terça-feira, 8 de setembro de 2009

Os exércitos sonhados

"O sonho, quando demasiado vivido, ou familiar, torna-se uma nova realidade; tiraniza como ela; deixa de ser refúgio. Os exércitos sonhados acabam por ser derrotados, como os que baqueiam e se desmoronam nos encontros e batalhas do mundo."

Barão de Teive, A educação do estóico, p. 42.

22 comentários:

  1. O sonho será menos sonho quando estamos conscientes de que sonhamos, estejamos nós adormecidos ou acordados?
    Não será isso de todo indiferente?

    Afinal, ainda quando estamos conscientes de que sonhamos, estamos a sonhá-lo, visto que sonhar é, creio, precisamente a vivência da realidade presumida liberta de todo o constrangimento: até livre de si mesma ela se ata.

    O ponto é, parece-me, que a consciência de qualquer coisa é em si mesma correlativa a essa coisa, e (ou mais, ou menos) excludente de todas as outras - o que é um morder da cauda da própria realidade, na base de tal (auto-)limite de con-sciência.

    Como diz o texto:
    "torna-se uma nova realidade; tiraniza como ela; deixa de ser refúgio."

    Passa a ser a realidade duma outra realidade, de uma outra realidade, de uma outra realidade - infindamente...

    A realidade sempre tende para a tirania da realidade que de si mesma sustenta ser portadora.

    Deixa de ser refúgio, e passa a mero refúgio na liberdade de refugiar-se.
    O que não é liberdade.
    Nem verdadeiro refúgio, aliás.

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  2. É preciso sempre sonhar de novo, ou não sonhar de todo. Penso que aqui "sonhos" são "imaginações". O texto mostra que nos apegamos às nossas imaginações, desejos, expectativas, e que aí elas nos sufocam como a realidade nos sufoca - aparentemente ao autor. É então preciso abandonar essas imaginações, desobcecarmo-nos, e ou sonhar de novo ou não sonhar de todo.

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  3. E o sonho, na minha acepção do texto, não só tiraniza como a realidade, isto é, são tiranos para nós - penso se não será de facto o contrário, se não seremos nós os tiranos da realidade... - como tiraniza com a realidade. Tende a impôr-se sobre ela, e constantemente batalham. Mas no fundo somos nós que batalhamos, e até estupidamente - para quê querermos impôr a nossa realidade, que nem sequer é real mas imaginada, sobre a realidade, talvez escapando assim? Escapando, ou, vontade das vontades, impondo o nosso estúpido e pequeno ego sobre aquilo que é a grandiosidade encarnada, a própria realidade. Mas muita luz pode cegar e "não suportamos muita realidade". O adormecer tem em si algo de sagrado, como se escondesse um mistério, pois vamos para o campo da inconsciência e dos sonhos.

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  4. Penso que o ponto é a fuga à realidade. A consciência de qualquer coisa é aprisionadora. A obsessão é pior. Penso que o ser humano é profundamente obsessivo. E a obsessão angustia. Os sonhos tiranizam com a realidade quando se tornam obsessivos. Mas esses somos nós que os criamos, ao contrário da realidade. A realidade é-nos imposta, está aí. Saber lidar com ela é o cerne da questão e provavelmente a questão das questões: como lidar com o facto de nós e tudo isto existirmos? Como viver? O texto pode transportar-nos até aqui, por exemplo.

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  5. Decerto que não. Nem o mundo é deste mundo.

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  6. O que é tudo isto? Sinceramente, não sei, desconheço. É um mistério. Vivemos nessa ignorância. A própria pergunta é acutilante. Mostra a nossa incapacidade de saber. Se calhar há sábios que sabem. Se calhar não há uma resposta racional ou verbalizável. Melhor é tudo esquecer e... viver.

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  7. Pessoalmente, considero o sonho e a fantasia muito bons. Fazer da realidade fantasia é encará-la de frente e penetrar o cinzento de todas as rochas, entrar no chão, subir aos céus. Fazer da realidade fantasia é pensá-la. Pensá-la como tão real que só pode ser uma fantasia. De quem? De facto, podemos chamar "Fantasia" ao todo da realidade. A fantasia.

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  8. Se nada é deste mundo, de que mundo é tudo? Só há um mundo. Tudo ocorre neste mundo. O sem mundo, as infinitas dores e alegrias, ocorrem nesta existência. A existência ocorre no sem tempo. A consciência na eternidade.

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  9. Tudo o que é demasiado vivido ou familiar acaba por ser derrotado.

