Aperto
A memória
Aperta o coração
Sufoca a garganta
Traz lágrimas submersas
Reais e não choradas
Vertidas na consciência
Que lembra
A táctil música-espaço
Que anseia o impossível
Tactibilidade selvagem perdida
No horizonte
Sonhado para além
Da negridão para além
Da brancura para além de
Tudo és. Além
Ausente buraco negro
Sem fundo coração - tudo
Tocas, perscrutas
Se te perscruto na sabedoria
Nunca sabida oração até
Que os músicos da saudade
Silenciem a mente tua
Abandonada no mais frio
Imaculado nada.
João Darque, Pautas para uma obra imaginária, Livreira Nocturna, 1999.
Acabei agora de ler as últimas páginas dum livro sobre problemas que bem poderiam ser teus. O autor propusera-se, com um optimismo que tem aqui e além um não sei quê de ingénuo, abrir caminhos de solução, com teorias e conselhos.
ResponderEliminarTerá conseguido o seu propósito? Não sei. A palavra lida é tantas vezes traiçoeira… Por isso é que eu preferiria falar contigo, num diálogo todo feito de simpatia e amizade. Sabes o que é? Poderias responder, objectar, quem sabe, negar aquilo que eu te dissesse. Assim, não é tão fácil. Mas, compreendes que tem de ser assim.
Ousaria apenas fazer-te um pedido. Se não estiveres de acordo, não cedas ao encantamento de te contentares com o viver serenamente nesse desacordo. Bem sabes, que, nesse caso, a verdade não pode estar simultaneamente em ti e em mim. E se a dúvida vier a habitar o teu espírito, não cedas novamente, talvez esse o maior perigo de te estabeleceres com algo de definitivo. Não seria uma atitude lógica. Nesse caso, pergunta, com humildade, sim, mas também com a consciência de que seria maior o erro daquele que, podendo ajudar-te, não o fizesse.
Há um problema fundamental que tanto nos angustia. Alguns tê-lo-ão considerado já com clareza mais que esmagadora. Tu tê-lo-ás sentido, quem sabe, ou talvez não. Mas nem por isso deixa de ser um problema vital, profundamente humano, que se torna impossível suprimir sem recusar ser Homem. Quem quer que sejas, terás de o olhar de frente. Ele engloba um número sem conta de outros problemas, aqueles que tu chamas “cruciais”. Cruciais porque te colocam numa encruzilhada de caminhos em que se impõe uma escolha.
A vida, para ti humano, tem ou não um Sentido?
O Homem, que és tu, eu, nós, eles, elas, tem ou não tem um Destino?
Sentes dificuldade em responder? É natural. Mas serena-te, ouve-te e não dês ouvidos àqueles que se escandalizam com a tua dificuldade e te condenam só por isso. Serão almas pouco ricas, talvez mesmo orgulhosas. E o orgulho é o sinal maior de pobreza. A resposta será possível quando tiveres encontrado a solução para os problemas parciais da tua existência. Por exemplo:
Já pensaste no problema do Corpo? É uma maravilha da evolução, do equilíbrio, simultaneamente tão rico e tão frágil; tão orgulhoso da sua força e tão ameaçado a cada momento; tão cheio de alegria de viver e tão capaz de sofrer… De onde vem ele? Para onde caminha? Toda a sua história se reduzirá a uma passagem do berço até ao túmulo? Como deverás tu tratá-lo? Como instrumento de gozos imediatos e fáceis ou como companheiro do teu interior luminoso e ideal?
Já pensaste no problema do Outro? Porque existe o “outro”, que por vezes te afasta e outras tantas vezes se te aproxima? Incomoda-te com os seus defeitos, ou até com as suas qualidades… Sentes-te atraído pela sua amizade, sentes-te preso ao seu Amor?
Já pensaste nele? Que coisa é essa Amar? Explorar o outro ou servi-lo? Porque será o amor tão cheio de sedução e outras tantas vezes cheio de desilusão? Em si mesmo tão puro, e, de facto, tão violado!
