domingo, 31 de julho de 2011

DIA

a noite vai parir
já se vê o sangue pelos campos
por detrás da ribeira

rebentaram as águas

um suave azul-cinzento
engole o tom da aurora

a plumagem das aves
secará as carnes
do menino

sábado, 30 de julho de 2011

HOMEOSTASIA

os primeiros figos
são dos pardais

os primeiros os segundos
os terceiros

sabem que mais
o que vos digo?
:
ou eu acabo c´os pardais
ou os pardais
me acabam
com os figos

Homeostase (ou Homeostasia) é a propriedade de um sistema aberto, seres vivos especialmente, de regular o seu ambiente interno para manter uma condição estável, mediante múltiplos ajustes de equilíbrio dinâmico controlados por mecanismos de regulação interrelacionados.

O termo foi criado em 1932 por Walter Bradford Cannon a partir do grego homeo similar ou igual, stasis estático.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Admirável aquele
cuja vida é um contínuo
relâmpago

Matsuo Bashô

quarta-feira, 27 de julho de 2011

OSLO 2011

o pirilampo voa
exibe aquilo que sente

voar é seu capricho

mesmo que de forma intermitente
empenha-se em mostrar
que não é gente

- é bicho

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Uns crescem estrelas, outros viram sapos
O eucalipto nasce de uma bola pequena
Há quem ganhe a forma de uma mulher.

Entre a galinha e o ovo,
aos que a sorte foi companheira,
nascem com tempo até morrer
Mudam de forma até envelhecer.
Aos que a sorte foi inimiga,
nascem com fome e morrem com ela
Mudam de forma antes de envelhecer.


No intervalo da nossa existência,
testemunhamos a vida.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Mulher

fosse ela de pedra
seria teu amor esculpido
em cada um dos teus beijos
fosse ela eterna
de pedra seria
teu amor perdido
em cada despedida

Ah, se ela fosse a noiva
que te senta ao colo
e abriga teu corpo
sem medo
serias o jovem poeta,
feliz com a  descoberta.

TORMENTA

se eu soubesse
deixar explodir
tudo o que eu não sei
e sequer
dou conta que sinto
meu corpo caia
sem peso
no peso do teu
fossem as estrelas
a luz de cada abraço
esquecido pelo caminho
teus doces lábios
nos meus
vazio que anseio
tormenta diária

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Estrelas Virgens

Olha as estrelas, mãe, conhece-las?
Elas nunca dormem e olham para baixo para a terra com olhos ansiosos.
Tal como eu que não tenho asas e não posso voar, e me sinto infeliz,
As estrelas também são infelizes porque não têm pés e não podem descer à terra.

Todas as manhãs desces até à curva do rio com
O cântaro no gancho do teu braço para ir buscar água;

As estrelas olham os seus reflexos na água e hora após hora pensam como seriam felizes se tivessem sido donzelas aldeãs e pudessem nadar no rio com os seus cântaros a flutuarem ao lado delas.

- Rabindranath Tagore

terça-feira, 19 de julho de 2011

aristo-CRACIA

estes Táxis de Londres
são os chapéus-de-coco
dos seus Lordes

"A coisa mais antiga de que me lembro é uma tarde de Primavera em que eu talvez ainda não tivesse nascido"




"A coisa mais antiga de que me lembro é uma tarde de Primavera em que eu talvez ainda não tivesse nascido. Pelo menos não me lembro de estar ali - só me lembro da claridade difusa daquele quarto em que a Primavera entrava. Uma calma infinita poisava sobre as coisas - como se fosse o princípio do mundo e tudo estivesse ainda intocado"

- Sophia de Mello Breyner Andresen (inédito do espólio)

domingo, 17 de julho de 2011

FÉ-estival

é de bem que se diga
no meio desta algazarra
:

quem canta no Verão
pelo prazer de cantar

e pela barriga

é mais formiga
que cigarra

quarta-feira, 13 de julho de 2011

conformidade da ideia com o objecto

...a verdade, é como o leite...
basta uma simples gota
para turvar de branco
a mais pura água.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Garbaje

Qual é o problema de Portugal ser um lixo? Não é no lixo que há brindes e bolo rei? Não é ao lixo que vêm buscar o que pode valer muito e depois vendem caro? Desperdícios de famílias enfortunadas? Não é ao lixo que vêm buscar coisas e reciclam, fazendo assim aproveitações nunca antes vistas? Não é das cinzas que sai a Phoenix renovada de cristal? Se as reciclagens estão na moda, como há reclico sem lixo? Como se constituía o fetiche lustroso e pouco acéptico das reciclagens se merdum não houvesse?