    Porque tendemos para o não vivido e não familiar.

    Como a serpente caminhamos, temos o nosso caminho de libertação.

    E da própria serpente nos libertamos e de todos os símbolos, para apenas experienciar.

    Andamos de experiência em experiência quando não compreendemos que a vida é uma experiência.

    E mesmo desta ideia nos libertamos para apenas... vivê-la.

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  10. O mundo é encontro e batalha. Quem batalha? O eu com o mundo. Tenta impôr-se sobre ele. Impomo-nos fisicamente sobre o mundo, caso contrário não estaríamos vivos, mas a nossa visão do mundo, que lhe acrescente algo, será sempre falsa. Mas há o mundo do espírito. E esse é vasto, um fluxo, universal, corrente em que todos participamos. A consciência é a grande corrente do Universo, a inconsciência universal, em que conscientemente participamos, sentindo aí Deus e o verdadeiro amor de Deus que mais não é que amor. Êxtase constante e permanente. Conexão. Céu.

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  11. A consciência é do céu. Não é deste mundo. A consciência é propriamente do não ser, do não existir, da paz. É da pacificação. Ou da guerra. Mas todas acabam por se pacificar - morte. Aí a consciência retorna à consciência, mas não lhe deveríamos chamar consciência mas inconsciência ou paz ou pacificada. Podemos sentir isso.

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  12. Mas o mundo da inconsciêncía é uma experiência da consciência. É de facto a experiência da não dualidade, mas talvez apenas no sentido em que é a experiência do não pensamento, a experiência pura, qualia. Isso acontece quando contemplamos algo, quando a nossa mente se perde em algo. Sempre que se perde em algo, desde contemplar uma obra de arte a arranjar um parafuso de uma porta. Há concentração e a atenção é selectiva. Na arte porém há vários elementos, quando há, e em jogo podemos ir seleccionando os elementos a que prestar mais atenção, porque jogamos com a obra de arte. Então nessa contemplação há um movimento, e especialmente na música há movimento. A obra conduz quem contempla, mas quem contempla pode explorar as catedrais da obra. E cada boa obra é como um templo.

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  13. Mas se cada boa obra é como um templo, só o é porque é um templo para nós ou para alguém. Um templo pode também ser um refúgio. Cada um encontra refúgio naquilo que lhe apraz. Isto para dizer que um templo tanto pode ser um tema, se falarmos de música, de Tony Carreira como de Beethoven. Ou um texto de Pessoa ou um de uma pessoa qualquer, um texto artisticamente mau. Há obras artisticamente más que também são templos. São importantes para alguém. E templo é tudo o que é importante para alguém. Mas aqui põe-se a questão que algo moralmente mau também pode ser um templo.

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  14. O sonho é preferível à realidade. Por isso é preferível que a realidade seja um sonho: um sonho sem... realidade! Mas isso só acontece quando experienciamos a inconsciência. Aí simplesmente somos. Penso que é sobretudo uma experiência de concentração, espontânea ou induzida. Essa concentração em algo é desconcentração em relação a tudo o mais. Concentração num único objecto. Esse objecto pode ser a própria experiência, qualia, concentração no qualia. Consciência da consciência, consciência da experiência. Por isso há que procurar experiências agradáveis, que nos não perturbem ou que nos desperturbem. O sonho, as imaginações, pode ser uma delas. Mas não poderíamos enumerá-las todas, porque qualquer coisa serve, embora nem todas sejam moralmente boas.

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  15. Suzanne Vega:

    I'd like to meet you
    in a timeless, placeless place
    somewhere out of context
    and beyond all consequences.

    O Paraíso...

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  16. Os "livros que em nós morrem" fazem sempre a maior festa: em geral, a festa de si...

    Só que o que se festeja realmente nunca está ou pode estar presente.

    Ou melhor: "onde" isso está, não há ninguém que o festeje!

    O haver isso lá é "demasiada" plenitude, para haver outra festa que não a festa ser tudo o que há em todos e em tudo...

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  17. Moby:

    Like a place I can feel
    but never will see.

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  18. A "necessidade" da última palavra também?...

    (Be my guest!)

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  19. e como adoro reler esta passagem...recordando a música de nick cave em sonoridade de fundo e a posição de quase-lótus, no chão, escutando estas palavras...

    sonhar é fazer acontecer...invocar...relembrar...projectar...imaginar...então questiono, tudo é sonho, certo? e existe algo mais para além do sonho?

    namastê

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