Já pensaste na Morte? Porque será que ela te aparece tão absurda, como simples negação de tudo, negando o melhor que há em ti mesmo, sempre combatida e sempre aparentemente tão vitoriosa?
Já pensaste no problema da Vida? Qual será a sua origem? Qual será o seu acidentado propósito? Qual será a lei que a regula? Uma lei em ascensão prodigiosa através do entrechoque dos indivíduos e das espécies?
Já pensaste no problema do Progresso? Na rapidez com que se realiza, no imprevisto de que se reveste, na ambiguidade com que se apresenta? Será ele o factor de libertação ou fonte de cataclismos? Caminhará ele ao lado da evolução ou será uma realidade antagónica?
Já pensaste no problema do Mundo? Cada vez mais gigantesco, cada vez mais vasto, imensamente rico, imensamente velho, imensamente pobre e aos teus olhos sempre jovem? O mundo prodigiosamente ordenado, não obstante a sua materialidade!
Já pensaste no problema de Deus? O que é para ti isso de ser ou haver Deus? Existe? Não existe? Se existe, falará ele contigo? Se fala contigo como poderás escutá-lo? Se o ouvires como poderás responder-lhe? Estás ao lado dele, dentro e fora dele em ti, ou à parte de toda e qualquer concepção?
Sim… já pensaste em tudo isto. E agora, em estilo de diálogo amigo, em que mais podes tu pensar?
Não sei em que mais posso pensar. Talvez em mais nada.
ResponderEliminarAcredito que Deus me conhece.
Acredito que Deus me guia.
Acredito que por vezes d'Ele me afasto.
Acredito que Deus todos conhece e todos guia.
Acredito que por vezes todos d'Ele se afastam.
Acredito que o diálogo com Deus é um diálogo estranho.
Acredito que quando estamos perante Deus estamos despidos, isto é, sem quaiquer defesas.
Acredito que esse é o momento em que nos purificamos.
Acredito que Deus está dentro e fora de mim.
Acredito que Deus sabe que não sou perfeito, por exemplo quando me deixo levar pela tentação de picardia (mas isto é lógico, se sabe tudo sobre mim também sabe isso).
Acredito que devia respeitá-Lo mais do que por vezes o faço, porque não se deve escrever automaticamente sobre Deus, de ânimo leve.
Quando digo que acredito que Deus nos guia, estou a dizer que somos impelidos por nós e pelo que nos rodeia para as situações em que nos encontramos. Deus é, também mas provavelmente não só, essa força que está em todo o lado e que a tudo e todos impele para o presente, para as situações, para as circunstâncias, ou que as cria.
Por isso, penso que o problema de Deus está intimamente ligado ao problema do Destino.
Agora:
O que significa "Destino"?
Significa estar fadado desde o início a vir a ser isto ou aquilo e nada poder fazer contra isso?
Acredito que Deus, a cada momento, nos impele para o nosso Destino.
Acredito que o nosso Destino é o nosso fim.
Acredito que o nosso fim é a situação em que nos encontramos a cada momento.
Acredito, por isso, que o Destino é diferente do Destino Final.
Por exemplo, acredito que a situação em que me encontro agora é ou foi o meu Destino.
Acredito que assim é porque Deus assim o quis.
Acredito que Deus fala comigo e connosco de uma forma estranha.
Como disse, vai-nos guiando.
Não dizendo "Faz isto, faz aquilo", mas levando-nos às situações.
Acredito que nos leva às situações através de nós próprios ou através de outros.
Acredito que por vezes os outros estão lá, isto é, aparecem-nos, como "enviados" por Deus.
"Enviados" não quer dizer que são anjos ou que vieram de outra dimensão, mas que Deus, de uma forma que desconheço, os colocou na nossa vida.
Acredito que o Mundo, ou a Existência, tem origem em algo com poder criador.