A propósito, será Portugal um lixo separado? Se sim, que tipo de lixo? Metal, plástico, papel ou vidro? Ou será lixeira da montanha dos arrabaldes das cidades para donde os camiões recolhedores descarregam tudo? Não é do lixo que as gaivotas se alimentam? Não é no lixo que há todo um romantismo por explorar? Vagabundos e outras marginais atiram-se ao lixo com a curiosidade de final do dia e mexem, remexem. Navegam lá, inauguram os descobrimentos porque sabem que no lixo there's more than meets the eye.
Mal empregado, puseram isto no lixo, uma placa desfibriladora da Rowenta. Vou já construir um comboio de arame e vime, tenho paciência e perícia.

Não está o lixo na categoria das alternatividades cada vez mais propagandadas, não obstante continuarem a denominar-se alternatividades? São as ditas coisas que é preciso fazer em tempo de crize, é nadar no lixo e ter "criatividade". Tanto tempo a criatividade esteve confinada ao seio "artístico". Criatividade agora: quem não a tem já na boca pronto a cuspir? "Ah, criatividade isto e aquilo, é preciso é criatividade, vamos ao lixo buscar os materiais e construímos uma empresa de jovens empreendedores que somos nós, ou então não nos safamos".
Haja lixo, haja o que houver, tudo é oiro e rosas.

Alternatividades tipo a agricultura biológica, a produção própria, a permacultura, os investidores por conta própria recorrendo ao microcrédito, tudo coisas em ascensão dos tempos modernos que em tempos foram antigos. O lixo fará parte deste tipo de items, é dar-lhe tempo, primeiro estranha-se, depois entra pelo nariz, o cheiro é forte, é tudo avant-garde.
Primeiro ignoram-te, depois riem, depois coiso e depois entram em negociações com o lixo e tiram partido dele e dizem "olha, até que há vantagens, sim senhor, nunca tinha pensado nisso". Assim o lixo há de ser moda grande que tudo há de cheirar a podre e ter Casinos Royales a fazer apostas.

Não está em voga os lixos e as coisas lixadas e seus aproveitamentos/reciclagens e reabilitações e apoio social ao domicílio e associações sem fins lucrativos com voluntariado mais exposto? Pois então peguem no Portugal e façam um brilharete, quinquilharia para oferecer às esposas, elas adoram bijutaria e coisas em segunda mão do Bairro Alto, Feira da Ladra ou artesanadas pelo ofertor.
Não se pode desperdiçar, logo lixo é bom.
Até os tios agora podem dizer que compraram barato em nome da "comunidade", há toda uma legitimidade para isso.
Temos de ser uns pós outros, melher.
Agora é fixe. Fixe lixo.

O Diogo Miguel anda a dizer mal de ti. Sabes o que é que toda a gente pensa que és? Um chibo!
Olha que a reputação é muito importante nestas idades. E a tua mãe é cantoneira, ó cabrão. Vai-te limpar a pele que bem precisas.

- Olha, filho, sabes como resolves isso? Chama-lhe o mesmo que ele te chamou. Fazes-lhe asneiras com as mãos, assim mostras que és igual... aliás, diferente da raça deles, aquela escória alarviana.
- Mas mãe, ele foi fazer queixa ao reitor. Agora vou ser suspenso e já não posso participar nas olimpíadas do clube. E nós íamos ganhar, garanto-te. Agora já sei como vai ser, o Rodrigo não me vai emprestar os carros, mas ao menos a Marta vai gostar mais de mim, os bad boys safam-se com as raparigas.
- O quê?! Não te vão emprestar a borracha? Cresce e aparece, pá, aprende a viver sem louvores e ofensas. É boa altura para aprenderes, acho bem isto ter acontecido que veio mesmo a calhar.
Desculpa, filho, esqueço-me que só tens sete anos.

