O CAMINHO DA SERPENTE

"Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo [...]".

"Ela atravessa todos os mistérios e não chega a conhecer nenhum, pois lhes conhece a ilusão e a lei. Assume formas com que, e em que, se nega, porque, como passa sem rasto recto, pode deixar o que foi, visto que verdadeiramente o não foi. Deixa a Cobra do Éden como pele largada, as formas que assume não são mais que peles que larga.
E quando, sem ter tido caminho, chega a Deus, ela, como não teve caminho, passa para além de Deus, pois chegou ali de fora"

- Fernando Pessoa, O Caminho da Serpente

Saúde, Irmãos ! É a Hora !


domingo, 2 de outubro de 2011

VÁ PARA OS BRAÇOS DE MORFEU





“A terra dos sonhos foi localizada em algum lugar no submundo, provavelmente perto do domínio da Noite e seus filhos. Poetas muitas vezes se referiam a dois portões principais do reino dos sonhos. Um portão tinha molde de marfim serrado, o outro de chifre polido. Sonhos falsos passavam pelo portão de marfim, enquanto verdadeiros sonhos proféticos asavam a sua saída pelo portão de chifre. Houve também quem disse haver um olmo murcho no domínio de Morfeu, sobre o qual os sonhos tratados pelo Onírico eram pendurados, com o semblante de asas-fantasma-forma saindo para a noite para se suicidarem, esgotados pelos desejos humanos.”

Um cansaço bíblico chega, qual mastodonte correndo pela planície durante meses a fio. E baloiça com seu momentum cansando homens e mulheres que tiram as roupas encharcadas de trabalho persistente

Acendem cigarros, enrolados por mãos tremebundas, cansados como retratos de gente cansada

Sacodem a roupa, acendem o último cigarro



Cansados como retratos de gente cansada cristalizando por arquétipos, esfaimados com raiva cega por absurdos. Atiram-se a suas enxergas, como os mastodontes desfalecendo no fim do caminho; e se encasulam para renascer na dobra de lençóis com piolhos
Sendo certo que por tais momentos, as paisagens se reconstroem placidamente... Açucaram-se em monumentalidades estupradas por gargalos de garrafas e enroladas nos últimos cigarros tremidos

Coros silenciosos colam na epiderme baça, choram um uivo, rezam um consolo despenteado nas dunas desses lençóis. Se abafam num sono de papel para comprovar a nação de maravilhas onde querem alternar

São os cansados que dormem num caixão de veludo masturbando a saudade em várias formas. Um pesadelo ou acontecimento faustoso não tem diferença para o ideal consumo do ópio em pratos invisíveis

Mas no seu sono ainda são sonâmbulos, pálidos restos desdobrados em ridículos teatros de mastodonte e lençol. Vasculham alegrias mirradas pela voragem dos dias nos caixotes de lixo das coisas imateriais...

Onde vão comprando caro as fantasias melifluas sob a lua amarelada, em sentido, falsa. Prosseguindo o estado repetido de asas de não-sei-quê a bater na cara.

10 comentários:

João de Castro Nunes disse...

Que é feito da "saudade do futuro"?... JCN

Coelacanto provoca maremoto disse...

JCN?

retornou da mansão do Hades?

bemvindo de volta ao patético mundo dos vivos, caro manipulador de marionetas (em poesia claro está)

Isabel Metello disse...

Ai, credo! Que a invocação de Morfeu abriu a Caixa de Pandora! JCN é mesmo um homem?
Coelacanto provoca maremoto, adoro tsunamis, mas sem morfina, please :)

João de Castro Nunes disse...

"Hades" ou "ades", em lugar de "hás-de", do verbo "haver"? É que, em terras beiroas, há também quem diga "adem" por "hão-de"! Que "manipulação"! Efeitos da "morfina"? Até pode!... JCN

João de Castro Nunes disse...

Como à Eurídice do mito,
deram-me autorização
para vir a esta mansão
dar o dito por naão dito!

JCN

Isabel Metello disse...

Sim, não entre é na onda de dar o desdito pelo prescrito, senão damos todos em uníssono um grito :)

João de Castro Nunes disse...

Pode gritar à vontade
que não me afecta os ouvidos,
dado que, além de entupidos,
estou surdo pela idade!

JCN

Isabel Metello disse...

Era um mero exagero, Sua Sumidade,
Nunca gritaria aos tímpanos de uma pessoa que revela uma certa idade, por uma questão de civilidade :)

João de Castro Nunes disse...

E por que não também de humanidade? JCN

João de Castro Nunes disse...

Fique sabendo Senhora,
que me rendo inteiramente
ao valor da sua mente
e sua alma encantadora!

JCN