Acredito que tem de existir um poder criador.
Acredito que esse poder criador é fértil.
Conheço dois tipos de fertilidade: a corporal e a mental.
Acredito que a fertilidade mental é a Imaginação.
Não acredito que o Mundo tenha uma origem Abstracta porque o que é abstracto parece-me infértil.
Acredito que o abstracto é, na verdade, mental.
Acredito que o facto de existir objectividade no que é abstracto justifica-se pelo facto de termos composições corporais ou mentais semelhantes.
Por isso, não acredito na existência de Formas.
Voltando à questão do Destino, mas vendo-a agora do lado do Sentido. Penso que a pergunta que está a ser colocada é: estamos neste mundo por alguma razão? Por que estamos neste mundo? Existe algum telos?
Há pessoas felizes, há pessoas que sofrem muito, mas todos estamos condenados à Morte. Teremos feito algum mal no passado (por exemplo noutro mundo, noutra existência) para estarmos condenados à Morte?
São problemas para pensar durante uma vida inteira.
Acredito que temos capacidades ou faculdades que podem ser desenvolvidas.
ResponderEliminarAcredito que as "virtudes" são umas dessas capacidades.
Acredito que a compaixão, a humildade e a capacidade de sofrer são ou as mais importantes ou das mais importantes.
Acredito que essas virtudes se aprendem através do relacionamento com o Outro.
Acredito que é possível que existam pessoas mais fadadas para a virtude, pessoas em que é mais inata, embora, pelos casos que conheço, se deva também a bons guias, como pais, professores, namoradas ou amigos.
Acredito que a compaixão é importante de uma forma estranha.
Afinal, podemos viver sem que sejamos compassivos.
Acredito que os actos compassivos nos libertam dos pesos das nossas existências, isto é, do sentimento de culpa, culpa por actos ou omissões.
Acredito que a compaixão nos torna pessoas melhores.
Acredito que como humanos que somos sofremos demais.
ResponderEliminarAcredito que sofremos demais não só fisicamente com mentalmente (falo por mim).
Acredito que sofremos injustamente.
Acredito que esse sentimento de injustiça gera revolta.
Acredito que a revolta pode levar ao bem ou ao mal.
A revolta é a sede de justiça.
Aí, podemos tornar-nos bons ou maus.
Podemos tornar-nos terroristas ou pessoas compassivas.
Uma questão: um terrorista é necessariamente uma pessoa má? Ou poderá ser alguém que, revoltado, por exemplo por terem morto a sua família ou o seu povo, decide fazer o que julga justo?
Lemos muitas vezes na Bíblia histórias atrozes, mas podemos lê-las à luz da compaixão, como Karen Armstrong nos incita a ler.
Se aplicarmos essas histórias ao mundo de hoje, nomeadamente ao fenómeno do terrrorismo, poderemos considerar que alguns terroristas são pessoas compassivas? Ou serão apenas loucos, maníacos, lunáticos, psicopatas?
Dou o exemplo do povo Palestiniano.
Será que não há coisa alguma que justifique a violência?
Que sabemos nós da Palestina, se desconhecermos a sua história ou se não tivermos algum tipo de testemunho real quanto ao que lá se passa?
Que sabemos nós acerca das motivações dos outros?
Há uma pessoa, noutro blogue, que acusa os islâmicos do Paquistão, do Afeganistão, de serem um povo atrasado em relação ao ocidente, onde há meios, bons médicos, boa educação e tudo o mais.
Será que essa pessoa já parou para se interrogar sobre a razão desse atraso?
Será que essa pessoa já teve contacto com algumas zonas do nosso país?
Que sabemos nós se nos limitarmos a ler a opinião escrita nos jornais portugueses de referência?
Há os bons e há os maus e está tudo resolvido: é o eixo do mal.
Por exemplo, o Paquistão, agora, decidiu executar os terroristas.
Será correcto?
