da escola
lembras desta?
teu corpo no meu
antes da despedida
tantas vezes partimos
quantas vezes beijei-te
e não fotografei?
na parede o retrato
emoldura o passado
nos meus lábios
um ar morno e doce
indica o presente
onde tudo acontece
enquanto respiro
a caminho do fim
vislumbro o começo
em cada intervalo
morro e nasço
outra vez

quinta-feira, 19 de abril de 2012

terça-feira, 17 de abril de 2012

dois poeminhas que andavam por aqui entre ruínas e poeira

AQUENTEJO

o Monte ao Sol
o poema de cal

não só de cal
que há em calor

-de cal
de calma

que é mistura
de alma
e cal


O SEGUNDO, de que eu teria pena se tivesse perdido

VIVA SOPHIA

eis
a secreta luz
tecida em Creta
-a mãe do Touro
e fonte

da voz límpida
de SOPHIA

de SOPHIA fugaz
de tão fugaz
perpétua
Com tinta se escreve amor
sobre papel, e perdura
nunca vai perder a cor
quando a tinta é a ternura.

sábado, 14 de abril de 2012

P´RA PULAR

a escrita do cavador
é fácil - não custa nada -
serve de tinta o suor
sua caneta a enxada

seu papel é do melhor
é terra negra suada
escreve tanto o cavador
e chega ao fim não tem nada

quarta-feira, 11 de abril de 2012

não chores, sabiá
a noite é quase dia
e voltas a cantar

descansa agora
a vida pede silêncio
até o sol raiar

terça-feira, 10 de abril de 2012

"Só falando preservas o silêncio" - Agostinho da Silva - (expiré après une inspiration d'une lecture de Mística Barata e Uma Garrafa de Vinho)

Um pai desejava a melhor formação mística para os seus filhos. Por esta razão, enviou-os a um reputado mestre de metafísica para que os treinasse espiritualmente. Passado um ano, os filhos regressaram ao lar paterno. O pai perguntou a um dos filhos sobre o Absoluto e o filho falou demoradamente sobre o tema, fazendo todo o tipo de ilustradas referências às Escrituras, textos filosóficos e ensinamentos metafísicos. Depois, o pai perguntou sobre o Absoluto ao outro filho, e este limitou-se a guardar silêncio. Então, o pai referindo-se a este último, disse:

- Filho, tu é que sabes realmente o que é o Absoluto.

in Os Melhores Contos Espirituais do Oriente, Ramiro Calle, Esfera dos Livros, p.122

segunda-feira, 9 de abril de 2012

MANHÃ AGRÍCOLA

por muito que me digas
em matéria de ecologia
eu não vou em cantigas

de resto diz-me
para que servem as toupeiras
que utilidade têm as formigas

as primeiras
escavam-me as raízes das colheitas
as segundas
devoram-me os grâozinhos das espigas

para alimentar as fábulas
de Esopo/La Fontaine?
para inspirar poemas a Cesário?

deixemo-nos de intrigas
se precisar de bucolismo no trabalho
arranjo um pintassilgo
ou um canário

sábado, 7 de abril de 2012

Misticismo barato e garrafa de vinho





O esplendor cruel da mais perfeita epilepsia a rebolar no côncavo do interior da mente, se fosse assim, a catedral a irromper absoluta
De todo uma ruína elaborada, digna de providenciar uma salva eterna num entrelaçar de aspectos, a fulgente e espontânea tese de repente de uma vez para assustar o compêndio de psicologia com essas novas ocorrências que poderiam configurar o santo a cantar no meio das paredes derrubadas a pontapés descalços de antítese
Colecção interminável de vibração ou inundação de luz pura
Ficou caído a precisar de auxilio magoado num ombro e orelha para depois o significado do mito auxiliado o levantar pelas muletas puras cheias de brilho, que obviamente podem surgir em casos especiais de maneira figurada, para posteriormente serem largadas em caminhos esconsos, trocadas por camisa e calças brancas figuradas também na Páscoa e ressurreição. Ainda que não fosse de maneira alguma religioso...
De qualquer forma Grande parte do conhecimento se desvendou quando doutrinado de tal indumentária ouviu os rouxinóis contarem que tinham voado pelo céu em direcção aos abismos e visto coisas como as não há
visto coisas como elas são
epifania tão violenta, repentina quanto o homem pode andar um único vórtice rasado um insulto barato aos demais para dançar para se divertir virado avessamente na catedral de criação autónoma
de que maneira se pode continuar saudável de lapsus linguae, e certamente pode, ao escrever num bilhetinho que só lhe restavam dois dias para viver e que ao mesmo tempo seria imortal sem precisar do eléctrico da carreira 28 na volta?
Nascimento morte e ressureicção no acto, seguindo-se que a atenção, mais emocional administrava estranhamente a quantidade e qualidade dos paradigmas em um plano que devido à sua natureza estava para além, e sem estar fora, dos clássicos
De positivo é, a conclusão aberta, acentuando-se de vigor nada paroquiano, posta a propósito para beatificar o pequeno que dorme (?) e em suas preces pede e perde-se. Seus nomes, quaisquer que sejam pelos quais o chamam vão num azul a voar
Já não vive a hora incerta é o percurso mais ou menos de nove meses agora extenso uno posto a nu
E pôde participar nisto, tomado de razão, como se fosse instruído e embalado por Nossa Senhora.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

se crente ama o outro, deus ama o mesmo - desvela-te amando a mesmidade na outridade no beijo do branco com o vermelho

Água-Cor

O País da Cor é líquido e revela-se
na anilina dos vasos de farmácia.
Basta olhar, e flutuo sobre o verde
não verde-mata, o verde-além-do-verde.