domingo, 10 de julho de 2011

O pai não o deixava escrever poemas, porque para o seu pai, escrever poemas é coisa de maricas, não deixam crescer a barba de um homem e, um rapaz, para ser homem a sério, tem de primeiro ir à bola, aprender como se racha lenha numa só machadada. Mas o rapaz, lá na mesa de jantar, ao dizer que tinha um pássaro dentro do coração que queria voar, o seu pai batia com a mão na mesa que o fazia assustar e fugir para o quarto, onde, sozinho, vai crescendo com os seus poemas escondidos na cabeça, lá num cantinho, porque para ele, a cabeça é o melhor lugar para se esconder de tudo e de todos. Um dia, enquanto brincava na rua, caiu, deu de corpo inteiro no chão e sonhou. O seu pai estava por perto e foi de imediato socorrê-lo. Ao ter o filho nos braços cheirou-lhe a morte. E chorou. Chorou tão intensamente, que uns pequenos pássaros vindos da ferida aberta do lado esquerdo do peito do rapaz, foram-lhe beber água aos olhos.

sábado, 9 de julho de 2011

Quadras "platerianas" repentistas e tudo...



Dedicadas a Platero:)

Meia-lua, meia lua!

Meia-lua dos teus olhos

No cento da meia-lua

Cresceu hortelã aos molhos.


No meio desse rosal

Fez um anjo o seu desenho

Se o que fazes levo a mal

É pelo bem que te tenho.


Olhando a minha janela

Vejo dentro a alma tua

Se queres que eu entre por ela...

Meia-lua, ó meia lua!


Maria Sarmento

ECONOMIA DE MERCADO

o povo tem para dar - CRIATIVIDADE

os governos não se cansam de exigir - CRIA ATIVIDADE

sexta-feira, 8 de julho de 2011

JUSTIÇA?

de regresso à Pátria
morto no estrangeiro

o homem de dinheiro
faz a viagem
já não como passageiro

como o que sempre foi
:
bagagem

quinta-feira, 7 de julho de 2011

o pião


...gira pião...
...gira, gira...
...gira sempre, sem parar...
...nunca pares de girar, pião...
...que para sempre gires
na palma da minha mão...

ao Platero, ao poeta

ROSAS


a rosa não me perdoaria
se eu a ignorasse

como eu não lhe perdoaria
se ela fosse
uma rosa vulgar

jogo do PIÃO

pois bem
- no jogo do pião
quem o lança
com a guita
violentamente contra o chão

quem o apanha
e o transfere em rotação
para a palma da mão

quem fica a o olhar
com ar
de campeão

não sou eu - tenham a certeza -
:
neste jogo
de guita
e de pião

eu fui sempre o pião

quarta-feira, 6 de julho de 2011

for those who dwell in the mountains

 

You ask me
why I make home
in the mountain forest,
and I smile,
and am silent,
and even my soul remains quiet:
it lives in the other world
which no one owns.
The peach trees blossom.
The water flows.

Li Po

terça-feira, 5 de julho de 2011

não andei de camelo,
banhei-me no mar egeu
e fui tida como turca

Ao verbo respondi
com um sorriso
desconcertados
devolveram-me outro

em Londres, calei a fala
em Bodrum, inventei o silêncio
dona e senhora
da palavra esquecida
nunca pronunciada

entre turcos e ingleses
balbuciei a existência

no regresso
dei-te um beijo
em pensamento
ainda não deste por ele
Hoje a palavra é um excesso indesejado.
No meu silêncio existe uma resposta amiga, generosa e compassiva.

Quando o meu inverno se for, serei de novo a primavera. É assim a natureza.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

sei que existo

cansado
solitário
vário
velho

na dúvida confirmo-me

todas as manhãs
ao espelho

sexta-feira, 1 de julho de 2011

FUTURE

um dia
a poesia tomará o lugar do Marketing

nada se venderá
que não tenha um poema apenso
em vez da etiqueta
:
- uma ode um soneto
um epigrama
uma cantiga de escárnio e mal-dizer
uma singela quadra popular

nessa altura
quando nada se vender
:
- um copo de vinho na Taberna
um par de atacadores numa Sapataria
um stick de bâton na Loja de Perfumes
sem o anúncio prévio de um poema

nessa altura - quem sabe -
o engraxador da Praça-do-Giraldo
talvez possa encomendar-me
meia-dúzia
das minhas melhores estrofes