(Para a Luiza, o Paulo, a Isabel, Lapdrey, José António Lozano e para todos os serpentíneos, em fim de tarde de "llansolianos" maios)
_______________A música é uma maneira de estar à escuta sobre a superfície sonora do papel. O que se eleva é uma partitura lançada sobre a montanha dos nomes do passado. Cada rosa é um canal de uma Veneza esquecida; cada nome é um segredo no sustenido da hora. Amplificar a hora poderia ser esta visão de um texto suspenso no ar, um texto como um agasalho para a nudez do pintor. Nos olhos da bailarina havia um fio que se prolongava até ao rio. Esse rio era frio. A música era um piano a escorregar da nota; a palavra a cair na pauta de um canto em Parasceve. Como um bosque o teu sorriso tinha a cor do espaço edénico de um fim que não tinha início em nenhum tempo preciso. E contudo do teu pescoço alto e dos teus olhos a fogo pintados na paisagem da ausência saia uma luz que se assemelhava às folhas em branco dos cadernos do fim da tarde. A imagem de uma girafa a arder. Isabel passeava pelo jardim com um ramo de palmeira nas mãos. Esperava a Primavera no desejo da luz que trazia nos lábios. Num espaço que não era deste mundo e se desvanecia no pó de milhares de estrelas, a cantora leitora derramava-se na beleza do azul. O mar e a montanha chamavam Camus e Vergílio para o deserto e para a montanha da geografia do texto. Je fixe mon attention sur ce feuillage, et sur les cheveux bien fournis qui sous la lumière... E o homem debruçado sobre o piano tinha os dedos-pássaros poisados no indimensionado piano do tempo. Havia um céu que descia para os pés do homem. As asas estavam escondidas, cobertas pelos ramagens das árvores. O homem pronunciava um som que era como a chuva a cair no sino da aldeia onde se perdeu a mágica partitura de uma palavra transparente. Uma gota a bater na tarde do sino. Je me transforme en (...) musiquante e ofereço um segredo aos amantes sem voz. Eu sou um traço. Não de silêncio, mas a continuidade de uma abertura ao espaço da epiderme das rosas. Ao espaço da minha pele, à libido da minha intocada sede. O espaço de uma palavra viva. A escrita que se abre como um rosto aceso nos olhos da escrita viva. A intensidade de um jardim fulgurante, vivido.
Fico a olhar para as duas a sorrir...
ResponderEliminar...Lembro que um sorriso é assentimento; quando à vida se diz: SIM! Isso é um sorriso e com esse sorriso nos lábios, fico a olhar as duas...
ResponderEliminareu sorrio de tanta tontice
ResponderEliminarAnónimo,
ResponderEliminarpois eu também sorrio de tu sorrires do que dizes ser tontice... porque também o é... e isso faz rir quem lê e quem não lê...
Um sorriso
Como na imagem, uma impossibilidade de me erguer, de me curvar apenas sobre o que resta de musical, de infinito. Um violino soa sempre, nos textos de Saudades, como uma dor e uma vibração esplendorosas. Há como que uma composição que me desperta do sono mortal, há como que uma composição que me embala a vida para esse lado de onde sou e já não sei a direcção. Os cabelos ficam-me, como no quadro, em pé de tanto ouvir a saudade na minha máxima letargia e numa certa impaciência por permanecer aqui. O violino com que este texto evoca os fios de outra compositora, a Gabriela, arrepiam-me a pele, é da nudez dos dias, é da nudez dos sentidos desligados do mundo. Fica-nos o corpo como uma estátua e também demoramos a escutar. Um corpo de pedra é sempre um corpo arrefecido e frio. A ressonância do som demora mais a chegar ao âmago do coração. Então concluo, com o atraso da resposta que, devido ao frio do mundo, preciso de um sol desenhado nas costas.
ResponderEliminarUm sorriso
Uma imagem de pedra e um violino azul é sempre um motivo de sorrir. O sol, a branco, desenhado nas costas é o da criança que escondida atrás do coelho é Alice do tamanho de uma formiga. Mas sabia que Isabel olharia para a imagem com atenção amorosa. Os meus cabelos também ficariam em pé se a impaciência me consentisse ficar suspensa no fio da espera. Gabriela ouve também de algum ponto invisível as palavras e os passos: a respiração dos dias, o arrepio dos dias, os sentidos num outro lugar fora do mundo. Demoramos a escutar, porque a pedra do corpo, lisa e fria, tem um sol branco. Talvez que seja preciso pintá-lo. Miró daria uma ajuda, mas aí já as formas e as cores seriam outras: amarelo, encarnado, azul. Cores puras e quentes para chamar o Sol. O mundo pesado desaparecia no fino traço das figuras. Seriamos como olhos ou pássaros a olhar a montanha e a sorrir do desprendimento das formas e da sua transformação...
ResponderEliminarP.S. Já tinha tantas saudades da “sua” escrita! Mesmo em reduzidas “doses” é um “bom veneno” ou o seu antídoto, para a nua e crua paisagem do dia-a-dia. “Apagada e vil...”
Grata.