quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Uma Visão Armilar do Mundo no Projecto Babel, dia 6, 18 h, Biblioteca Nacional de Lisboa



Sábado, pelas 18 h, na Biblioteca Nacional de Lisboa, será apresentado este novo projecto editorial, no âmbito do qual será apresentado, junto com outros, e antes do lançamento oficial, o meu novo livro Uma Visão Armilar do Mundo. A vocação universal de Portugal em Luís de Camões, Padre António Vieira, Teixeira de Pascoaes, Fernando Pessoa e Agostinho da Silva (Verbo Editora).

Publico a Introdução:

Uma Visão Armilar do Mundo

Reúno aqui um conjunto de estudos e ensaios dispersos, bem como um extenso texto inédito, que versam sobre um dos rumos maiores da minha actividade enquanto investigador e docente, a reflexão acerca de Portugal e do seu sentido no diálogo hermenêutico com alguns dos seus mais destacados poetas, profetas e pensadores: Luís de Camões, Padre António Vieira, Teixeira de Pascoaes, Fernando Pessoa e Agostinho da Silva.

Em todos eles o leitor encontrará um nítido fio condutor: por vias diversas, estes cinco autores vislumbram e assumem em Portugal, na sua dimensão simultaneamente real e simbólica, uma vocação para a universalidade. Este Portugal e esta vocação, naturalmente pensados a partir da experiência histórico-cultural dos Descobrimentos e da diáspora planetária ainda em curso, assumem duas vertentes, simultâneas e inseparáveis: 1 - designam, por um lado, a predisposição e o impulso do povo, da nação e da sua cultura para uma aventura e convivência planetárias, que nos intérpretes aqui estudados se converte na assunção de Portugal como mediador ou inaugurador de um novo ciclo cultural e civilizacional, sob o signo de uma globalização ético-espiritual, em tudo contrastante com aquela, de teor económico-tecnológico, que hoje se impõe, com todos os problemas e riscos inerentes; 2 – por outro lado, Portugal e a sua vocação para a universalidade são assumidos, pelos mesmos autores, como símbolos de algo que interpretamos como o próprio homem ou a própria consciência, em busca de uma visão-experiência mais plena do real e na aspiração a realizar integralmente as suas supremas possibilidades. Desta interpenetração de dois registos do que se designa como Portugal, o real e o simbólico, e que se prolonga na leitura feita de algumas das suas mais paradigmáticas figuras, mitos e símbolos histórico-culturais, decorre uma complexa ambiguidade, que exige um rigoroso discernimento hermenêutico e crítico. É isso que procuramos fazer ao longo deste livro, num diálogo com os autores que procura pensar com e a partir deles e dos seus temas, problematizando as suas leituras, sem deixar de lhes aproveitar as sugestões especulativas.

Seja como for, encontro nestes cinco poetas, profetas e pensadores de Portugal, do seu sentido e destino, aquilo a que chamo Uma Visão Armilar do Mundo. O que designo como tal é uma visão-experiência do mundo sob o signo de tudo o que no símbolo da esfera armilar se implica: perfeição, plenitude, totalidade e infinidade. Tudo se passa como se nestes cinco autores o sentido último de Portugal, e/ou do que como tal se simboliza, não deixasse de ser o divino globo do mundo, ou a sua divina visão, revelada por Tétis a Vasco da Gama na camoniana Ilha dos Amores. Directa descendente da Esfera do Ser em Parménides, da Esfera do Amor em Empédocles e da Esfera camoniana, além de todas as tradições que figuram o divino e o incondicionado como uma Esfera infinita e omniabrangente, a Esfera Armilar acresce a essas, no entrecruzamento das suas múltiplas armilas, o símbolo da interconexão dinâmica de todos os seres e coisas, de todas as tradições e culturas, de todas as artes e saberes. Muito antes de se tornar a divisa de D. Manuel I, conectada com o domínio imperial e territorial do mundo, é essa a maior fecundidade simbólica da Spera Mundi – Esfera e/ou Esperança do Mundo, conforme foi interpretada – que tremula na nossa bandeira, como marca disso que Camões, Vieira, Pascoaes, Pessoa e Agostinho da Silva divisam na nossa cultura: ao contrário da atitude do nacionalismo ou patriotismo comum, luso ou lusófono, sempre tendentes a resguardar-se (agressivamente) atrás de supostos e estáticos perfis identitários e a privilegiar o mesmo em relação ao outro, a cultura portuguesa e lusófona primaria pelo impulso de converter muros em pontes, fronteiras em mediações e lugares de passagem, limites em limiares, num descentramento e abertura incircunscritos ao mundo e ao universo, a todos os povos e seres, a todas as línguas, culturas, religiões e irreligiões, a todas as formas de alteridade. Como se acentua em Pessoa e Agostinho da Silva, Portugal e a Lusofonia seriam mesmo movidos por um ímpeto de ser tudo de todas as maneiras e nisso sacrificar, esquecer e perder a própria identidade, transfigurando-a divina e cosmicamente, tal um sujeito místico que só se realiza plenamente, sendo tudo quanto pode ser, quando já não é isto ou aquilo, quando não existe, quando não é nada (de finito).

