16. As verdades feitas de palavras são ilusórias.
O espírito que se tornou o não-espírito é a única realidade.
Isto é a realização; isto é o bem supremo.
Amigos, deste bem supremo surge o despertar.
17. O espírito absorvido pelo indizível é puro e perfeito.
Ele é inafectado pelo bem e pelo mal deste mundo,
como o lótus permanece intacto, impoluto pela lama onde lança raiz.
18. É certo que todas as coisas devem ser vistas como um encantamento, uma magia.
Se não fazeis nenhuma distinção entre samsara e nirvana,
se não desejais ou rejeitais nem um nem o outro,
o vosso espírito permanecerá firme, inabalável,
livre do véu da obscuridade.
Além do pensamento, conhecereis a vossa essência incriada.
19. Este mundo ilusório jamais existiu desde o início.
Desprovido de finalidades, ele é sem desígnio.
É assim que aparece àqueles que velam numa contínua meditação.
Indizível, indestrutível e sem ego.
20. A consciência, o mental e todo o conteúdo do espírito são “Isso”.
Do mesmo modo, o universo e tudo o que parece ser dele distinto são “Isso”.
Todas as coisas que podem ser percepcionadas e aquele que percepciona,
mesmo a obscuridade, o ódio, o desejo e a inteligência são “Isso”.
21. Como uma lamparina que brilha na noite da ignorância espiritual,
“Isso” elimina as obscuridades do espírito.
Com um mental disperso,
quem pode imaginar a pura consciência do sem desejo ?
22. Não há nada a negar, nada a afirmar ou a apreender,
pois “Isso” não pode ser compreendido.
Por causa do poder de divisão do mental, sobrevém a ilusão.
A realidade última permanece indivisa e pura.
23. Se permaneceis na oposição do uno e do múltiplo,
a unicidade não se revelará, pois ela é dada aos seres livres da dualidade.
A jóia está latente no coração do espírito.
Ela é revelada pela meditação.
A consciência indestrutível é a vossa verdadeira essência.
24. Uma vez instalado no reino da beatitude,
o espírito torna-se livre.
Desta forma todas as coisas lhe são proveitosas;
mesmo quando parece correr atrás dos objectos dos sentidos, não é alienado por eles.
25. Em primeiro lugar, vêm os rebentos da alegria e da felicidade,
depois as folhas de uma glória inefável.
Se nada dispersa a perfeita interioridade,
a indizível beatitude surgirá.
26. Finalmente, o caminho espiritual percorrido não é nada:
que o ser esteja repleto de paixão ou não, a realidade é vacuidade.
27. Mesmo se aparentemente sou como um porco cobiçando o lamaçal do mundo, que faltas permanecem num espírito desprovido de máculas ?
Aquele que não é afectado pelo mundo, como poderia ele ser obstruído ?
- Saraha, Canto Real, in L’Essence Lumineuse de l’Esprit, tradução francesa e apresentação por Erik Sablé, Paris, Éditions Dervy, 2005, pp.39-54.
Caro Paulo,
ResponderEliminarque bom é ler estes versos sobre o Despertar.
Grato pelo post. Se o permitir, gostaria de os colocar no meu blogue para partilhá-los com mais pessoas.
Saúde:)
Caro Kunzang, esteja à vontade. Nada disto me pertence. É de todos.
ResponderEliminar