A vitória de Obama, por exemplo, que pode trazer muito bem ao mundo, não se deverá a uma operação de charme para que os EUA não percam mais poder ou para que o renovem?
E, no caso de assim ser, isto é, no caso de ser para manter um império ocidental, será que nós, como ocidentais, devemos apoiar essa ideia, apenas por sermos ocidentais?
Julgo que não e julgo que não porque estaríamos a olhar apenas para o nosso umbigo, isto é, a esquecer o Outro.
Acredito que o Progresso tem aspectos bons, como o tratamento de doenças, e aspectos maus, como a dependência da tecnologia, as relações cada vez mais virtuais e a opinião fácil e desorganizada (como eu muitas vezes faço).
ResponderEliminarNão acredito que seria bom voltarmos à idade da pedra, nomeadamente devido à facilidade de comunicação actual (aviões, TGV internet). É bom os povos poderem estar em contacto.
Porém, penso que há muito exagero. Há dias visitei uma casa do futuro e meteu-me nojo. Para tecnologia basta-me um computador com internet. "Todos os dias" se actualizam Windows, e DVDs, e carros e tudo o mais. Penso que deveríamos parar com algum desse progresso.
Há dias (ontem?) abriu o maior centro comercial da Europa em Portugal, e as pessoas faziam fila para entrar. Rejeito esse tipo de progresso. Não porque defenda ou deixe de defender particularmente os pequenos comerciantes, mas porque não me apetece ir para um ambiente artificial e supérfluo sempre que quero comprar um livro ou um cd (o que é raro nos tempos que correm, por razões económicas e de atitude perante os objectos e o consumismo).
Defendi, há dias, o anarquismo, e o Paulo Borges publicou um post muito interessante de Confúcio que me abriu os olhos: se o Governo é bom, serve-o. Não significa isto que sejamos escravos desse Governo, mas que aceitamos as suas políticas porque são boas.
Não sou a favor da ideia de que o progresso depende principalmente do investimento de capital, porque a meu ver essa ideia é o fundamento de uma sociedade em que se troca de casaco todos os dias, arranja-se o cabelo todas as semanas, troca-se de carro de 2 em 2 anos, janta-se fora todos os dias, gasta-se pipas em "cultura". Sou a favor de um abrandamento económico e de uma maior preocupação social e individual. Como disse há dias, penso que é preciso parar para pensar. Não serei infeliz se um dia morar na rua - poderei sofrer fome, maior exposição a doenças, ao frio do inverno, ao calor do verão e a outros perigos. Mas isso não fará de mim mais ou menos feliz do que sou hoje, apesar de sofrer imenso (se um dia estiver nessas condições). Então, de que depende a felicidade? E será a felicidade o mesmo do que paz? O que são uma e outra?
ResponderEliminarO humano colide
ResponderEliminarO seu próprio fado
Deus então decide
A que está fadado.
Na Sua sabedoria
Anterior a nós
Deus hipostasia
Até que tenhamos voz.
Absorto nas alturas
Ou presente em todo o lado
Negras doces canduras
Ages por nosso agrado.
Da vontade liberto
Não tens preferências
Adormecido ou desperto
Acolhes as condolências.
Conheces a lei do mundo
Que aceitas com humildade
Com o Teu amor fundo
Alcanças a liberdade.
Vives a Tua impotência
Perante insana lei
Essa é a ciência
Que faz de Ti o Rei.
Que vivemos não sem antes
Clamarmos vitória
Pois se sofríamos dantes
Cantamos hoje Tua glória.
A Tua luta é brava
Em oração renascendo
Não usas a palavra
Nem tão pouco o crescendo.
Não procuras extasiar-Te
Pois deixaste de existir
Para quem sofre Te viraste
Em busca do seu sorrir.
Não queres ser imitado
Nem nunca o tiveste querido
Sim estarás extasiado
Com o consciente unido.
Aí então descerás
E a Tua face veremos
O céu auro abrir-se-á
Júbilo eterno cantaremos.