E o azul é uma enseada na redoma.
Quisera nascer lá, estou nascendo.
Varo a laguna de ouro do amarelo.
A cor é o existente; o mais, falácia.

- Drummond de Andrade

o menino sem asas
voa sem dizer adeus
grato
pelas asas que Deus não deu

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Durante a tempestade
a chuva afogou-se no oceano
e o peixe largou o isco
Na minha terra todos gostam de circo.
A notícia acontece quando o elefante enlouquece.
O bailarino cantou a morte do cisne num grito sem som.
Esticou-se no palco.
O cisne dançou a morte de quem o cantou.

Se me vires chorar, não te assustes, a lágrima é doce e me faz cantar.
Quando a saudade se entranhar no meu corpo, farei dela minha companheira, como se fosses tu a ocupar-me inteira.
Se a dor parecer tamanha, descobrirei nela a felicidade.
No fim da noite abrigarei o dia.

terça-feira, 3 de abril de 2012

pensa-te Deus e deixa fluir o não pensar matando-te - assim como aDeus há, não há nada a matar

Tu, Deus Pai, Criador por quem vivemos!
Tu, Sabedoria do Pai, por quem, reformados, vivemos sabiamente!
Tu, Espírito Santo, em quem vivemos bem-aventurados!
Trindade de uma única substância!

Único Deus de quem somos,
por quem somos,
em quem somos!

Princípio para onde refluímos,
forma que seguimos,
graça pela qual somos reconciliados!

Nós te adoramos e nós te bendizemos!
A ti glória nos séculos!
Ámen.

- Guilherme de Saint-Thierry (1085-1148)

segunda-feira, 2 de abril de 2012

DÁ QUE PENSAR

Eu e o mundo – há que pensar
As rodas do mundo sobre a lama do tempo
Deus limpando os olhos da maresia
Cansado de tanta vigilância permanente

Hoje aqui agora sempre
O merceeiro a roubar
Nos pesos e no preço da mercadoria

Deus
Controlando as ondas
Do mar
Da rádio
Da televisão
(e a fome
Será que foi de vez banida do mundo
Ao menos da Etiópia? )


Deus cansado De(u)scansado ?
Quiçá manco
Correndo a toda a volta
Da Terra
Aqui sintonizando os rádios
Ali desligando aquecedores em casa de idosos
acesos por incúria

Eu tentando um lapso
Uma pequena aberta nesta azáfama
Para puxar a Deus pela aba do casaco
- há que pensar
O stress
Não há já quem disponha
De um simples minuto para nos atender

Ou chegamos
Com um bom negócio em mãos
A casa das pessoas
E as portas se escancaram
Para os maples
Para o fogão de lenha
Para as paredes com o "menino com lágrimas"
ou
Deus – dá que pensar

Todos os amigos
Estão permanentemente absorvidos
E nós – o mundo –
Ou caímos no enxofre das tabernas
Para a sopa de grão e o vinho tinto
Ou caímos nos maples dos menos amigos
Na periferia
De uma família fria
Frente à luz a cores do aparelho de televisão

Só vi deus duas vezes:
A primeira andaria pelos meus dez anos
Fui roubar ameixas
À quinta de um vizinho
E um velho muito velho
Com o indicador em riste me apontou:
Menino isso não se faz

Sumiu-se o velho
Por detrás do fuste das ameixieiras
E uma pancada forte na cabeça
Fez-me ver estranhas luzes
E ouvir
Um interminável som de campainhas

Pela segunda vez, e última , que vi Deus
Foi num exame de Química no Liceu
Tinha que manusear um ácido qualquer
Muriático se a memória não me falha
E de tal ordem desastrada foi a minha prova
Que o laboratório se encheu de um fumo estranho
Fosforescente e a cheirar a enxofre
E o pobre professor
Me pareceu levitar de costas para o tecto
Segurando um bastão
Semelhante em tudo ao báculo
De Deus

Acho que não mais O vi
A despeito de algumas aflições ao fim do mês
E de certos pecadilhos
Que de vez em quando lhe confesso
Por e-mail

Por isso Deus
para mim
- dá que pensar

domingo, 1 de abril de 2012

Primeiro Automóvel

Que coisa-bicho
que estranheza preto-lustrosa
evém-vindo pelo barro afora?

É o automóvel de Chico Osório
é o anúncio da nova aurora
é o primeiro carro, o Ford primeiro
é a sentença do fim do cavalo
do fim da tropa, do fim da roda
do carro de boi.

Lá vem puxado por junta de bois.

- Carlos Drummond de Andrade