Decerto que nesta visão haverá uma boa parte de idealização optimista, que projecta na nação as próprias e supremas aspirações dos autores, pois o Portugal e a comunidade lusófona que, noutras perspectivas, surgem como reais, parecem ter sido e ser bem diferentes, para o melhor e o pior. Tudo depende, como sempre, da perspectiva que condiciona e dá forma à percepção do que chamamos real. Contudo, para além de toda a deconstrução psicológica e psicanalítica possível, permanecerá qualquer coisa por esclarecer, que é o fundo obscuro que torna esta visão reiteradamente presente nalguns dos nomes mais representativos e geniais da nossa cultura. Independentemente de esta visão armilar do mundo corresponder a uma missão, vocação, potencialidade ou aspiração, creio que ela é, indubitavelmente, a visão mais fecunda que do mundo se pode ter, sobretudo se for assumida não como mera forma de autogratificação intelectual, cultural e/ou supostamente “patriótica”, como algo de já garantido e possuído de uma vez por todas, mas antes como projecto individual e colectivo a desenvolver, dádiva, tarefa e serviço a prestar a si, à nação, ao planeta e ao universo. Porque uma visão armilar do mundo é, como vimos, uma visão-experiência do mundo sob o signo da perfeição, plenitude, totalidade e infinidade, real ou possível, convidando à abertura da mente e do coração ao entrecruzamento, intersecção e interacção armilares de todos os seres e coisas – que na verdade não são, mas entre-são, como disse Pessoa - , ela não pode senão conduzir a um Abraço solidário à natureza e a todos os entes, que seja a busca de realização do seu Bem, a todos os níveis, do espiritual e cultural ao ecológico, social, económico e político, sem discriminação de raça, sexo, religião, nacionalidade ou espécie. Uma visão armilar do mundo é uma visão-experiência integral do mundo, sem cisões, exclusões ou parcialidades.

É sob a influência deste potente símbolo, a Esfera Armilar, e em busca de uma filosofia armilar como cumprimento da vocação de toda a filosofia, antes modo de vida do que mera teoria, que inicio com este livro um novo ciclo da minha produção filosófica e literária, numa natural metamorfose daquele antes iniciado sob o signo do Finisterra e do Atlântico [1], já antecipada num livro e na ficção sobre Agostinho da Silva [2] e emergente nas obras publicadas mais recentemente [3]. É também sob o signo da Esfera Armilar que publico aqui os três últimos ensaios, de carácter mais pessoal, onde os dois últimos apontam rumos concretos de acção e intervenção pública, inspirados no que designo como patriotismo trans-patriótico e universalista e consubstanciados no projecto Refundar Portugal/Outro Portugal.

E é o símbolo holístico da Esfera Armilar que - numa era celebrada como multicultural, mas ainda tão falha de uma visão real da interdependência ou do entre-ser universal de todos os seres, povos, nações, saberes e culturas - invoco como paradigma plenamente actual e contemporâneo de um destino por cumprir, de um potencial em aberto, de um chamamento urgente, vindo do mais fundo sem fundo de cada um de nós e do qual depende hoje a própria sobrevivência humana, a biodiversidade e o equilíbrio do planeta: ver e experimentar o mundo divinamente, ou seja, integralmente, sem cisões, exclusões ou parcialidades.


Paulo Borges

Lisboa, Penha de França,
13/14 de Janeiro de 2010

[1] Cf. Paulo Borges, Do Finistérreo Pensar, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2001; Pensamento Atlântico. Estudos e ensaios de pensamento luso-brasileiro, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2002.
[2] Id., Tempos de Ser Deus. A espiritualidade ecuménica de Agostinho da Silva, Lisboa, Âncora Editora, 2006; Línguas de Fogo. Paixão, Morte e Iluminação de Agostinho da Silva, Lisboa, Ésquilo, 2006.
[3] Id., Princípio e Manifestação. Metafísica e Teologia da Origem em Teixeira de Pascoaes, 2 volumes, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2008; A cada instante estamos a tempo de nunca haver nascido (aforismos), Lisboa, Zéfiro, 2008; Da Saudade como Via de Libertação, Lisboa, Quidnovi, 2008; A Pedra, a Estátua e a Montanha. O Quinto Império no Padre António Vieira, Lisboa, Portugália Editora, 2008; O Jogo do Mundo. Ensaios sobre Teixeira de Pascoaes e Fernando Pessoa, Lisboa, Portugália Editora, 2008.

4 comentários:

  1. Prometo que me porto bem.

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  2. Vou levar os livros todos que tenho do mestre buda para que os assine.

    Assim:
    O mestre que nada ensina.
    ass. PUB

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